por Raul Mourão

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Recobrimento do solo pelos rejeitos de mineração causa uma reação em cadeia de danos ambientais (Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

Um morador da zona rural de Pará de Minas conta a solução dele para lidar com o consumo de peixes, caso sejam contaminados pelos rejeitos de mineração da barragem da Vale, rompida em Brumadinho. Se for preciso, iria colocá-los na gordura e no tempero. “Não tem problema”, disse. A situação remete à complexidade dos danos ambientais causados pela tragédia. Uma nota técnica, com lista e análise preliminar das interferências, foi divulgada pela equipe de pesquisadores que participaram da expedição organizada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a Brumadinho e a mais sete cidades banhadas pelo Rio Paraopeba – o mais importante fluxo d’água atingido pela tragédia.

Além da morte confirmada de 201 pessoas e o desaparecimento de outras 107, o aporte de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração “promoveu significativos danos ambientais aos meios físico, biótico (plantas, animais e outros organismos vivos) e sociocultural”, em nove pontos analisados pela expedição. O grupo de cinco professores e estudantes percorreu as cidades, dos dias 4 a 6 de fevereiro – dez dias após o rompimento da Barragem I da Mina do Córrego do Feijão, em 25 de janeiro.

Entre os danos, estão contaminação da água e do solo, proliferação de vetores de doenças, insegurança e aumento da possibilidade de inundações. Somam-se ainda diminuição da população de anfíbios, mamíferos e peixes e desvalorização imobiliária.

Chegando mais próximo da área da mina rompida, no vale do Ribeirão Ferro-Carvão, foram constatados 66 danos, como alteração da cadeia alimentar e intensificação de processos erosivos. “A complexidade dos danos associados ao recobrimento do solo pelos rejeitos foi algo assustador. O depósito promove uma reação em cadeia de danos ambientais”, alerta o professor do Departamento de Geociências da UFJF e líder da expedição, Miguel Felippe. A área coberta pelos resíduos impede a agricultura, a pecuária e o transporte, destrói o habitat de mamíferos e outros animais. “No meio físico, altera-se a interação da água com o sedimento. A água da chuva não vai direto ao solo, mas passa pelo rejeito, levando contaminantes para o solo. E o rejeito da superfície descoberta vai ser erodido e levado para o rio.”

Não bastasse essa série de danos ao meio físico, a tragédia coleciona interferências no meio sociocultural, como a perda de vidas humanas. “Morreram muitos amigos meus, muita gente jovem. É a tristeza maior do mundo. A cidade está parecendo morta. Conhecia quase todo mundo que morreu. Um colega meu perdeu o filho e a nora. Deixaram gêmeos de 10 meses”, contou à reportagem da A3, em fevereiro, o morador de Brumadinho José Raimundo da Costa, 61. Ele se referia a Dennis Augusto da Silva, 34 anos, cujo corpo foi encontrado, e a Juliana Creizimar de Resende Silva, que até esta quarta, 13, aparece na lista de desaparecidos.

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Em assentamento rural, morador analisaria possibilidade de cercar acesso ao rio para evitar o uso da água pelo gado (Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

Já na lista de danos ao meio físico, “a perda da qualidade das águas foi o mais transversal dentre os identificados em diferentes magnitudes ao longo do corredor hídrico; sua importância está na interação com os demais fatores ambientais, ocasionando danos aos meios biótico, socioeconômico e cultural”, afirma a nota técnica. O integrante do Assentamento Rural 2 de Julho, em Juatuba, Marcelo Alvez Menezes, já percebia as alterações, na época da expedição, ao apontar a necessidade de instalar uma cerca ao longo do rio para que aproximadamente 60 cabeças de gado não tivessem acesso à água. “E, por falta de irrigação, um colega nosso perdeu uma lavoura de milho”, contou.

Um dos danos ao meio sociocultural é a redução da opções de lazer e recreação. “Eu não estaria aqui com vocês agora. Estaria pescando”, disse o comerciante Manoel Braga, na época da visita da equipe, em condomínio à beira do Paraopeba, em Curvelo.

Para minimizar os efeitos da tragédia, o professor ressalta a importância de a atuação da Vale, de órgãos governamentais e da sociedade considerar os diferentes usos socioeconômicos do rio pelas comunidades ao longo do curso dele. Destaca ainda a necessidade de ter manejo adequado dos rejeitos. “Não podemos achar que, conforme o tempo passa, o dano vai diminuir. Não é isso. Dependendo da situação, vai se agravar ainda mais”, conclui.

Trechos analisados
A análise preliminar verificou os danos em nove pontos onde houve parada da expedição: Condomínio Ribeiro Manso (Felixlândia),  Condomínio Cachoeira do Choro (Curvelo); ponte quebrada em Papagaios; ponte entre Maravilhas e Pequi; Córrego do Barro (Pará de Minas); ponte de Juatuba; Mário Campos; Centro de Brumadinho e Parque Cachoeira (Brumadinho).

Para a elaboração da nota, os nove pontos foram agrupados em três trechos: Ribeirão Ferro-Carvão; Rio Paraopeba – entre Brumadinho e Juatuba e, por fim, dessa cidade até Felixlândia. “O trecho 3 marca a zona onde a desinformação da população cria insegurança e expectativas, trazendo prejuízo para as populações residentes nas margens”, constata o grupo na nota, elaborada pelo grupo Temáticas Especiais Relacionadas ao Relevo e à Água (Terra) e pela Força-tarefa Minas de Lama.

Leia a nota técnica na íntegra.

Para a avaliação, foi utilizada a matriz de Leopold – método internacional para análise preliminar de danos, em que tabelas e escalas são preenchidas pelas equipe a partir de suas observações.  O grupo não comparou dados exatos como, por exemplo, a quantidade de peixes que existia antes do rompimento com a população atual. Mas, por meio de relatos de moradores, estudos e dados anteriores foi possível estimar os danos ambientais, tomando como base os aspectos visíveis observados pelos profissionais.

Rede

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Água do Rio Paraopeba coletada no Centro de Brumadinho pela equipe da UFJF para análise (Foto: Maria Otávia Rezende/UFJF)

Os trabalhos da expedição são os primeiros em campo da rede de ensino, pesquisa e extensão, formada na UFJF, para entender a tragédia e propor soluções em diversas frentes de atuação. A expedição se desenvolveu em dois eixos simultâneos: “Investigação preliminar de danos ambientais” e “A voz dos invisíveis”, por meio da qual moradores foram ouvidos. O terceiro eixo será a análise química da água e dos rejeitos coletados, com posterior elaboração de laudos.

Além do professor Miguel Felippe, participaram da expedição o aluno de pós-doutorado em Geografia da UFJF e professor da Universidade Estadual de Goiás,  Ricardo Fernandes, o professor de Geografia Alfredo Costa, do Instituto Federal – Norte de Minas, e as alunas de Geografia Isabel Martins e de Ciências Biológicas Gabriela Barreto.

Debate
Nesta sexta, 15, o evento “Rastros de lama: Perspectivas sobre Mariana e Brumadinho” reunirá professores envolvidos em projetos de pesquisa e extensão e jornalistas para discutir com o público aspectos socioambientais, técnicos e humanos, a partir das duas tragédias ocorridas em Minas Gerais.  

O evento, com inscrições encerradas, ocorrerá no no Anfiteatro 3 do Centro de Ciências, no campus da UFJF, das 10h às 18h. No mesmo dia, será aberta exposição com fotos da expedição, produzidas pela bolsista de fotografia da Diretoria de Imagem Institucional da UFJF Maria Otávia Rezende, no Saguão da Reitoria.

Leia mais sobre a expedição a Brumadinho e a série de reportagens sobre a tragédia em Mariana publicada no Dossiê A3

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