Reitor honorário da Universidade de Lisboa, membro da Unesco, e segundo lugar na eleição para presidência de Portugal, António Nóvoa falou para professores e educadores sobre os rumos do ensino para o futuro (Foto: Rodrigo Milanni/UFJF)

“Como nos tornamos professores e professoras?” Essa foi a questão levantada pelo Programa de Residência Docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A pergunta, longe de ter uma resposta fácil, foi o mote do convite ao professor doutor António Sampaio da Nóvoa, reitor honorário da Universidade de Lisboa e representante de Portugal na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em um encontro informal fechado com professores e educadores no Centro de Ciências da UFJF, Nóvoa abordou o que forma os educadores e quais os rumos do ensino para o futuro.

O professor foi um dos responsáveis pela fusão entre a Universidade Clássica de Lisboa e a Universidade Técnica de Lisboa, em 2013. Em 2016, candidatou-se à presidência de Portugal, recebendo cerca de 22% dos votos e ficando em segundo lugar. Sua campanha presidencial teve como um dos motes “A educação como motor da liberdade”.

Ao longo de sua exposição, o professor apresentou suas perspectivas sobre os processos de formação dos professores e os desafios futuros para a manutenção da escola. Ele apontou que vivemos em tempos de metamorfose da escola, onde novas tecnologias e perspectivas sobre o lecionamento se renovam em velocidades não vistas anteriormente. Para Nóvoa, “é necessário que nos preparemos para uma metamorfose de ensino iminente”. Ele ressalta que a valorização do professor é extremamente necessária nos tempos atuais. “Tudo que busca desvalorizar o seu papel é prejudicial para as nossas perspectivas como sociedade.”

“Precisamos repensar criticamente muito do que conhecemos e apreendemos durante anos de atuação.”

“Vivemos hoje uma nova revolução do conhecimento, não se aprende mais das mesmas maneiras que eu aprendi quando era jovem. Temos que pensar o conjunto da formação dos alunos de uma forma mais ampla, de maneira que abarque o novo. As crianças e as tecnologias são muito diferentes do que eram antes. Precisamos repensar criticamente muito do que conhecemos e apreendemos durante anos de atuação”, afirmou o professor.

Para o pró-reitor adjunto de Graduação e membro do Programa de Residência Docente, Cassiano Amorim, a presença de Nóvoa na UFJF é uma ótima oportunidade para a troca de conhecimentos de realidades distintas. “Ele é uma referência acadêmica para a área de formação de professores e de gestão universitária. Neste sentido, tê-lo aqui neste bate-papo traz uma imensa colaboração para nós, que estamos na gestão da Universidade, e para aqueles que estão na formação de novos professores.”

O Portal da UFJF conversou com o professor António Nóvoa sobre os rumos da educação e o contexto mundial.

Em entrevista exclusiva para o Portal da UFJF, Nóvoa aborda o que chama de metamorfose da escola, a partir das novas tecnologias e formas de aprendizagem (Foto: Rodrigo Milanni/UFJF)

Portal UFJF: Como o senhor enxerga um possível interesse de um desmembramento da universidade e da escola pública?
A escola está em um processo de grande mudança, que eu chamo de “metamorfose” da escola. A escola tal qual a conhecemos irá mudar, seja por conta das tecnologias, pela evolução da sociedade, da ciência ou pelas novas formas de aprendizagem. A escola tem que mudar muito. Essa mudança, no entanto, não pode por em pauta a base pública da escola para todos, em que se produza em comunidade, para que possamos trabalhar uns com os outros por uma escola com um bem público e comum a todos. Eu agora estou na Unesco, em Paris, e a afirmação da Unesco permanente é que a educação é um bem público e comum. Esta é uma luta que temos que travar no mundo inteiro.   

“A escola tem que ser esse lugar de liberdade com razão, responsabilidade e ciência… É uma liberdade em que nós aprendemos a pensar as coisas a partir de uma base informada de conhecimento. No dia que não servir para isso, a escola não serve para nada.”

Uma das ideias mais defendidas pelo senhor é a noção da participação da sociedade dentro da escola. No atual cenário, onde vemos uma demonização da escola e de seus processos, como o senhor encara a participação da população nos processos escolares?
Nós precisamos ter a escola sempre como um espaço de liberdade em todos os planos, o que não quer dizer confusão ou anarquia. Liberdade quer dizer responsabilidade. Essa liberdade é o que está no coração da escola. É a possibilidade das pessoas expressarem livremente as suas escolhas, discutirem de forma racional, informada e científica, construindo a escola como esse espaço livre de discussão. Tudo que põe em questão isso é negativo para a escola. Seja aquilo que põe em causa a liberdade do aluno, dos professores, dos conteúdos ou dos debates. A escola tem que ser esse lugar de liberdade com razão, responsabilidade e ciência. É uma liberdade em que nós aprendemos a pensar as coisas a partir de uma base informada de conhecimento. É para isso que serve a escola. No dia que não servir para isso, a escola não serve para nada.

Como o senhor encara um processo de mecanização e sistematização do processo de ensino?
Os grandes desafios hoje são com as novas formas de aprendizagem e com a consciência de que os alunos de 10, 12 anos não aprendem e utilizam o cérebro da mesma maneira que eu utilizei. A revolução digital do conhecimento é enorme e tem consequências profundas sobre os processos de aprendizagem. É preciso que os professores percebam essas consequências e não sejam professores de lições, mas aqueles que acompanham as aprendizagens, que levam o aluno à investigação.

E qual seria então o papel do professor nesse novo contexto?
A grande tarefa do professor não é ser aquele que dá aulas atrás de aulas, como era antigamente, mas ser aquele que é responsável pela aprendizagem dos alunos e é capaz de os conduzir por qualquer meio. Essa é a grande tarefa do professor e é uma incubência enorme. Nós não sabemos como vai ser o futuro da escola, mas temos a certeza absoluta de que ela não vai ser mais como ela é hoje. Não sabemos as direções que vai tomar, mas sabemos que vai mudar muito nos próximos 15 anos. Agora é preparar os professores para essa mudança, mesmo que não saibamos ainda direito para onde ela vai. Essa é uma questão central hoje para termos uma escola pública de qualidade, que seja para todos e onde todos possam fazer suas aprendizagens.