Alessandra ressalta que o estudo não comprova a mediunidade. Apenas mostra o funcionamento do cérebro durante o transe - Maurizio Belli

Alessandra ressalta que o estudo não comprova a mediunidade. Apenas mostra o funcionamento do cérebro durante o transe – Maurizio Belli

Jornal O Globo – 26 de junho

RIO — Chico Xavier relatava ver e conversar com gente que já morreu. Para muitos, o médium – morto em 2002 – só podia ser esquizofrênico. Tudo seria criado em sua fértil imaginação. Mas uma pesquisa inédita da Universidade de Aachen, na Alemanha, examinou o cérebro de oito médiuns e constatou que, durante o transe, a área relacionada à vivência do real foi a mais ativada. O estudo, liderado pela psicóloga brasileira Alessandra Ghinato Mainieri e pelo psicólogo alemão Nils Kohn, acaba de ser publicado na revista científica Psychiatry Research Neuroimaging.

— Durante o transe existem mais áreas ativadas relacionadas ao sistema perceptual, a sensações, áreas mais atrás do cérebro. Áreas da frente do cérebro tem relação com a imaginação, criação de ideias e construção de pensamentos — diz Alessandra, atualmente professora convidada no Programa de Pós-Graduação em Saúde na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Alessandra fazia doutorado em sociocognição e neurociência na Alemanha, quando teve a ideia com o colega Nils Kohn, num ponto de ônibus, de inscrever o projeto para pesquisa. No total, o estudo recebeu financiamento total de 65 mil euros (o equivalente a R$ 240 mil), de duas instituições (Start – Faculdade de Medicina da Universidade de Aachen – e da Fundação Bial). O trabalho contou com a colaboração de outros profissionais da neurociência, como Julio Peres (USP), Klaus Mathiak, Ute Habel e Alexander Moreira-Almeida.

Oito médiuns (seis alemães e dois brasileiros) participaram dos testes em 2011 e 2012, na Universidade de Aachen. Segundo Alessandra, eram frequentadores de um centro espírita de linha kardecista, na região, selecionados após entrevista. Nenhum era famoso.

Os médiuns, no equipamento de ressonância magnética, realizaram três atividades. Na primeira, ficavam em repouso e deixavam o pensamento fluir por três minutos. Após pausa, e uma sequência de perguntas, eram estimulados ao transe. Apertavam um botão quando percebiam o início do estado alterado. Três minutos depois, uma sineta sinalizava o fim da etapa. Mais uma vez, eles realizavam algumas tarefas e contas para voltar ao estado de consciência. Por último, recebiam a instrução para imaginar que estavam em transe, tentando utilizar as mesmas percepções, mas conscientemente.

— Eles (os médiuns) fizeram três vezes essa sequência: estado de repouso , transe e imaginação — explica Alessandra.

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Cérebro mapeado

Após os experimentos, os médiuns relatavam detalhes do que ocorreu durante a permanência no equipamento. Descreviam contatos com espíritos e visões. As informações eram comparadas às atividades cerebrais registradas nos exames de ressonância magnética.

— É preciso fazer uma comparação estatística do grupo. Imagina que o cérebro é transformado, para cada um dos participantes, em bilhões de pixels. A gente faz uma análise estatística. Pixel é a unidade de tamanho. São três milímetros cúbicos do cérebro. A gente compara o resultado de todos os participantes em conjunto. O que eu tenho é o resultado final do grupo — esclarece a psicóloga.

A pesquisa é inédita, segundo Alessandra, por ser a primeira vez que se faz estudo de ressonância magnética funcional com médiuns espíritas.

— Na ressonância magnética funcional, você não usa nenhum tipo de contraste ou traçador. A pessoa simplesmente entra na máquina, e é feita uma análise através de uma combinatória da quantidade de hemoglobina oxigenada, ou seja com oxigênio, e hemoglobina desoxigenada, sem oxigênio. Quanto maior a quantidade de hemoglobina sem oxigênio, significa que as células daquela região gastaram mais energia. Elas consumiram oxigênio. As células precisam de oxigênio para funcionar. Então, funcionaram mais do que em outras áreas do cérebro.

“Não investigamos espíritos”

A psicóloga, porém, ressalta que o resultado não comprova a vida espiritual ou a veracidade das visões dos médiuns

— Não investigamos o cérebro de encarnados. Não estamos comprovando a existência ou não da mediunidade enquanto fenômeno espiritual. A gente só verificou a capacidade ou o que acontece no cérebro quando as pessoas estão nesse estado alterado. Nada além.

A pesquisadora observa que o estudo só se baseia no mundo material.

— Tenho como identificar, estudar, pesquisar, o que está se passando no cérebro do médium que está dentro da ressonância. É isto que estou analisando, única e exclusivamente o funcionamento cerebral. A explicação se o funcionamento é causado por um outro motivo, ou outra origem que não a própria pessoa, eu não tenho como determinar. Em termos bem simples: não investigamos espíritos. Respeito profundamente a explicação e a crença que elas têm, de associarem o estado alterado a um espírito, a um ente imaterial. Mas, no momento, não tenho como investigar este outro ente. É o que eu dizia aos meus alunos: ‘Se aquela cadeira falar e as outras ficarem mudas, vou estudar a cadeira que fala’. Por enquanto, não encontrei nenhum método que me permita investigar espírito. Só tenho método que me permitem investigar matéria.

Alessandra, porém, se considera espiritualista. A crença, argumenta, não influi no resultado da pesquisa.

— Não posso dizer que tenho uma religião específica. Mas não vejo nenhuma necessidade de a pessoa ter qualquer tipo de religião para fazer esta pesquisa. O meu colega, o doutor Nils, não tem religião nenhuma. É agnóstico

Próximo estudo

O tema é polêmico e inspira a psicóloga. Ela trabalha em novo projeto, agora no Brasil.

— O que nos interessa é comparar o comportamento cerebral de esquizofrênicos, que tem alucinação auditiva e visual, com o funcionamento cerebral de médiuns. Existem diferentes modelos teóricos e alguns indícios na literatura geral sobre o funcionamento cerebral dos esquizofrênicos durante esse estado alterado de percepção. Ou seja, da alucinação visual ou auditiva. Mas a gente não tem ainda nenhum estudo na literatura internacional, fazendo uma comparação mais específica, com outras populações saudáveis que passem por alteração perceptual, que é o que acontece com os médiuns.

Um dos colaboradores do estudo, o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida observa que há muito tempo se trava grande discussão sobre diferenças entre experiências espirituais e doenças mentais. Ele coordena o Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF (Nupes).

— Por muito tempo, tendeu-se a avaliar as experiências espirituais como sendo um dos indicadores de doenças mentais. Consideramos tecnicamente para pesquisa a mediunidade como a vivência que a pessoa se refere estar em contato com algum ser, alguma entidade, espiritual. Nesse sentido, todas as tradições religiosas tem essa experiência, como os católicos carismáticos, protestantes pentecostais, umbandistas, candomblecistas. Muitas vezes, esse comportamento foi considerada pela psiquiatria, pela psicologia, como sinal de doença mental. Atualmente, há grande crescimento de estudos nesse sentido. A gente sabe que a maior parte de pessoas que tem essas vivências espirituais não tem um transtorno mental. A grande questão é como fazer esta distinção.

O coordenador do Nupes ressalta a importância em novas pesquisas.

— Estamos avançando com esses estudos para tentar fazer um entendimento da neuroimagem, como é o cérebro dessas pessoas e qual é o padrão de ativação do cérebro durante essas vivências, para poder ajudar na melhor compreensão dessa experiência. É importante deixar claro que não se está, de forma alguma, negando a existência de transtornos mentais.

Mas como explicar o relato dos médiuns? Eles, de fato, falariam com mortos?

— Há algumas hipóteses — responde Alexander — ao longo desses 100 anos de investigação para a experiência mediúnica. Uma delas é a fraude, por algum interesse específico. Outra, seria uma doença mental, efetivamente. Ou poderia ser uma criação do inconsciente, manifestada durante o transe. Essas são as hipóteses mais convencionais. Mas há outras hipóteses um pouco mais heterodoxas. Uma delas seria que o médium, durante o transe, tivesse acesso a algum tipo de percepção realmente extrassensorial, como a telepatia. Ele captaria visões de situações fora do alcance normal dos sentidos. E tem uma última hipótese: a consciência e a mente sobreviveria a morte corporal e poderia, efetivamente, estar se comunicando através de um médium.