O legado de escravatura é uma das razões pelas quais o negro não conseguiu ascender de forma igualitária na sociedade brasileira. A avaliação é da procuradora do Trabalho em exercício na Procuradoria do Trabalho de Juiz de Fora, Silvana da Silva. Ela esteve presente na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) nesta quarta-feira, 21, para apresentar a palestra “O negro frente ao acesso ao mercado de trabalho: considerações à luz do Ministério Público do Trabalho”.

A procuradora Silvana da Silva é também vice-coordenadora da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade e Oportunidades. A proposta da palestra foi feita pelo Ministério Público do Trabalho. Essa possibilidade existiu em virtude da publicação, pela Diretoria de Ações Afirmativas, de um edital para seleção de propostas para a Semana da Consciência Negra 2018 da UFJF. Em busca de melhor compreender a atuação do Ministério Público do Trabalho sobre as questões de inclusão, a reportagem conversou com a procuradora.

É importante refletir sobre as implicações do racismo na ocupação dos postos de trabalho, especialmente dos postos de gerência e com melhores remunerações. Por qual motivo negros e negras estão em número menor nessas vagas?

Silvana da Silva: Existem dados estatísticos de organismos e instituições credenciadas, como o IBGE, por exemplo, que demonstram um número muito inferior de negros ocupando alguns cargos, principalmente os que demandam mais capacitação, mais formação. Acredita-se que essa situação não decorra somente de de discriminação, de racismo, mas também está ligada à falta de oportunidades. Temos um legado de escravatura, do qual o negro não conseguiu ascender de forma igualitária na sociedade no mesmo parâmetro que a população branca. Com a libertação, foram deixados à deriva, sem nenhum atendimento, nenhuma assistência.

Como o Ministério Público do Trabalho age no sentido de garantir a igualdade de direitos, conforme determina a Constituição Federal?

SS: Visamos a implementação de ações afirmativas, como as cotas para ascensão a cargos públicos e para acesso às universidades. Promovemos ainda a conscientização dos empregadores, das empresas e da própria população, para oportunizar o acesso e evitar a discriminação ou o racismo. O Ministério Público do Trabalho atua nessa questão, não só especificamente quanto ao racismo, mas com qualquer forma de discriminação e de desigualdade de oportunidades. Temos recortes de gênero, por exemplo, abrangendo mulheres, homens, transgêneros, grupos LGBTTI, pessoas em vulnerabilidade social, pessoas com deficiência física em processo de reabilitação perante o INSS. Buscamos uma atuação em qualquer âmbito de discriminação que viole o princípio da igualdade ou da equidade. Atuamos por meio de audiências públicas, palestras, diálogos interinstitucionais, enfim, toda forma que vise sensibilizar para essa temática e demonstrar o problemas.

Mulheres negras são ainda mais penalizadas no mercado de trabalho, acredita Silvana (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

Mulheres negras são ainda mais penalizadas no mercado de trabalho, acredita Silvana (Foto: Gustavo Tempone/UFJF)

As mulheres negras são ainda mais penalizadas em virtude da associação do racismo com o machismo?

SS: Sim, porque estamos falando de pessoas que acumulam dois fatores de vulnerabilidade. Temos vários fatores que demonstram uma diferenciação de tratamento. A mulher, por ser mulher, já tem uma posição de inferioridade no mercado de trabalho, no que diz à própria oportunidade de acesso, por ter uma dupla jornada de trabalho, como mãe ou dona de casa, e também pela própria forma de remuneração. Há muitas evidências de diferenciação de salário, só pelo fato de ser mulher.

Como deve agir ou a qual instância deve recorrer a pessoa negra que se sentir discriminada ao disputar um posto de trabalho?

SS: A discriminação é caracterizada como um ilícito civil e o Ministério Público do Trabalho atua nessa questão. Recebemos denúncias por meio do nosso site, temos o disque 100, que trata de direitos humanos e depois direciona as denúncias. Além disso, recebemos denúncias pela página do Ministério do Trabalho, via Procuradoria Regional de Minas Gerais, em que a pessoa pode fazer uma denuncia anônima, se preferir. Quanto mais fatos, detalhes e documentos para caracterizar a discriminação sofrida, melhor. Junto a isso, não podemos deixar de distinguir a questão da discriminação e do preconceito. Quando trata-se de preconceito temos ainda o tipo penal.

Qual a diferença, então, entre preconceito e discriminação?

SS: O preconceito é expresso, manifesto, a pessoa se expressa de forma agressiva em relação ao aspecto racial de outra. Estaríamos, então, diante de uma conduta preconceituosa. As práticas discriminatórias não são expressas, elas são veladas, mas é possível percebê-las. Isso é aferido muito bem pelos números. Na ascensão dentro de uma empresa, às vezes, temos um acesso de homens e mulheres no mesmo patamar, mas os cargos de maior hierarquia não são contemplados na mesma proporção. É possível observar cargos diretivos destinados majoritariamente a homens ou a pessoas brancas. Essas discriminações são mais tênues, mas identificáveis. Precisamos identificar o que está gerando essa disparidade para poder contrabalançar.

A proposta da palestra foi feita pelo Ministério Público do Trabalho. O que possibilitou isso foi a publicação, pela Diretoria de Ações Afirmativas, de um edital para seleção de propostas para a Semana da Consciência Negra 2018 da UFJF. Qual a importância desse diálogo com a Universidade?

Na Universidade estamos num mundo em que os pensamentos são formados, analisados e há diálogo e debate. Daqui saem novos profissionais, então, a relação é direta, ainda mais no curso de Serviço Social que está atrelado às realidades da sociedade.

Por meio do Grupo de Trabalho “Raça”, a Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades busca sistematizar a atuação do Ministério Público do Trabalho na proteção do direito fundamental à igualdade, ao trabalho decente e à não discriminação da população negra. Como isso é feito?

Temos esse projeto de inclusão de pessoas, em especial negros e negras, porque a transversalidade vai implicar nos fatores pobreza, gênero e raça. Tratamos também a questão do assédio, em que vemos que a mulher é vitimizada em número muito superior em relação ao assédio sexual e moral. O Ministério Público tem como meio a atuação institucional, ou seja, fazer cumprir as normas. Nesse sentido, promovemos ações judiciais para fazer com que os órgãos públicos cumpram a legislação quanto às cotas e quanto à aprendizagem de grupos vulneráveis. Além disso, o Ministério promove interesses, a partir da realização de palestras, promoção de diálogo com a sociedade e seminários. Fazemos essa atuação extrajudicial também quando promovemos e instauramos inquéritos, para fazer cumprir normas nesse aspecto.

Como é a atuação do Projeto Nacional de Inclusão Social de Jovens Negras e Negros no Mercado do Trabalho?

Esse é um pacto que formalizamos em Brasília e em São Paulo e estaremos levando o debate para um audiência pública em Curitiba. Ela visa esclarecer a sociedade, o mercado de trabalho, as empresas, a organização civil e os tribunais quanto à problemática da questão racial e da necessidade de se oportunizar esse mercado de trabalho. É uma forma de estimularmos as empresas a atentar para essas questões e promover uma maior empregabilidade.

Atividades futuras

A Semana da Consciência Negra segue até o dia 30 de novembro. São mais de vinte projetos com proposições de oficinas, minicursos, palestras, apresentações culturais, entre outras, para os dois campi. Para participar como ouvinte basta realizar inscrição nos próprios locais e horários da programação. A ideia da semana é reforçar a luta do movimento negro e da população negra por igualdade de direitos, a partir de temáticas variadas, que vão desde saúde, mercado de trabalho e educação.

Outras informações: (32) 2102-6919 – Diretoria de Ações Afirmativas