Nestor da Costa, da Universidade Católica do Uruguai (Foto: Alice Côelho)

No campo das religiões, tradição é uma palavra de suma importância. Narrativas, símbolos e ritos são passados de geração em geração há milhares de anos, permeando sociedades em suas leis e instituições, em formas de pensamento em diversos locais e momentos da história. Buscando refletir acerca das permanências e adaptações das religiões nos próximos anos, o 3º Congresso Nacional de Ciência da Religião (Conacir) teve início nesta terça-feira, 6, com uma série de debates sobre o tema “Os futuros da religião”.

Após solenidade, no auditório da Faculdade de Direito, ocorreu a conferência de abertura do evento com o professor. Nestor da Costa, da Universidade Católica do Uruguai (UCU). Em sua fala, intitulada “Futuro, religião e laicidade”, Costa destacou a diferença entre os termos laicidade, laicismo e secularização, relacionando-os com seus países de origem e a forma de Estado laico que foi praticada. “Laicidade é um termo polissêmico, com muitas possibilidades interpretativas e muitos modelos práticos diferentes. No Uruguai, temos um Estado laico mais semelhante ao da França, com uma separação nítida entre Igreja e poder político. Em outros países, essa laicidade acontece de forma mais complexa”.

O próprio Brasil é um Estado laico, mas com suas questões particulares. “Mesmo com uma Constituição que pauta a ideia de uma laicidade, sempre há religiões que fazem parte de um discurso mais hegemônico e que estão mais presentes no espaço público, enquanto outras são deixadas mais à parte, não têm tanta voz ou são, em certos casos, silenciadas”.

Ele ressalta a importância do debate e suas “implicações na vida pública e política, como no recente caso da legalização do aborto na Argentina”. Embora seja uma pauta de saúde da mulher que recebeu a adesão de milhares de cidadãs, a iniciativa se viu freada pelo Senado, o que possibilita se levantar a questão sobre a permeabilidade da religião nas instituições de poder.

Vinícius Tobias, aluno do Programa de pós-Graduação em Ciência da Religião (Foto: alice Coêlho)

Pensar a laicidade é refletir sobre o modelo de Estado laico que queremos ou estamos construindo no Brasil. Com determinadas religiões em situação de privilégio em relação a outras, estando presente inclusive em campanhas eleitorais de enorme adesão, o que o futuro aponta é um provável distanciamento de um modelo de laicidade que seja mais adequado ao cenário plural e diverso do país. Mas, como explica Nestor, “é necessário discutir tais pontos justamente para buscar essa compreensão e trazer para a prática, para o debate político, para o debate público”.

Estudante do Programa de Pós-graduação em Ciência da Religião (PPCIR) e um dos coordenadores do evento, Vinícius Tobias explica que o tema escolhido para esta edição  “é um tema corajoso e que responde muito bem ao espírito do tempo em que estamos vivendo.” Ele comenta ainda a força que determinados movimentos religiosos têm tomado, “e movimentos que se focam no antigo testamento em detrimento do novo, de forma que é essencial pensarmos o futuro com relação à pluralidade e às várias possibilidades que ele nos oferece”.

Professora do PPCIR, Cecília Simões avalia que discutir religião sempre é importante, “mas principalmente agora, quando uma corrente de fundamentalismo religioso vem sendo representada politicamente no país, é imprescindível o debate porque precisamos falar de pautas que são, ao mesmo tempo, religiosas, mas também públicas, sociais e políticas”.

Professora do PPCIR, Cecília Simões avalia a importância das discussões sobre religião (Foto: Alice Côelho)

Ela afirma que diversidade religiosa é um termo ao qual “teremos que estar atentos para que não se perca essa liberdade do culto, do pensamento e de discussão, e nesse sentido a ideia de um evento que discuta os futuros da religião é sempre bem-vinda”. Sobre o futuro, mas na perspectiva da pesquisa em Ciência da Religião, Cecília tem algumas ponderações não somente com relação ao conteúdo, mas com relação à própria manutenção da Universidade. “No Brasil, costuma-se dizer que política e religião não se discute. Nós que estudamos e pesquisamos sobre o assunto percebemos que temos que, cada vez mais, debater esses temas para tentar encontrar a solução de alguns dos problemas que temos atualmente na sociedade”.

Aluna do terceiro período do curso de Direito, Luisa Rodrigues também acha que a discussão sobre religião é importante para se compreender melhor os tempos em que vivemos. “Cada um tem uma forma de pensar e de entender o mundo e, para muitas pessoas, essa compreensão passa diretamente pela religião. E tudo que faz parte do ser humano deve ser estudado e compreendido, principalmente quando é algo que contribui para a formação da nossa sociedade da forma como a conhecemos.

O Congresso continua até esta quinta-feira, 8, com mesas de debate, palestras e apresentação de trabalhos. Confira aqui a programação completa.