Fernando Santana de Paiva é o idealizador da iniciativa que acolhe estudantes vítimas de violência política (Foto: Alice Côelho)

O Grupo de Pesquisa Martín-Baró: Psicologia Social, Política e Direitos Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) iniciou projeto de acolhimento a estudantes vítimas de violência política. O professor do Departamento de Psicologia e idealizador da iniciativa, Fernando Santana de Paiva, explica que a violência política é qualquer ato de ameaça, intolerância, intimidação, agressão física ou injúria que ocorra em função da escolha eleitoral ou posição política da vítima.

Santana salienta que “a atividade surgiu da necessidade em acolher as pessoas que, em razão do desgaste emocional vivenciado nos últimos meses pela disputa eleitoral, se encontrem em algum nível de sofrimento psicológico.” Os interessados devem procurar o Centro de Psicologia Aplicada (CPA), na Rua Santos Dumont 214, Centro, local no qual serão realizados os atendimentos em grupo e/ou individualmente.

De acordo com o docente, que concedeu entrevista sobre o assunto, ao Portal da UFJF,  iniciativas semelhantes também estão sendo realizadas pelas Universidades Federais de Minas Gerais e São João del-Rei.

Confira a entrevista:

Portal da UFJF – Quando teve início o projeto de acolhimento a estudantes da UFJF vítimas de violência política?

Fernando Santana – O projeto teve início logo após o resultado das eleições presidenciais do último dia 28 de outubro.  Inicialmente a ideia é focar nos alunos da UFJF, mas, a depender da demanda, podemos abrir para a comunidade externa. Isto vai depender de condições e recursos. A intenção é criar um espaço de intervenção no âmbito dos direitos humanos.  Esta iniciativa surge da necessidade de acolher as pessoas que, em razão do desgaste emocional vivenciado nos últimos meses pela disputa eleitoral, se encontrem em algum nível de sofrimento psicológico. O objetivo é construir um espaço de acolhimento psicossocial que contribua para que as pessoas possam elaborar alguma experiência de violência (física, psicológica ou simbólica) que tenha vivido ou estejam vivendo na atualidade. Nesse espaço buscaremos construir de forma participativa maneiras de enfrentamento às adversidades, que são pessoais e coletivas, visando a fortalecer as pessoas para seguirem com seus projetos de vida. Qualquer pessoa pode sofrer essa violência, a despeito de gênero, orientação sexual, raça, credo religioso e classe social. Portanto, estamos abertos para todo público. Entretanto, é importante dizer que a conjuntura nacional está marcada por elevado nível de violência e um discurso de ódio proferido, especialmente, contra determinados sujeitos, tais como: negros, população LGBTTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos), nordestinos, comunistas, feministas dentre outros. O discurso de ódio tem sido utilizado para mediar social e politicamente as relações entre as pessoas e grupos sociais em nosso país, tendo consequências mais severas contra pessoas dos grupos mencionados. Isto porque se trata de segmentos que historicamente já sofrem com violação de direitos humanos, perseguições, práticas sociais marcadas pelo preconceito e humilhação social, que vêm sendo reiteradas a partir do pleito eleitoral em questão.

Portal da UFJF – Conte-nos em linhas gerais as possíveis consequências desse tipo de violência.

Fernando Santana – É importante avaliar com cuidado o cenário e observar o que a experiência de violência política pode gerar nas pessoas. De maneira geral, a partir do que já temos observado, várias pessoas têm relatado um sentimento de medo, insegurança e falta de esperança com relação ao futuro. A perda de direitos, de liberdade, o cenário de incerteza econômica e política, bem como a corrosão dos laços sociais e comunitários, têm deixado muitas pessoas fragilizadas emocionalmente. Além disso, como essa violência pode acontecer entre pessoas muito próximas, é possível que alguns vivenciem fortes rupturas em suas relações mais afetivas, com amigos, familiares, o que gera um grande desconforto e sentimento de anomia. Ou seja, a violência que tem mediado as relações sociais mina aquilo que é muito importante para nós, que é o diálogo com o outro, o exercício da alteridade e a capacidade de viver coletivamente. Tudo isto em verdade diz de uma necessidade humana. É a partir disto que nos constituímos como sujeitos, forjamos nossa subjetividade, nos reconhecemos como parte de algo. A violência nos termos tratados aqui tem contribuído para aprofundar a ruptura destas relações que já tem se mostrado muito fragilizadas pela conjuntura em que vivemos.

“O objetivo é construir um espaço de acolhimento psicossocial que contribua para que as pessoas possam elaborar alguma experiência de violência (física, psicológica ou simbólica)” – Fernando Santana

Portal da UFJF – Como surgiu a ideia de organizar a referida iniciativa?

Fernando Santana – A ideia surgiu como dito anteriormente, a partir do que temos observado em nosso cotidiano, em que pessoas têm sinalizado um sofrimento em razão do cenário atual. Surge a partir do desejo de contribuir para o fortalecimento das pessoas e coletivos para enfrentarem este cenário adverso, que necessita ser superado. Para tanto, são necessárias uma organização política e a busca pelo fortalecimento das práticas e instituições democráticas em nosso país. Entretanto, até para que as ações aconteçam e as pessoas possam se organizar e trabalhar, é importante que elas estejam fortalecidas e mais conscientes. Não se pode trabalhar tendo o medo, a insegurança e muito menos o ódio na gerência. Isto não ajuda na criação de rotas e caminhos que visem a produção de vida. Pelo contrário, favorecem o poder instituído, a violência cotidiana e a opressão persistente. É contra isto que estamos trabalhando.

Portal da UFJF – Ao todo, quantos pessoas integram a iniciativa?

Fernando Santana – O projeto é parte das atividades do Grupo de Pesquisa Martín-Baró: Psicologia Social, Política e Direitos Humanos. Os acolhimentos individuais e coletivos serão realizados, neste momento, por mim, sete alunos do mestrado em psicologia da UFJF e um residente em Saúde Mental da UFJF. Além disso, contará com o apoio de alunos da graduação em Psicologia. Somos ao todo 19 pessoas no Grupo.

“A violência que tem mediado as relações sociais mina aquilo que é muito importante para nós, que é o diálogo com o outro, o exercício da alteridade e a capacidade de viver coletivamente” – Fernando Santana

Portal da UFJF – Há alguma questão que você queira acrescentar?

Fernando Santana – O discurso carregado de preconceito, discriminação e ódio, do agora presidente eleito, tem favorecido muito esta situação. Não podemos dizer que isto se inicia com ele, uma vez que faz parte da nossa estrutura social marcada pelo autoritarismo, violência e discriminação ao diferente, onde algumas vidas valem menos. Ele tem contribuído para que grupos que o apoiam sintam-se autorizados a praticar atos de violência contra todas e todos que forem considerados contrários às concepções de mundo que ele defende. Além disso, tem fortalecido instituições que apoiam discursos dogmáticos e anti-democráticos como força social. O apelo a um único modelo de família e de sexualidade são bons exemplos do que está acontecendo. Este discurso visa a extirpar aqueles que se encontram à margem desta normalidade, ou forçando-os a se “adequarem” ou criando uma atmosfera que autoriza a sua eliminação, entendidos como inimigos da ordem a ser derrotados. Soma-se a isto o ingrediente político e econômico, que visa à manutenção das desigualdades e assimetrias sociais. Nesta direção, as pessoas são violentadas cotidianamente e respondem física e psicologicamente a partir de um sofrimento que elas mesmas não conseguem compreender.

Outras informações: (32) 3216-1029 – Centro de Psicologia Aplicada e/ou fernandosantana.paiva@yahoo.com.br .