Possibilidade de negócios, namoro, além de interação com amigos e familiares. As redes sociais transformaram a rotina de milhões de usuários e seus números impressionam: mais de três bilhões de pessoas utilizam as mídias sociais com regularidade. Pensando neste fato, alguns questionamentos surgem: até que ponto as redes sociais interferem ou contribuem para uma espetacularização da vida, numa sociedade altamente consumista e exibicionista? Quais efeitos são percebidos nas relações interpessoais? Há algum espaço social que deixa de ser preenchido pela interação e conectividade ininterruptas?
Diante de tais reflexões, o adoecimento psíquico, diretamente ligado ao suicídio é apontado como sintoma dessa nova conjuntura sociocultural, notadamente virtualizada, característica da atualidade. O suicídio, considerado caso de saúde pública, ocupa a quarta posição no ranking de causa de morte em pessoas entre 15 e 29 anos e recebe, neste mês, discussões e debates mais direcionados a essa realidade por razão do movimento mundial “Setembro Amarelo”. A oportunidade possibilita repensar posturas diante do assunto, refletir acerca de informações sobre pesquisas recentes, principalmente frente aos dados alarmantes que merecem análise cuidadosa.
A iniciativa do movimento surgiu, de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), para disseminar informações a fim de auxiliar a sociedade a desmistificar o tabu em torno do suicídio – que atinge 11 mil pessoas anualmente, em média – ajudando médicos a identificar seus fatores de risco, tratar e instruir seus pacientes. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem como meta reduzir em 10% a mortalidade por suicídio até 2020, a prevenção pode ocorrer em mais de 90% dos casos.
Os traços do suicídio
Para entender melhor as discursividades nas redes sociais e suas interseções com o suicídio, a pesquisa para dissertação ainda em andamento, intitulada “Discursos de si de sujeitos suicidas no Facebook”, mostra características comuns em relatos nesta mídia social de indivíduos que cometeram suicídio.
Realizada pelo mestrando do Programa de Pós-graduação em Comunicação (Ppgcom) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Antonione Grassano, o levantamento investigou traços que poderiam ser pontos comuns entre tais indivíduos. “A pesquisa surgiu, em 2017, no Grupo Sensus, em discussões sobre a questão da destituição simbólica, que é quando o sujeito não se identifica com os discursos dominantes e encontra sentido em outras ações, como no ato de se auto-mutilar. A partir disso, seguimos com a ideia de analisar o discurso de pessoas que atentaram contra a própria vida e, ao mesmo tempo, traçar um perfil de comportamento.”
O Grupo Sensus – Comunicação e Discursos, foi criado pelo professor do PPGCOM, Wedencley Alves, que também orienta a pesquisa de Grassano. O grupo se propõe a desenvolver estudos, no âmbito da comunicação, sobre a saúde. “Geralmente, os estudos de comunicação e saúde se debruçam sobre a cobertura da mídia em relação a questões no âmbito de saúde e doença. Nós, do Sensus, trabalhamos com a noção de saúde ampliada, que seria o estado de completo bem-estar físico, mental e social. Então não seria diferente olhar para a questão do suicídio, que é uma questão do mal-estar psíquico existencial de um sujeito. O Sensus traz isso no âmbito da Comunicação, evidentemente”, avalia o orientador.
Para o professor, a pesquisa realizada pelo Grupo Sensus traz um complemento importante para auxiliar no desenvolvimento do trabalho de profissionais da área da saúde na prevenção ao suicídio. “Hoje, não adianta os veículos evitarem falar de suicídio se as pessoas estão ‘noticiando’ mortes e suicídios nas redes. Torna-se, ao contrário, um campo importante de discussão. Se nós nos dispusermos a compreender essa lógica do sofrimento, poderemos auxiliar para que, no futuro, profissionais da saúde coletiva possam desenvolver modos diferenciados de atendimento e de aplicação de políticas públicas.”
Ambiente novo, ações antigas
Apesar da interação em mídias sociais – como nesse caso, o Facebook – se tratar de uma possibilidade recente, o registro de pensamentos com indícios de adoecimento psíquico é antigo. Antonione Grassano analisa que o registro do sofrimento é anterior às novas tecnologias de comunicação. “As redes sociais possibilitam o discurso, mas não inauguram. Já era observado esse tipo de discurso antes, em diários antigos. As redes possibilitam que sejam expressados os pensamentos no auge do sofrimento e que eles cheguem instantaneamente em outras pessoas.”
O pós-graduando afirma que a informação sobre os casos de suicídio, que posteriormente passam a ser analisados, chegam por meio de relatos em blogs, na grande mídia ou por meio da rede de contatos do próprio Sensus. Partindo de casos individuais e chegando a um padrão de comportamento, é possível observar similitudes nos discursos. “Percebemos que há um traço de desidentificação, quando o sujeito não se vê nos padrões de comportamento da massa social. Há, então, a tentativa de nomear o seu mal-estar e de definir seus próprios sentimentos pelas redes sociais, mas isso falha, pois o sujeito não consegue suportar esse mal-estar”, aponta.
“Percebemos que há um traço de desidentificação, quando o sujeito não se vê nos padrões de comportamento da massa social. Há, então, a tentativa de nomear o seu mal-estar e de definir seus próprios sentimentos pelas redes sociais, mas isso falha, pois o sujeito não consegue suportar esse mal-estar” – Antonione Grassano
Segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, o suicídio é a quarta maior causa de morte de pessoas entre 15 e 29 anos, idade em que as redes sociais têm papel importante na socialização. Grassano acredita que a exaltação de um determinado padrão de vida, comumente propagado nas redes, influencia diretamente no adoecimento psíquico. “Podemos dizer, que, no geral, as redes sociais, e principalmente aquelas eminentemente imagéticas, como o Instagram, funcionam a partir de uma lógica de exposição que pinta um quadro de vidas perfeitas e, por que não dizer, inumanas. A dissimulação das fragilidades é um traço não de um padrão de vida, mas de uma racionalidade neoliberal que coloca o indivíduo como figura central desta ordem. É importante destacar que as redes são uma engrenagem nessa configuração, e não a causa.”
O pesquisador avalia o suicídio como um fenômeno multifacetado que deve ser analisado por visões complementares. No entanto, afirma que a comunicação pode contribuir de maneira importante nessa questão. “No âmbito da comunicação, podemos apontar a publicização responsável e consciente como um ponto positivo. É consenso entre especialistas no tema que o estatuto de tabu nada ajuda nesta questão que é, inclusive, de saúde pública. Campanhas públicas bem direcionadas e que levem em considerações evidências de pesquisa também podem ser aliadas no combate ao suicídio.”
Atenção e intervenção
Para a psicóloga da Pró-reitoria de Assistência Estudantil (Proae), Camila Menezes, a digitalização da vida social afeta as relações interpessoais na medida em que ela passa a substituir o contato presencial. “Tudo é uma questão de equilíbrio, as tecnologias são importantes em nossa vida, entretanto, quando passam a substituir fatores essenciais para nossa sobrevivência como a interação e o contato humano, podem ser prejudiciais. Sem contar que, a vida social tecnológica dá a falsa impressão de que tudo é fácil e que todo mundo é feliz, desconsiderando as adversidades da vida humana e que podemos superá-las.”
Camila afirma que é importante estar atento aos discursos nas redes sociais ou fora delas para identificar os casos de adoecimento. “Convém desmistificarmos a famosa frase ‘quem muito fala, não faz, apenas quer chamar atenção’. Toda comunicação em relação ao suicídio deve ser levada a sério. Se a pessoa fala é porque realmente está pensando nisso, não devemos subestimá-la e sim ajudá-la. Primeiramente, ouvindo sem julgamentos e depois encaminhando a um dispositivo de saúde mental para que possa receber auxílio psiquiátrico e psicológico.