Rita de Almeida fez um breve percurso histórico da psiquiatria na medicina (Foto: Iago de Medeiros)

Não há resposta precisa à pergunta do título. E isso pode ser também um dos males que a humanidade talvez tenha de conviver: ambiguidades e incertezas. Mas há algumas pistas. Conforme a palestra da psicóloga Rita de Almeida, o uso indiscriminado de medicamentos para amenizar, prever ou curar os pontos baixos da vida e alterar comportamentos pode não ser a primeira ou a principal solução. Em alguns casos, tais substâncias são dispensáveis.

“Quando se toma medicamento estamos de certa forma mostrando que o problema não está no entorno, mas em alguma alteração biológica, neurológica”, destacou a profissional na palestra “Medicalização da vida: ética e saúde”, sob a ressalva de que há casos em que o uso de substâncias químicas é necessário. A profissional abriu o Simpósio de Saúde Mental da Faculdade de Farmácia da UFJF, na última quarta-feira, 29. O evento, com inscrições encerradas, segue até sexta, 31, com palestras sobre depressão, processos cognitivos, filosofia do budismo, ioga, saúde mental de universitários e outros temas. Confira a programação.

Normal ou patológico
Rita de Almeida fez um breve percurso histórico da psiquiatria na medicina, destacando a necessidade de a especialidade encontrar razões biológicas para transtornos mentais para que se firmasse como ciência. O discurso de que a alteração de um marcador biológico, por meio de medicamento, pode mudar um comportamento vai assim permear o imaginário social. A profissional cita o exemplo da ida de um especialista a um programa de TV, que, segundo Rita, explicava a paixão por uma pessoa através de alterações cerebrais. Proporcionava o entendimento de que mudanças neurológicas eram responsáveis pelo enamoramento, e não uma reação desse estado, como taquicardia, certo nervosismo e alegria.  

Outro exemplo que a despertou para a pesquisa de doutorado – que está cursando na Faculdade de Educação da UFJF, onde também fez mestrado -, é a medicalização de crianças em faixa etária escolar caracterizadas como hiperativas. Conta que recebeu, em um Centro de Atenção Psicossocial (Caps), onde trabalha, o encaminhamento de uma criança de 4 anos, apontada como  hiperativa. Na atuação psicoterapêutica, descobriu que a agitação tinha relação com o fato de a mãe deixá-la na creche e voltar para a casa com o outro filho bebê. Também se relacionava ao histórico ciúmes entre irmãos em nível não-patológico. A partir de algumas modificações, a criança não precisou ser medicada. “O medicamento silenciaria aqui, mas o sintoma apareceria ali novamente ou sob outro aspecto.”

Recursos
Para lidar com alguns sintomas, a profissional propõe trabalhar sob a perspectiva de que alterações na saúde mental estão vinculadas à relação com o outro. Pode ser amizade mal resolvida em casa ou em república, namoro desfeito, professor de quem não se gosta, mudanças de estar em ensino superior – mais livre e independente – diferente do ensino médio. Há inúmeros fatores.

“Partir dessa relação com o outro faz com que saiamos do biologismo”, destaca, ressalvando a existência de doenças neurológicas e de alterações, conforme cada caso, que “paralisam a vida” e que requerem ação medicamentosa.

Nesses casos, para não ter o medicamento como primeira aposta, Rita cita recursos apontados pelo fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), no texto “O mal-estar na civilização”. Conforme a profissional, citando Freud, angústias e frustrações são parte integrantes da vida. “O mundo nunca vai ser do jeito que a gente quer. Isso causa mal-estar, o que pode nos mover ou nos paralisar. Já que não existe cura para esse mal, Freud diz que há maneiras de lidar com ele”.

Um ponto é recriar uma realidade, fantasiando-a ou distanciando-se dela em certas dosagens. “Lidar com a realidade não é fácil”, ressalta. Um nível de fantasia e um afastamento temporário podem ser úteis, como em meditação, ficar sozinho ouvindo música… O distanciamento e a fantasia, no entanto, não podem levar à separação do mundo, dos laços com o outro.

Há ainda a intoxicação, em que se enquadram medicamentos. A diferença está em dosagem, modo e finalidade. “O uso da substância química é o único que não precisa do outro para obter solução. Pode haver uma satisfação autista.”

Outro mecanismo importante é o acolhimento e a formação de laços afetivos. A profissional lista a acolhida em família, religião, namoro, política e movimentos sociais. São espaços em que pode haver formação de vínculos reparadores ou sustentáveis. “Em movimentos sociais, compartilham-se os mesmos sofrimentos com seus iguais. Em igrejas neopentecostais, há trabalho forte de acolhimento – as pessoas são recebidas, chamadas pelo nome.” Aponta também benefícios de artes, esportes, escrita, amizade e mesmo o compartilhamento de ideias em evento, o suporte mútuo entre estudantes e o atendimento de profissionais da área de saúde mental.

“O importante é cada um descobrir seu recurso para se lançar em direção ao mundo e até de escape momentâneo dele. O recurso do laço afetivo é importante, como também pensar de antemão que o mundo não pode ser ideal e que o outro não vai ser do jeito que queremos, sob o risco de frustração, pois isso é impossível.”