Mesa sobre fake news reuniu Pollyana Ferrari (PUC-SP), Iluska Coutinho (UFJF), Geane Alzamorra (UFMG), com a mediação do professor Aluízio Trinta (Foto: Alexandre Dornelas)

“Antes de acessar uma plataforma, é preciso duvidar dela”. O alerta é da professora e pesquisadora em Comunicação e Mídias Sociais, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pollyana Ferrari. Ela esteve presente na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nesta quinta-feira, 22, compondo a mesa de conferência “Distopias nas redes: Fake news, Vigilância e Algoritmos”. O encontro integra o XI Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber).

O simpósio propõe reflexões a partir de teorias multi e transdisciplinares dos diferentes fenômenos presentes no ecossistema conectivo digital. O intuito é basear os debates em conceitos, fundamentação e proposições voltados a entender o novo ambiente comunicacional e de sociabilidade da atualidade. A mesa contou ainda com a professora da UFJF Iluska Coutinho; a professora da UFMG Geane Alzamorra; e a mediação do professor Aluízio Trinta. Para compreender melhor a conectividade imersiva na qual nos encontramos e os conceitos, repercussões e consequências das famigeradas fake news, a reportagem conversou com a pesquisadora.

“Temos que criar um método de checagem. Para isso, o primeiro passo é duvidar de tudo”, diz Pollyana Ferrari (Foto: Alexandre Dornelas)

Ultimamente somos bombardeados com o termo “fake news”. Mas o que são elas?

Para essa reflexão podemos pensar em desinformação, porque existem níveis diferentes de fake news. O termo virou um bordão, mas nem tudo é um falso com cara de notícia. O fake news clássico é um falso com cara de notícia criada, com manchete, lead e informação bombástica. Esses são feitos em escritórios, com produções, do começo ao fim, falsas, imitando uma notícia de algum veículo maior. Contudo, começamos a ter as fake news na política, na saúde e no entretenimento, ou seja, em circunstâncias para além da imprensa e em diferentes graus. Temos o fake da selfie, por exemplo, que é a pequena mentira, em que a pessoa usa aplicativo para emagrecer, postar uma foto num lugar onde não está. Tudo isso é fake e esse fenômeno não vai passar com a eleição, ele veio para ficar.

Os principais meios de divulgação de fake news são as redes sociais, em especial o WhatsApp. Qual sua  avaliação em relação a essa plataforma?

A grande vedete do fake news, infelizmente, é o WhatsApp, porque ele é uma caixa preta. Se pegarmos a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, por exemplo, sabemos que teve muita fake news, mas o candidato usava o Twitter, que é uma plataforma com dados rastreáveis. O WhatsApp é fechado, e a grande discussão é que ele e o Facebook não abrem. O Tribunal Superior Eleitoral chegou a pedir essa abertura nas últimas eleições no Brasil, a fim de saber quem estava manipulando a divulgação de informações falsas. Mas a plataforma WhatsApp foi criada com a criptografia ponta-a-ponta, para, em teoria, proteger a privacidade dos usuários. Então, até que ponto essas questões são privadas? Até que ponto estamos sendo manipulados por essa avalanche de algoritmos? Temos uma cadeia: escritórios criam fake news e vivem disso, e pessoas leem e compartilham, sem saber que são fake news.

“Somos movidos pelo desejo de ver o que já acreditamos”
Pollyana Ferrari

Qual a gravidade e quais as consequências da fake news para além do mundo virtual?

A fake news mata. Temos vários exemplos, como o caso da Fabiane de Jesus, no interior de São Paulo, que foi linchada porque acharam que ela fazia magia negra, devido a circulação dessa informação no Facebook. São sempre informações muito caras para as pessoas, ou seja, são sempre polêmicas, como pedofilia, questão de gênero, magia e religião. Essas questões vão ao encontro da carência e desejo das pessoas. Essas são as bolhas: as pessoas só leem o que elas querem. A fake news sempre existiu, mas a escala agora é muito maior. Não temos mais uma mediação e a marca fala direto com o consumidor, o leitor recebe informação diretamente do familiar e não lê outra fonte. Estamos perdendo o lastro do fato, da história. Criamos um assunto, criamos uma bolha sobre um assunto que está se proliferando com rapidez. É sempre um tema que gera discussões, porque somos mais movidos pelo desejo de ver o que já acreditamos. Esse é um cenário perfeito para a fake news.

Como é possível identificar uma fake news? Há características que você pode ver de cara que se trata de uma informação falsa?

Sim. Não ter fontes de informação, seja texto, foto ou vídeo. Desconfie se você recebeu, só no grupo da família, por exemplo, uma informação bombástica. Questione-se: só meu parente tem essa informação? Ela não está em outros lugares? Confira a data, busque por mais imagens, falas, enfim. As pista são: sempre será algo que imita alguma outra coisa, seja um portal, um jornal, um telejornal para tentar passar legitimidade. Hoje temos até mesmo as manipulações de vídeos. Por meio de inteligência artificial, a montagem pode ficar perfeita. É preciso pensar nas circunstâncias também, indagar se a pessoa daquele vídeo faria mesmo algo do tipo.

“Essas são as bolhas: as pessoas só leem o que elas querem.”
Pollyana Ferrari

Uma vez identificada a fake news, como agir?

Temos que criar um método de checagem. Para isso, o primeiro passo é duvidar de tudo. Antes de acessar uma plataforma, é preciso duvidar dela. Eu penso que é o fim das mediações: as pessoas acreditam mais no que está posto, no que os parentes falam, do que nas informações chegadas da imprensa. O segundo passo é não compartilhar nada falso. Temos que usar a conectividade social das redes com mais parcimônia. É preciso olhar com profundidade, parar de curtir marcas por exemplo, porque isso só abastece algoritmo do consumo, ou seja, deixa pegadas que não representam de fato aquela pessoa. A inteligência artificial, os algoritmos e a tecnologia estão avançando rapidamente. Mas a democracia está em risco. Havia uma questão antropológica que dizia que o ser humano precisaria, primeiro, ter saneamento básico e banho quente para, depois, estar inserido na tecnologia. Esse salto já passou, não é possível tirar o brasileiro do WhatsApp, porque é o seu meio para se comunicar com a família, para existir e se expressar. Junto a isso, não tivemos um avanço da democracia, do letramento, da educação. Há um fosso. A fake news abrange tudo isso, não é só uma simulação da imprensa. Temos que usar a inteligência artificial para sermos mais rápidos na checagem. Os parâmetros de checagem do algoritmo podem trabalhar nesse sentido. Existem plataformas que nos ajudam, como a robô Fátima, checadora de informações do Aos Fatos .

“A democracia está em risco”
Pollyana Ferrari

O que é distopia na perspectiva desse tema?

Estamos distópicos, porque acreditamos em algo coletivo, na inteligência coletiva, como as redes sociais por exemplo. Achamos que teríamos um mundo conectado, mas estamos vendo que isso foi para poucos, poucas coisas que vemos nas redes são espontâneas. Geralmente, o que aparece é feito por algoritmo, por marcas, que segmentam as pessoas para atingí-las. A conexão mais humana, de uma rede para todos, não aconteceu.

O que são as bolhas e qual sua relação com as fake news?

Desenvolvi essa pesquisa no pós-doutorado na Universidade da Beira Interior, em Portugal, em 2016. Comecei monitorando a campanha de Donald Trump, tentando levantar como os jornais se posicionavam, como eles faziam a checagem. Fui ao El País, em Madri, O Globo, no Rio de Janeiro, e O Público em Lisboa e fui também a agências de checagem para entender sua organização. A checagem de empresas é diferente, há equipes para isso, há bancos de dados. Ao longo da minha pesquisa, percebi que a fake news veio para ficar e somente  a educação midiática vai conseguir reverter isso. Tenho ido a várias escolas de ensino fundamental, públicas e particulares. É preciso criar esse hábito de entender que não é por estar no Facebook de pessoas conhecidas que determinada informação é verdadeira. Precisamos questionar sempre.

“A conexão mais humana, de uma rede para todos, não aconteceu”, avalia Pollyana (Foto: Alexandre Dornelas)

Qual a importância de discutir essas questões no âmbito acadêmico e levá-las à sociedade?

É fundamental. Em Portugal, por exemplo, há educação midiática desde a década de 1990. Nós não temos. Precisamos pensar em implementar isso em nível nacional, em nível de Ministério da Educação. Temos que ter letramento midiático nas escolas, mesmo em uma escola no meio da Amazônia, porque a rede está em todos os lugares e o questionamento precisa estar também. Para sistematizar esse letramento, é preciso acompanhar toda a grade do aluno e usar exemplos do cotidianos, aproveitar os temas que estiverem em destaque e puxar esses estudantes para a investigação de procurar fontes de informação. É preciso plantar a dúvida e fazer com que essa dúvida seja replicada.

Qual a relação entre a fake news, a distopia e a vigilância?

É o casamento perfeito. Temos o mundo distópico, em que percebemos que a rede não é aquela rede do bem que imaginávamos; temos fake news, que chega como um tipo de manipulação que veio para ficar e é muito repercutido, gera muitos frutos de discussão. Então, as redes distópicas criam o cenário propício para o fake, e as pessoas mergulhadas em marcas e consumo formam o ambiente perfeito para um ciclo vicioso.

Atividades futuras

O simpósio é organizado pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFJF (PPGcom) junto a vários grupos de pesquisa e reúne conferencistas nacionais e internacionais. A programação segue até o dia 24 de novembro, com palestras, mesas de conferência (keynote speakers e convidados), mesas temáticas, painéis temáticos, mesas coordenadas (vinculados a call for papers) e reunião científica. Além de sessões de lançamentos de livros, performances artísticas e culturais e apresentações musicais.