“Gosto de exaltar cantando o samba brasileiro / Ritmo bem quente sem sotaque estrangeiro / Foi por isto mesmo que tirou sua patente / Por ser diferente e tão bom de se dançar”, diz a letra de “O samba brasileiro”, interpretado por Elza Soares. O samba, de fato, representa o espírito alegre e espontâneo do Brasil. Mas será que ele é genuinamente brasileiro? Esse foi um dos temas tratados pelo professor Clement Akassi (Howard University – Estados Unidos) durante o Global July. Com o objetivo de mostrar como as produções culturais participam no processo de construção de identidades, memórias e visibilização do povo africano e das diásporas africanas, o professor ministrou o curso “Estudios africanos/diaspóricos y descolonización del imaginario”. Ele também se reuniu com alunos do Programa Estudante Convênio de Graduação (PEC-G) para conhecer e discutir os projetos realizados na UFJF. Além de Akassi, outros quatro professores internacionais participaram do Programa, que ofereceu mais de 20 cursos para alunos estrangeiros e da instituição.
Segundo Akassi, o curso busca dar visibilidade a essas produções culturais, mostrando que existe uma África fora do continente africano, que mantém a sua identidade. “É uma forma de ocupar um lugar que eles não têm no espaço público. Essas produções culturais de africanos e da diáspora africana foram feitas em um contexto pós-colonial, onde há um imaginário colonizado. A partir delas, é possível conseguir um elemento teórico rico para descolonizar o imaginário.”
“Mas nós existimos, não só como número. Existimos como voz, para expressar nossa identidade” (Clement Akassi)
O professor conta que o samba e o candomblé, vistos como representação da identidade brasileira, são exemplos desse processo de invisibilização cultural africana. “Esse discurso esquece de dizer que são manifestações de origem africana. Então, ao mesmo tempo que ele é mostrado, faz sucesso, ele é invisibilizado para o negro, que perde sua própria produção.” Para Akassi, essas produções são importantes como forma de identificação e representação. “Não é um espaço de ficção, no sentido de algo que não existe, mas sim um espaço de troca, de luta, um espaço político. Querem dizer que também fazem parte da nação e que não são ouvidos. Quando são, é a partir de estereótipos. Mas nós existimos, não só como número. Existimos como voz, para expressar nossa identidade.”
Visibilidade na literatura também é abordada no Global July
Em 1975, pesquisadores se reuniram em Washington para um simpósio de literatura que compreendia a produção entre 1950 e 1975. Eles apontaram a literatura centro-americana, brasileira e feminina como grandes silêncios, apesar desses grupos produzirem um vasto conteúdo de alta qualidade. Para o professor José Recinos (Stephen F. Austin State University – EUA), que ministrou o curso “Representación animal en la narrativa centroamericana”, o Global July foi uma excelente oportunidade de discutir o assunto. “É uma forma de tornar visível esses estudos e mostrar que existia e existe uma literatura de grande qualidade sendo produzida por esses grupos.”
O professor também abordou os conceitos de pós-humanismo como forma de entender a representação animal na literatura centro-americana do século 20. O pós-humanismo crítico — pensamento que questiona a construção da humanidade e acredita que o homem não é excepcional, mas sim mais uma parte do ecossistema — foi analisado pelo professor em histórias como “Guerra en los basureros”, de Guadalupe Nettel.
Global July
“É uma forma dos alunos conhecerem outros métodos, conteúdos e abordagens, além de ter a possibilidade de encontrar pontes entre as pesquisas e dar início a projetos em colaboração com universidades estrangeiras. Abre muitas janelas” (Bárbara Daibert)
O Global July é um programa coordenado pela Diretoria de Relações Internacionais da UFJF que oferece cursos gratuitos nas férias de inverno em diversas áreas do conhecimento. Em sua primeira edição em 2017, o Global July ofereceu 25 cursos, 5 deles apresentados por professores de universidades internacionais parceiras. As aulas são ministradas em quatro idiomas (português, inglês, espanhol e francês) por professores da instituição, além de convidados de outros países. A participação nos cursos dá a possibilidade de flexibilização curricular.
A diretora da DRI, Bárbara Daibert, afirma que o programa oferece a oportunidade de internacionalização em casa. “É uma forma dos alunos conhecerem outros métodos, conteúdos e abordagens, além de ter a possibilidade de encontrar pontes entre as pesquisas e dar início a projetos em colaboração com universidades estrangeiras. Abre muitas janelas.”
Para Les Kennington (University of Maryland Eastern Shore – EUA), o curso é uma chance de intensificar trabalhos em parceria. “O financiamento para a ciência tem sido ameaçado no mundo todo, então, esse tipo de programa é uma forma de ajudar uns aos outros a trabalhar de forma colaborativa para atingir melhores resultados.”