Doutoranda em Psicologia na UFJF, Brune Coelho avalia a decisão como "um avanço para as pessoas transexuais, mas  é preciso ter cautela e proceder análise mais detalhada" (Foto: Twin Alvarenga)

Doutoranda em Psicologia na UFJF, Brune Coelho, avalia a decisão como “um avanço para as pessoas transexuais, mas é preciso ter cautela e proceder análise mais detalhada” (Foto: Twin Alvarenga)

A Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou este mês, no último dia 18,  a transexualidade do capítulo referente aos transtornos mentais e comportamentais da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). A transexualidade – condição do indivíduo cuja identidade de gênero difere daquela designada ao nascimento – passou a integrar a categoria de condições relacionadas à saúde sexual. Para saber como essa mudança impacta a vida das pessoas trans, o Portal da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)  conversou sobre o assunto com uma pesquisadora, um estudante e uma militante trans.

Na avaliação da doutoranda em Psicologia na UFJF, Brune Coelho, a decisão é um avanço para as pessoas transexuais, mas  é preciso ter cautela e proceder análise mais detalhada de vários aspectos do texto. Dentre as preocupações da pesquisadora com a nova classificação da OMS, estão a possibilidade de redução das questões de gênero aos níveis corporal e genital;  o termo incongruência de gênero; e a ausência de menção ao cuidado integral à saúde das pessoas trans.

“A OMS define que as pessoas trans sofrem de incongruência de gênero. Incongruente é o que não tem congruência. E qual seria essa congruência? A OMS afirma que as pessoas cisgêneras – concordantes com o gênero designado ao nascimento – são coerentes. E o que foge disso é incongruente. Isso pode afetar as pessoas trans de algumas  formas, por conta do discurso de poder médico”, analisa Brune.

Outro ponto importante observado pela estudante é que muitas pessoas trans não desejam proceder alterações corporais por meio de cirurgias e hormonização. “Falta à nova classificação da Organização Mundial da Saúde reconhecimento à singularidade de cada processo. Também senti falta de que haja princípios para uma linha de cuidado integral à saúde da população travesti e transexual. Não focar apenas nessa questão de incongruência de gênero, mas pensar isso como um condição que, por fatores históricos, sociais e políticos, está em vulnerabilidade social. É necessário um olhar mais psicossocial para este fenômeno.”   

Brune acrescenta que a existência de uma classificação para a transexualidade no documento elaborado pela OMS é pré-requisito em vários países da América Latina para o acesso à rede pública de saúde. “Por qual motivo manter uma classificação, um código para transexualidade? Em vários países, isso é exigido para acesso a tratamento médico, cirúrgico, hormonal, quando as pessoas assim desejarem.”  

Vitória da resistência

Bruna Leonardo: “Antes dessa mudança na CID, éramos tratadas como pessoas com problemas mentais, que não podiam decidir sobre nossas próprias vidas (Foto: Orney Bastos)

Bruna Leonardo: “Antes dessa mudança na CID, éramos tratadas como pessoas com problemas mentais, que não podiam decidir sobre nossas próprias vidas (Foto: Orney Bastos)

Para a militante trans Bruna Leonardo, a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) irá favorecer travestis e transexuais, especialmente no que diz respeito às reivindicações por igualdade de direitos. “Antes dessa mudança na CID, éramos tratadas como pessoas com problemas mentais, ou seja,  que não podiam decidir sobre nossas próprias vidas, mesmo na ocasião de tratamentos de saúde e patrimônio material, por exemplo. Podíamos ser interditadas, podíamos, por exemplo, perder a guarda de um filho ou filha. Essa mudança é uma vitória e é fruto, principalmente, da nossa luta, da resistência, da militância e, também, do apoio de quem já não nos considerava doentes.”

Bruna ressalta que  a alteração da classificação (CID) representa mais autonomia para a população trans. “Representa autonomia para decidirmos acerca do nosso nome e gênero, sobre os nossos corpos, sobre as nossas vidas. Antes isso tudo ficava nas mãos de pessoas que não vivenciavam as trans-identidades na pele, o que nos gerava medo, insegurança e angústia, pois poderíamos não ser considerados trans e, assim, não teríamos acesso ao processo transexualizador pelo Sistema Único de Saúde (SUS).”

O estudante do curso de Química da UFJF, Felipe Modesto, também avalia a alteração promovida pela OMS como uma  vitória para a comunidade trans. “A transexualidade não está mais na lista de transtornos mentais. A classificação agora é outra. Esse código (CID) é um cadastro internacional de situações que demandam tratamento. Se você tem um filho e acompanha um filho ao médico, a doença dele tem uma classificação (CID). Se você tem uma gripe, você recebe uma classificação (CID). É preciso atestar isso para fins trabalhistas e até mesmo em faculdades e escolas. O tratamento para pessoas transexuais e travestis não poderia ser diferente.”

Ainda de acordo com o estudante, a população trans precisa de suporte da rede pública de saúde para atendimentos psicológico, endocrinológico, ginecológico, dentre outros. “O que acaba acontecendo é a confusão de ter uma classificação (CID) e ser patologizado. Essa luta de não patologização da transexualidade é muito importante, porque ainda somos vistos como pessoas doentes por muitas entidades: igrejas, alguns órgãos de Estado, temos relatos de muitos países que ainda tratam até a homossexualidade como um fator que pode ser curado. E sabemos que isso não é verdade.”

Outras informações: (32) 2102-3970 – Diretoria de Imagem Institucional