O Portal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) inicia nesta segunda-feira, 15, a publicação de uma série de entrevistas com pesquisadoras e pesquisadores da instituição sobre a proposta de reforma da Previdência, apresentada pelo Governo Federal.

A primeira entrevista da série é com a professora da Faculdade de Serviço Social, Viviane de Souza Pereira. A assistente social é mestre e doutora em Serviço Social, pelas universidades Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), respectivamente, e suas pesquisas abordam, principalmente, as seguintes temáticas: pauperismo contemporâneo, questão social e política pública de assistência social, com ênfase em gestão pública e sujeitos sociais.

A primeira entrevistada da série é a professora da Faculdade de Serviço Social, Viviane de Souza Pereira (Foto: Arquivo pessoal)

A primeira entrevistada da série é a professora da Faculdade de Serviço Social, Viviane de Souza Pereira (Foto: Arquivo pessoal)

Portal da UFJF: O Governo Federal entregou à Câmara Federal uma proposta de reforma da Previdência Social. O objetivo é alterar significativamente o regime de pensões e aposentadorias concedidas aos brasileiros. O argumento principal do Governo e dos demais defensores do projeto é que o atual sistema previdenciário opera em déficit e, sobretudo, inviabiliza o crescimento econômico do país. Há inúmeras controvérsias acerca dessas afirmativas. Em sua avaliação, há déficit? O atual sistema previdenciário inviabiliza o crescimento econômico do país? A mudança proposta pelo Governo Federal, caso aprovada, garantiria o crescimento econômico do país e a geração de empregos e renda?

Viviane de Souza Pereira: O sistema previdenciário não é deficitário. São diversos os estudos e pesquisas que vêm sendo realizados, como a da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e uma série de pesquisadoras e pesquisadores de diversas áreas de universidades brasileiras, como a professora Sara Granemann da UFRJ, que desmontam essa afirmação. A proposta do governo só parece possível se a população acreditar na necessidade de uma reforma que retire uma imensa parte de seus direitos e, para isso, o governo lança mão de terrorismo quanto à possibilidade futura de assegurar um mínimo de aposentadoria para a maioria. A Previdência é parte da Seguridade Social que dispõe de uma ampla fonte de receitas previstas constitucionalmente. Quando apresenta as contas do sistema à população, o governo não contabiliza todas as receitas disponíveis no e ao sistema. Por isso e, também, em função de mecanismos como a desvinculação das receitas da União (DRU), que autoriza o governo a deslocar 30% dos recursos da seguridade para onde bem entender, as contas do sistema previdenciário, quando apresentadas, aparecem deficitárias. Se jogarmos em uma cesta tudo que entra e/ou deveria entrar no sistema (fontes previstas), pelo estabelecido Constitucionalmente, e tudo que sai, a conta é simples e é superavitária na verdade. O crescimento do país está vinculado diretamente a um movimento de acumulação de capital que é mundial, embora guarde especificidades nacionais. Portanto, as dificuldades que enfrentamos aqui não são isoladas desse processo, embora tenham elementos de agravamento e celeridade próprios, devido a todo processo de formação sócio-histórico do país e também conjunturais. Atravessamos um momento de desindustrialização crescente que expulsa cada vez mais trabalhadoras e trabalhadores do mercado de trabalho e isso faz com que globalmente a economia capitalista perca força concreta, uma vez que é o trabalho humano que assegura sua existência real. Ela têm se mantido exatamente em função da manutenção do chamado capitalismo financeiro. Aí está o grande ponto de interesse na reforma da previdência e nas demais reformas propostas que caminham no sentido do desmonte dos direitos conquistados e do deslocamento dos recursos do chamado fundo público para a esfera financeira, marcadamente para alimentar o chamado sistema da dívida.

Recentemente a Organização Internacional do Trabalho divulgou um estudo apontando o fracasso da privatização da previdência privada na maioria dos países em que foi implantada.

No caso da Previdência – viabilizada por meio da previdência privada, via capitalização, que nem pode ser chamada de Previdência na verdade, pois é uma aplicação financeira como outra qualquer com todos os seus riscos concernentes – recentemente a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um estudo apontando o fracasso da privatização da previdência privada na maioria dos países em que foi implantada. Aumento da desigualdade de gênero e de renda, pressões fiscais enormes criadas por custos de transição e permanência, altos custos administrativos, rendimentos e valores das aposentadorias baixos e o fato de quem se beneficiar com as poupanças dos trabalhadores e trabalhadoras ser exclusivamente o sistema financeiro, foram algumas questões mais destacadas. Mais da metade desses países busca reverter esse sistema, agora com maiores dificuldades. Por aqui, a mudança proposta pelo governo na previdência, associada a já aprovada reforma trabalhista, representa um verdadeiro desastre, em termos econômicos e sociais, uma vez que não são dissociados. Com pouco mais de um ano da aprovação da reforma trabalhista, com a promessa de maior geração de emprego e renda, o que vemos é exatamente o contrário. Vínculos cada vez mais frágeis, quando existentes, aumento expressivo do número de “desalentados”, um desemprego que afeta pessoas de todos os segmentos da classe e que apresenta pouquíssimas possibilidades de reversão diante do quadro que dispomos. Assim, a combinação com a reforma da previdência, ao contrário de gerar mais crescimento, emprego e renda aumentaria enormemente a situação de penúria a que já está submetida grande parte da população brasileira. Fundamentalmente aquelas e aqueles que já estão à margem do mercado de trabalho ficariam ainda mais distantes dessa possibilidade, uma vez que o giro da economia seria ainda mais prejudicado, enquanto que os demais, inseridos em ocupações precárias, de baixas remunerações e ainda assegurados de alguma forma, veriam cada vez mais distante a possibilidade de alguma segurança social em sua velhice. É uma reforma ruim para o país. Ruim para todas e todos.

Portal da UFJF: O sistema previdenciário brasileiro opera pelo regime de repartição simples. Faz-se a divisão entre os contribuintes das despesas com o pagamento dos benefícios em manutenção, ou seja, a contribuição do trabalhador da ativa financia as remunerações dos aposentados. A “Nova Previdência” prevê a mudança para o regime de capitalização, cuja característica principal é o pré-financiamento do benefício, ou seja, o próprio trabalhador produzirá um montante de recursos necessários para sustentar o seu benefício previdenciário. Quais seriam em sua avaliação as principais consequências desta possível mudança para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros?

Viviane de Souza Pereira: Como disse anteriormente, a capitalização não pode ser chamada de Previdência. A ideia da previdência social pública nasceu da própria coletivização dos trabalhadores, pautada por um conceito de solidariedade e o regime de repartição se baseia nessa perspectiva. Já a capitalização é um negócio. Um negócio em que, nesse caso, a contribuição é individual, crescente e determinada, mas o que se recebe não. O valor a receber não pode ser determinado, pois é literalmente uma aposta, que se dá de imediato em duas frentes: no mercado da bolsa de valores e na ciranda de títulos da dívida. Essa inversão atinge em cheio as trabalhadoras e trabalhadores e, fundamentalmente, aquelas e aqueles que estão alijados do mercado de trabalho e dependem dos benefícios assistenciais e que potencialmente deverão ser cada vez mais numerosos no país, ainda mais diante da quase impossibilidade de aposentadoria representada pela combinação reforma trabalhista mais reforma da previdência. As consequências dessa proposta são as mais nefastas possíveis. Teremos um número enorme de pessoas simplesmente descobertas de qualquer proteção e renda em sua velhice. Considerando o quadro atual e crescente de desemprego e trabalho informal, a possibilidade desse investimento individual não se efetivar é real, assim como o aumento expressivo do empobrecimento da população.

Teremos um número enorme de pessoas simplesmente descobertas de qualquer proteção e renda em sua velhice.

Um trabalhador precário, informal, não consegue arcar mensalmente, por no mínimo 40 anos, com sua própria contribuição de forma isolada e ininterrupta, somada a altas taxas administrativas de um sistema financeiro voltado obviamente para a produção de juros, para ao fim e ao cabo, receber não se sabe quanto, se der sorte de o sistema que administra seu dinheiro não quebrar até lá. Essa dinâmica não é correta. A Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) realizou um estudo que foi publicado em matéria da revista “Isto é Dinheiro”, no final de março, que nos dá a exata ideia dos interesses financeiros envolvidos. É assustador. Ao final de dois ciclos longos de capitalização exclusiva na Previdência, o sistema teria um patrimônio de R$ 54 trilhões aplicado nos fundos de investimentos, mais de treze vezes o montante atual aplicado e, esse montante geraria, em média, um faturamento anual de R$ 388 bilhões (vejam bem, R$388 bilhões por ano) em taxas de administração e outros dividendos para os bancos. Avalio que isso deixa bem claro os únicos que ganham com essa proposta. É uma transferência direta dos cofres públicos para a esfera de investimentos de riscos privados. Como dito não há justificativas para isso. E a explicação é uma só: a necessidade de alimentar a dinâmica do capital financeiro que têm sustentado a lógica de funcionamento da sociedade capitalista nesse momento.   

Portal da UFJF: O projeto apresentado pelo Governo Federal altera a regra geral para aposentadoria, ampliando a idade mínima para homens e mulheres empregados na iniciativa privada. O texto proposto também acaba com a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição, que existe hoje para mulheres que completaram 30 anos recolhendo para o INSS e homens que atingiram 35 anos. Em sua avaliação, caso a “Nova Previdência” seja aprovada, quais os impactos dessas mudanças, especialmente para trabalhadores e trabalhadoras das classes mais pauperizadas e menos escolarizadas, que enfrentam maior dificuldade para conseguir trabalho formal (com carteira assinada) ao longo da vida?

Fica evidente o impacto negativo que a proposta representa para quem começa a trabalhar muito cedo.

Viviane de Souza Pereira: Uma parte expressiva das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros, fundamentalmente os mais pobres, começa a trabalhar muito cedo em atividades informais e/ou formais e, em muitos casos em ocupações desgastantes, insalubres, com inserções precárias. E isso, segundo dados dos relatórios mensais da Previdência Social, se estende até a aposentadoria, dificilmente se alterando. Para se ter uma ideia, quase 30% das aposentadorias concedidas pelo INSS em dezembro de 2018 foram por tempo de contribuição, praticamente todas direcionadas a trabalhadores urbanos, contrariando, inclusive, o imaginário de que o trabalho precoce se daria somente no campo. Nesse quadro, os dados demonstram que os homens recém aposentados por tempo de contribuição entraram no mercado de trabalho com uma variação de idade entre os 11 e 20 anos e as mulheres aposentadas por esse mesmo critério, entre 21 e 25 anos de idade. Identificada essa realidade, fica evidente o impacto negativo que a proposta representa para aquelas e aqueles que começam a trabalhar muito cedo, em atividades em geral pesadas. Com vínculos frágeis, contando dinheiro para assegurar sua contribuição como autônomo precocemente ou inserido de forma precária no mercado formal. Sem meias palavras: uma condenação ao trabalho desde a mais tenra idade até a morte.

Portal da UFJF: Comente, por favor, a proposta do Governo Federal para mudanças na aposentadoria de trabalhadoras e trabalhadores rurais. O referido grupo, que hoje já tem regras diferenciadas, passa a ter idade mínima de 60 anos para homens e mulheres, ou seja,  a “Nova Previdência” pretende aumentar a idade mínima para aposentadoria das mulheres. Pela regra vigente, elas se aposentam a partir dos 55 anos. O governo também quer ampliar o tempo mínimo de contribuição para 20 anos.

A reforma proposta atinge todas e todos, mas frontalmente e de forma avassaladora as mulheres.

Viviane de Souza Pereira: A reforma proposta atinge todas e todos, mas frontalmente e de forma avassaladora as mulheres. E, no caso das mulheres do campo, essa questão fica mais grave ainda em função da penúria em que se desenvolve esse trabalho e do peso das tarefas desenvolvidas por essas trabalhadoras. Começam a trabalhar muito cedo, num trabalho pesado, que acumula as atividades da terra com as atividades da casa e do cuidado com os filhos, reproduzindo a lógica de uma sociedade patriarcal como a nossa. Essa situação que atinge as mulheres em geral é uma forma de baratear os custos do trabalho e assegurar um aumento expressivo na produtividade do capital. No caso das mulheres do campo, com as especificidades e dificuldades do trabalho rural é um absurdo sem tamanho. A exigência de contribuição, a idade mínima, a ampliação do tempo mínimo de contribuição, tudo isso impacta profundamente na vida da trabalhadora e do trabalhador rural em um momento quando o agronegócio está sendo beneficiado de forma aberta diante da agricultura familiar. O rendimento familiar de quem vive no campo é baixo e assegura de forma precária somente a sobrevivência, o que torna quase impossível a adequação às novas regras propostas. Provocará uma piora na vida dessas pessoas, que levará ao envelhecimento sem nenhuma proteção, como nos casos dos trabalhadores urbanos, com o agravante de que o envelhecimento no campo em geral é precoce em função da natureza pesada e precária do trabalho. Poderá levar, também, a um aumento do êxodo rural, como no passado, em busca de tentativas de sobrevivência. Na realidade, a vida das pessoas no campo que já é de muitas dificuldades e pobreza, embora façam parte de uma categoria essencial ao país, pode se tornar miserável. A proposta, se aprovada, pode extinguir o acesso à aposentadoria para milhares de trabalhadoras e trabalhadores, principalmente aquelas e aqueles vinculados à agricultura familiar, que não terão como contribuir com o sistema e ficarão descobertos. O desrespeito ao papel dos sindicatos no processo de representação e de organização dessa categoria também precisa ser destacado. Representa mais uma afronta e uma forma de enfraquecer a organização da classe no país para que mais e mais direitos sejam retirados.

Portal da UFJF: Quanto às alíquotas de contribuição previdenciária, quais seriam as principais mudanças para trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos? Qual a sua avaliação acerca das mudanças propostas?

Viviane de Souza Pereira: A proposta é unificar as alíquotas em um sistema para cada faixa remuneratória, tipo o do imposto de renda, com o suposto argumento de “quem ganha mais paga mais”. Contudo, sabemos que essa questão impacta diretamente sobre o salário já defasado das trabalhadoras e trabalhadores, gerando sua maior desvalorização. Representa, na prática, uma redução de salário ou confisco como vem sendo sinalizado pelos sindicatos. Para tratar efetivamente a questão de “quem ganha mais paga mais” é preciso uma reforma tributária que institua impostos progressivos de fato e para que isso ocorra reformular a tabela do imposto de renda e estabelecer a taxação de grandes fortunas e heranças são providências primordiais.

Portal da UFJF: Quais são as principais alterações propostas pelo Governo Federal para aposentadoria dos servidores públicos?

Ocorre uma intensa campanha de desvalorização do Estado como prestador de serviços de proteção social.

Viviane de Souza Pereira: O desmonte do serviço público e de nossas condições de trabalho e de vida também segue acelerado, com o agravante que já atravessamos o processo que ganhou corpo nos governos FHC, que ampliou a terceirização nos espaços públicos e, também, nos legou o fator previdenciário entre outros tantos prejuízos; a reforma da previdência feita no governo Lula e especialmente direcionada a nós; a instituição da Funpresp no governo Dilma e agora o golpe final com essa proposta que, se aprovada, praticamente acaba com a definição de Previdência Social. É preciso afirmar categoricamente que foi somente com muita organização e pressão popular, por meio de nossas entidades, sindicatos, partidos de esquerda e movimentos sociais, que conseguimos manter de pé na vida concreta, ainda que uma pequena parte do conjunto de proteções sociais estabelecidas originalmente em nosso texto constitucional, entre elas áreas fundamentais como a seguridade social e a educação. Durante todo esse período que vai de FHC até o tempo presente. Os ataques foram intensos e frontais e as tentativas de desmonte, muitas delas resultantes em sucesso, também. Todo processo de desconstrução do Estado brasileiro, que passa pela lógica de redução da oferta de serviços de proteção social, além de afetar a população como um todo, afeta duplamente o conjunto dos servidores públicos das mais diversas formas. Desde nosso cotidiano de trabalho, o que inclui logicamente a qualidade do serviço que conseguimos prestar diante da escassez de recursos existentes e do alto grau de exigências colocado em confronto com as precárias condições de trabalho que encontramos, até nossos planos de carreiras vilipendiados ano a ano, a falta de data base, o desrespeito com nossas organizações sindicais e outras tantas questões que demandaria um tempo extenso para enumerar aqui, até alcançar a proposta colocada para nós nessa contrarreforma da Previdência e, obviamente, nossa condição de sujeitos também atendidos pelas políticas nas quais atuamos. A Apes JF, nossa seção sindical do Andes SN, preparou por meio de nossa assessoria Jurídica, um material condensado muito bom, com todas as regras anteriores e futuras, caso a reforma seja aprovada. Nesse material, que está disponível na página da Apes, baseio a síntese que segue. De forma bem geral, pois são várias as alterações que nos afetarão diretamente, o projeto de reforma prevê a questão do aumento da alíquota de contribuição previdenciária de forma progressiva, além do aumento da idade mínima e do tempo de contribuição. Ou seja, mudanças importantes de critérios de acesso, cálculo de benefícios e aumento de contribuição. Nas chamadas regras transitórias ou provisórias (válidas após a aprovação da reforma e até a aprovação das legislações complementares), a idade para aposentadoria sobe para 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O servidor precisará cumprir 25 anos de contribuição, os 10 anos no serviço público e cinco anos no cargo para pedir a aposentadoria. No que diz respeito ao cálculo dos benefícios a situação é extremamente preocupante. Excetuando casos definidos e bem específicos como das aposentadorias decorrentes de acidente em trabalho por exemplo, todas as demais aposentadorias equivalerão a 60% da média das contribuições, acrescida de 2% por cada ano que ultrapassar os 20 anos de contribuição. Isso significa alcançar 100% somente após 40 anos de contribuição. Sobre a contribuição previdenciária, de imediato passaria para 14% e depois com a aprovação das legislações complementares seria adequada de acordo com as faixas salariais, num formato parecido com o imposto de renda, como já comentei anteriormente. Sobre as regras de transição, são três os casos mais marcantes. O servidor que entrou no serviço público antes de 2004, se mulher precisaria de 62 anos de idade e 30 de contribuição; se homem 65 de idade e 35 de contribuição; além disso, ambos 20 anos de serviço público; e cinco anos no cargo, para assegurar paridade e integralidade. Os benefícios aqui seriam pagos na integralidade, como ocorre hoje, exceto para quem se aposentasse antes da idade mínima necessária, caso em que seria aplicada a regra de 60% da média das contribuições já explicitada. Já os servidores que entraram antes de 2004, mas não preencheram os requisitos para ter direito à paridade, e também os que ingressaram depois de 2004, precisariam preencher os seguintes requisitos: a) 56 anos de idade, se mulher, e 61, se homem (a partir de 2022 57/62 anos); b) 30 anos de contribuição, se mulher, e 35, se homem; c) 20 anos de serviço público; d) cinco anos no cargo, e e) o somatório de idade e do tempo de contribuição, incluídas frações, equivalente a 86 pontos, se mulher, e 96 votos, se homem (a partir de 2020, será acrescida um ponto a cada um ano até atingir o limite de 100 pontos para a mulher e 105 pontos para o homem). Aqui é importante lembrar que uma lei complementar também irá ajustar essa pontuação sempre que ocorrer aumento na expectativa de vida da população. O cálculo aqui também será feito com base na média de 60% das contribuições ou nos 40 anos de trabalho para os 100% como dito anteriormente. E, por fim, a terceira transição que remete à questão da aposentadoria daquelas e daqueles que possuem regras especiais de tempo, como professoras, professores, policiais, agentes penitenciários ou socioeducativos, servidor que exerça atividades com efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde e servidores deficientes que congreguem uma série de requisitos específicos para requerer o benefício. Aliado ao desmonte dos serviços públicos de atendimento à população e ao processo de precarização do trabalho imposto aos servidores públicos ocorre uma intensa campanha de desvalorização da estrutura do Estado como prestador de serviços de proteção social e, também, do trabalho realizado pelos seus trabalhadores. A base dessa estratégia consiste em reforçar a lógica privatista de que tudo que é realizado pela esfera privada é realizado com mais economia e eficiência e, portanto, com melhores resultados. Contudo, qualquer pesquisa rápida em dados oficiais, inclusive, pode demonstrar claramente o contrário. Quase a totalidade da produção de ciência, tecnologia, avanços educacionais, sociais e econômicos de grande vulto e alcance social estão localizadas nas iniciativas desenvolvidas por dentro da estrutura pública por meio de trabalho árduo, sério e sistemático de todo um conjunto de trabalhadoras e trabalhadores que asseguram o planejamento, a execução e a avaliação dos serviços prestados a população de forma permanente e comprometida com a finalidade do atendimento devido. Importar a lógica da esfera privada para o funcionamento do Estado não cabe na realidade brasileira, uma realidade marcada por profundas desigualdades. Dentro da sociabilidade capitalista é preciso que o Estado esteja cada vez mais presente na proteção social, via socialização do fundo público, transferindo parte da riqueza que é coletivamente produzida para quem é de direito. Isso só é possível, nesse modo de produção, por meio de um funcionamento adequado, transparente e democrático da estrutura pública disponível, para qual o trabalho dos servidores e servidoras é essencial. Precisamos falar mais sobre isso. Desmentir essa campanha mentirosa que paira na sociedade e que é utilizada de forma irresponsável e oportunista para esvaziar o Estado de sua dimensão social, fortalecer a esfera financeira e que chama de privilégios conquistas árduas das diversas categorias que compõem o serviço público e que, direta e indiretamente, resultam em um atendimento mais qualificado para toda população.

Portal da UFJF: E quanto à aposentadoria de professores e policiais? Como a “Nova Previdência” poderá impactar os referidos grupos?

Viviane de Souza Pereira: A aposentadoria das professoras e professores somente se dará a partir dos 60 anos de idade, 30 anos de contribuição exclusivamente em efetivo exercício de funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, 10 anos no serviço público e cinco no cargo efetivo que se der a aposentadoria. Atualmente, professoras se aposentam com 50 e professores com 55 anos, com mínimo de 25 e 30 anos de contribuição respectivamente. Como é possível perceber a proposta do governo aumenta em 10 anos (dez anos) a idade mínima para professoras, desconsiderando completamente as condições de acesso ao mercado de trabalho, que estão ruins para todos, mas piores para mulheres; a precariedade do exercício da função, os salários desiguais entre homens e mulheres, a tripla jornada feminina e todas as questões que permeiam a imensa desigualdade de gênero que assola a sociedade brasileira.

A proposta estabelece tratamento diferenciado dentro da mesma categoria.

Além disso, ignorando pesquisas e estudos que apontam um processo de adoecimento e de afastamento de saúde crescentes nessa categoria, assim como uma grande exigência física no exercício da docência na educação básica. No nosso caso específico, dos docentes do ensino superior, nosso Sindicato Nacional, o Andes SN e nossa Seção Sindical, a Apes JF, estão promovendo sucessivos e importantes debates, além de integrarem a organização da luta junto aos servidores públicos e comporem as frentes com a classe em geral. O documento elaborado pela assessoria jurídica da Apes, que mencionei anteriormente, apresenta também todas as alterações relativas às trabalhadoras e aos trabalhadores docentes. É um material muito bom [veja aqui]. No caso dos policiais civis e federais, com a aprovação da reforma, a integralidade e a paridade praticamente acabam. A proposta estabelece tratamento diferenciado dentro da mesma categoria a partir do ano de entrada na polícia e a área, âmbito de atuação; a idade mínima fica em 55 anos para homens e mulheres; os homens terão que contribuir por 30 anos, comprovando 20 anos na função de policial e as mulheres 25 anos, com 15 anos de policial. Em 2022 a exigência da atividade exclusiva começa a crescer um ano a cada dois até chegar em 20 anos para mulheres e 25 anos para homens. Já os policiais militares incorporam a reforma específica das carreiras militares e contam com regras específicas. Os policiais no Brasil fazem parte de uma categoria que atua no combate a violência e ao mesmo tempo a vivenciam de forma expressiva em todos os âmbitos. Geralmente são oriundos do segmento mais empobrecido da classe trabalhadora, estão sujeitos a condições precárias e insalubres de trabalho e expostos a toda sorte de violências e riscos no exercício diário de sua atividade. A expectativa de vida dos policiais é baixa e o registro de mortes violentas em serviço e fora dele é muito alto. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2018, a cada quatro dias, cinco policiais são mortos no país. O registro é triste, a polícia brasileira é a que mais mata e ao mesmo tempo a que mais morre. Portanto, qualquer medida que lhes retire direitos e que não considere essa dura realidade que enfrentam e que lhes confere elementos específicos a serem assegurados, deve ser rechaçada.

Portal da UFJF: Comente, por favor, a intenção de alteração das regras para pensão por morte, abono salarial e assistência social. Esse último um dos pontos mais sensíveis da proposta, pois altera o pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Viviane de Souza Pereira: A proposta de reforma da previdência praticamente impede o acesso à aposentadoria e estabelece a regra geral: trabalhar desde cedo até a morte. O que poderíamos esperar sobre pensão, abono e Benefício de Prestação Continuada (BPC)? Na realidade é uma desconstrução programada de toda a lógica de proteção social presente na Constituição Federal de 1988, marcadamente da Seguridade Social. Por isso, inclusive, a necessidade de “desconstitucionalizar” e finalizar as alterações por meio de legislações complementares. A pensão por morte será dividida em cotas, sendo 50% do valor da aposentadoria devida ao companheiro ou companheira e 10% para cada dependente, limitado a 100%, ainda assim sob algumas “condições especiais” relatadas na proposta, a depender de alguns critérios para o estabelecimento do valor final. As carências para recebimento também serão alteradas para, no mínimo, 18 contribuições e dois anos de casamento ou união estável. Essas condições somadas darão acesso ao benefício por tempo determinado de acordo com a idade do beneficiário, variando esse tempo de três anos se ela ou ele tiver menos de 21 anos de idade até vitalício se ele ou ela tiver mais de 44 anos de idade. A pensão só poderá ser acumulada com aposentadoria em casos específicos. Isso valerá tanto para o acúmulo de pensões com aposentadorias, como para o acúmulo de aposentadorias. Sobre o “abono de permanência” ele poderá ser reduzido a um valor menor que a totalidade da contribuição. Em relação ao BPC é difícil explicitar o alcance da degradação que a aprovação da proposta provocará. As beneficiárias e os beneficiários do BPC já se encontram em situação de extrema pobreza, pois somente acessam o benefício os que reúnem as condições e têm renda per capita igual ou inferior a ¼ do salário mínimo. Diante do quadro que vivemos de aprofundamento da crise, desemprego em massa, desestruturação dos serviços de proteção social, são milhares de idosos, idosas e deficientes e suas famílias que dependem exclusivamente desse dinheiro para viver e que não terão mais como prover suas necessidades básicas de sobrevivência. Vejam, digo sobrevivência mesmo. Se aprovada essa questão, jogaremos nas ruas uma leva imensa de velhos, velhas e deficientes pobres, extremamente pobres e sem a menor condição de sobrevivência.

Além do impacto direto sobre a vida dos beneficiários, temos a relevância econômica do benefício em municípios de pequeno porte.

Além do impacto direto sobre a vida dos beneficiários e de todos que não conseguirão acessar o benefício, temos a relevância econômica do benefício principalmente em municípios de pequeno porte. Nestes, o BPC e as aposentadorias rurais, em geral, são o fio de segurança que faz girar a economia local. Por tratar-se de um benefício de assistência social, por sua natureza, ele nem deveria estar incorporado a esse debate. Como sabemos que ocorre um ataque à seguridade social como um todo, a presença do BPC na proposta da reforma está explicada. Explica-se fundamentalmente por ser um dos maiores, em termos de efetividade, programas assistenciais do país e injetar milhões de reais na economia. Os olhos novamente estão voltados para o sequestro dos recursos do fundo público que ainda são direcionados aos trabalhadores e trabalhadoras. Seja sob a perspectiva do atendimento social e humano, da obrigação do Estado com a proteção social daquelas e daqueles que não possuem a menor condição de incorporar a lógica contributiva da previdência social, seja sob a perspectiva estritamente econômica, a proposta no que diz respeito ao BPC é um atentado aos interesses públicos e a população brasileira. Por fim, gostaria de chamar atenção para as estratégias que estão sendo adotadas como forma de dificultar nossa organização na luta contra a proposta de reforma. Nossas entidades sindicais estão sofrendo ataques de todos os tipos, cerceamentos, controles e agora, por Medida Provisória, a imposição do recolhimento de nossa contribuição sindical por meio de boleto. A finalidade é criar barreiras ainda maiores para o fortalecimento desse debate e da organização da classe nas ruas. Precisamos denunciar isso em todos os espaços e fortalecer nossas organizações na construção dos eixos de unidade tão necessários nesse momento. Impedir a aprovação dessa PEC significa muito mais que barrar a reforma da previdência. Significa impedir que nossa seguridade social estabelecida na constituição seja de fato e ao cabo rasgada e não sobrem resquícios de proteção social. Isso, em um país como o nosso, seria condenar à morte grande parte da população. Não menos que isso.