Variedade de estilos e épocas foi contemplada nos principais concertos da programação, como na apresentação do Trio de Choro e convidados, no Teatro Pró-Música (Foto: Laura Santos/UFJF)

A 29ª edição do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga, encerrada domingo, 29, ficou marcada pela diversidade de estilos e épocas contempladas nos principais concertos da programação. A abertura do Festival a gêneros como o choro brasileiro e a canção popular atraiu um público novo para um evento dedicado à música erudita. Foi o “festival da boa música”, como ressaltou o professor Rodolfo Valverde, que em todas as apresentações antecedeu os concertos com palestras de contextualização do programa para as plateias.

“Procuramos mesclar um pouco os tipos de música, porque assim atraímos diferentes pessoas, interessadas em diferentes tipos de música. O concerto de choro foi maravilhoso e nele víamos um tipo de público diferente. No concerto das canções (Canções de Lorenzo Fernández, com Veruschka Mainhard), também se via um público diferente”, observa o supervisor do Centro Cultural Pró-Música e diretor artístico do Festival, Marcus Medeiros, que se apresentou como pianista.

A montagem da zarzuela (ópera espanhola) “Vendado es amor, no es ciego”, que encerrou o evento no dia 29 de julho, é um marco histórico do Festival, devido ao ineditismo da encenação em tempos modernos. A produção realizada para o evento juiz-forano passa a ser referência, uma vez que não há registro de sua montagem na íntegra depois do século XVIII, mesmo na Espanha. Não à toa, a apresentação no Central foi gravada pelos produtores.

Alunos do Workshop de Cenografia constroem a “máquina do vento” para a montagem da ópera Vendado es amor, no es ciego (Foto: Raissa Segantini)

Na plateia do Cine-Theatro para essa estreia mundial estava o secretário de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo, que avaliou a produção como “um espetáculo que honrou o Festival e merece ser levado aos melhores palcos internacionais”. Segundo ele, o evento juiz-forano é um dos mais importantes do estado e do país em termos de música erudita, “uma conquista da família Sousa Santos (fundadores do Pró-Música) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que dá continuidade à iniciativa”.

O secretário elogiou o trabalho da soprano e diretora artística da zarzuela, Rosana Orsini, pela montagem “admirável em todos os aspectos”, do cenário aos figurinos, num “grande esforço de reconstituição de uma ópera setecentista”. Na avaliação de Oswaldo, é muito importante que o Festival possa acolher esse tipo de produção, que enriquece sua programação e é um aprendizado para o público – inclusive com a “aula magistral” do professor de música Rodolfo Valverde sobre a origem e a evolução da ópera.

Desafios
“Montar uma ópera é sempre um desafio. E é ainda maior porque o espaço de tempo que temos para montar tudo é muito pequeno. Normalmente uma ópera tem meses de preparação”, ressalta Medeiros. Para “Vendado es amor, no es ciego”, tudo foi realizado em uma semana: a construção dos cenários durante o workshop de Cenografia (Maquinaria Barroca), a preparação dos cantores, a preparação do coro, o ensaio cênico. “Contamos com profissionais muito competentes, que trazem a tranquilidade de que tudo vai dar certo no final. A expectativa é sempre muito boa, porque é um grande espetáculo, visualmente e musicalmente agradável, que une artes visuais, música, e arte dramática, então a ópera congrega vários tipos de arte. É um encerramento muito interessante”, afirmou.

A partir de agora, o supervisor do Centro Cultural Pró-Música/UFJF já começa a planejar a próxima edição, que terá uma motivação especial: “O aniversário de 30 anos é uma data comemorativa muito importante. Estamos estudando, inclusive a pedido de professores e alunos, a possibilidade de fazer um festival com uma duração maior, tentar voltar com as duas semanas de antigamente. Já estamos sondando grupos para as agendas. Não há nada fechado, mas algumas sinalizações nós já temos”, antecipa.

Para a pró-reitora de Cultura, Valéria Faria, a quarta edição do tradicional Festival, realizada sob a gestão exclusiva da UFJF, contribuiu para ampliar o alcance do evento, com atrações bem diversificadas, sem comprometer seu perfil de musicologia histórica. A apresentação de uma ópera do século XVIII no encerramento, pela segunda vez consecutiva, segundo Valéria – uma entusiasta do barroco –, é uma forma de o Festival rever a história desse gênero e apresentá-lo a um público que não tem oportunidade de contato com esse tipo de produção, além de resgatar a apresentação do canto lírico no palco do Cine-Theatro Central.

Oficinas
Além dos concertos noturnos e vespertinos, a edição contou com número maior de oficinas – 20 – e um workshop inédito de cenografia barroca. Foram cerca de 450 inscritos para a semana de imersão em aperfeiçoamento e aprendizado de instrumentos – incluindo o naipe de metais, com trompete, trompa e trombone – e de canto e dança barroca. “As informações têm sido bastante proveitosas para os alunos. Alguns apresentaram carências de informações técnicas e mais aprofundadas sobre o instrumento, mas, no geral, possuem um nível bom de prática instrumental”, avaliou Marcos Flávio, instrutor da oficina de trombone, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do Trio de Choro, uma das atrações da programação artística. “Fui a todos os concertos e a organização está sendo primorosa e afetiva. Todas as demandas muito bem atendidas, desde alimentação até a organização dos concertos. O Festival é importante porque ele proporciona à cidade uma gama de profissionais de alto nível. Isso é um grande ganho para a comunidade”, concluiu.

Programação contou com oficina de violino para crianças, com o professor José Ademar Rocha (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

Pela primeira vez como professor nas oficinas, o músico Pedro Mota destacou a retomada das oficinas de metais no Festival, o que despertou muito interesse dos alunos. “Pelo curto período do evento, as oficinas têm sido beneficiadas pelo número médio de alunos, já que assim consigo dar mais atenção às necessidades individuais de cada um”, observou Mota, que ministrou a oficina de trompete. “Já participei do Festival como ouvinte e dos concertos em outras edições, e é sempre um privilégio”, disse. Aluno da oficina de trompa, Túlio Edson comemorou a volta da oficina nesta edição. “O professor Gustavo Trindade toca na Filarmônica de Minas e tem trazido muitas informações de qualidade para nós. Ele é bem rígido e eu gosto disso. Apesar dos diferentes níveis técnicos dos alunos, todo mundo sai com mais conhecimento”, destacou.

Nesta edição, a oficina de canto ministrada por Veruschka Mainhard teve nova abordagem. “Abrimos para um repertório geral de canto. Nas edições passadas, nós trabalhávamos com o repertório dos séculos XVI, XVII e XVIII. Com a ampliação do escopo, os alunos estão trazendo também óperas românticas e músicas modernas e isso é muito bom porque amplia as possibilidades”, afirmou. Pela quarta vez no Festival, Veruschka conhece o evento desde seus tempos de aluna de música, há 30 anos. “A UFJF assumiu recentemente a organização do Festival e a dinâmica sofreu mudanças. Apesar do impacto, o público está sendo reconquistado e tem se mostrado bastante interessado”, comemorou.

Referência nacional e internacional no estudo do violino, Paulo Bosísio proporcionou aos alunos todo o seu conhecimento, desde exercícios de postura até a apresentação das mais complexas peças. Para ele, o fato de os alunos não serem pré-selecionados é um desafio para o professor, o que é facilmente contornado com dedicação e conhecimento. “O Festival é importantíssimo. É muita satisfação ver que isso foi retomado e espero que continue sempre”, ressaltou.

Pela primeira vez no evento, o professor Fábio Adour ministrou a oficina de violão e se mostrou empolgado com seus alunos: “Está sendo um grande prazer. Chegou um grupo de alunos pequeno, mas muito interessado e muito engajado”, afirmou.

Musicologia histórica
A 29ª edição foi antecedida pelo 12º Encontro de Musicologia Histórica, a vertente pedagógica do Festival, realizada bienalmente, que apresenta e debate pesquisas acadêmicas na área. A musicóloga portuguesa Edite Rocha foi uma das convidadas para as mesas redondas, apresentando seu trabalho de análise da técnica melódica (glosas) – a diminuição melódica intervalar –, em uma realidade de século XVII, para explicar questões autorais e de identidade dos compositores luso-brasileiros, na improvisação ou na composição escrita. “O encontro de musicologia histórica da UFJF é bem conceituado. Não conhecer (o Encontro) em Juiz de Fora é quase desconhecimento de cultura geral em termos de musicologia. Sempre em alto nível, as comunicações têm sido um foco de informações que tem dialogado muito com as mesas de debate”, afirmou.

Pela primeira vez no Encontro, a pesquisadora Jéssica Wisniewski, de Belém (PA), destacou a relevância das palestras e comunicações apresentadas. “Os temas abordados durante o Encontro trataram de questões e problemas muito atuais dentro da musicologia, sendo um desses a premissa do que é nacional dentro da música, isto é, o que entendemos como música nacional”.  Desde abril, Jéssica iniciou em Juiz de Fora uma pesquisa musicológica sobre seu tio-avô, padre José Maria Wisniewski, fundador do Coral Mater Verbi, regente, compositor e um dos fundadores da Federação Nacional dos Pueri Cantores. “Neste processo, tenho vindo a Juiz de Fora coletar suas memórias, entrevistar pessoas que tiveram contato com ele e trabalhar seu acervo musical”, contou. “Ainda não conhecia ninguém da Universidade e posso dizer que foi uma grande surpresa ver gente tão interessada e de tão boa vontade.”