A Porta do Sol, considerada Patrimônio Cultural pela Unesco (Foto: Divulgação)

A Porta do Sol, considerada Patrimônio Cultural pela Unesco (Foto: Divulgação)

O espírito científico e o interesse pelos mistérios das culturas antigas foram pilares na vida do austríaco Franz Joseph Hochleitner e o ajudaram a reconstruir a vida na América do Sul, mais precisamente em Juiz de Fora, onde se instalou em 1948, após traumática experiência na Segunda Guerra Mundial. Hoje, lúcido aos 101 anos, ele empresta seu nome à Sala de Arqueoastronomia do Centro de Ciências, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que será inaugurada na próxima segunda-feira, dia 3 de julho, às 19h. O local vai abrigar parte do acervo do Museu de Arqueologia e Etnografia Americana (MAEA), que Franz fundou em 1986 na UFJF e hoje é vinculado à Pró-reitoria de Cultura (Procult).

Acervo em exibição

A instalação da Sala Franz Hochleitner no Centro de Ciências estabelece um diálogo entre o Observatório Astronômico e a pesquisa de arqueoastronomia desenvolvida pelo homenageado no âmbito do MAEA quando professor na UFJF. O objetivo do novo espaço é apresentar como civilizações antigas apreendiam e compreendiam o cosmos. Na Sala estarão expostas peças da cultura de Tiwanaku – considerada a mais antiga da América do Sul –, como um vaso cerimonial Keru (em cerâmica), alfinetes de bronze, réplica da Porta do Sol – um monumento com inscrições de um calendário astronômico complexo, encontrado nas ruínas dessa cultura, na Bolívia – e uma das principais atrações do MAEA: a coleção antropológica.

Centro de Ciências será inaugurado nesta terça-feira, 3 (Foto: Ciro Cavalcanti)

Centro de Ciências será inaugurado nesta segunda-feira, 3 (Foto: Ciro Cavalcanti)

Esta coleção é composta por quatro crânios de indivíduos de Tiwanaku, que exibem uma deformação artificial provocada pela compressão da cabeça de recém-nascidos com tábuas de madeira ou ligaduras, com o objetivo de alterar o eixo de crescimento da cavidade craniana. Tal particularidade teria significado estético, mágico-religioso e de identificação étnica ou status social para os integrantes dessa cultura andina. Franz Hochleitner recebeu a coleção, em 1960, por doação do arqueólogo Carlos Ponce Sanginés, então ministro da cultura boliviano, que o convidou a participar de pesquisas no sítio arqueológico de Tiwanaku após ler um artigo publico pelo professor no jornal Diário Mercantil de Juiz de Fora, em 1957, em que Hochleitner interpreta as cerca de duas mil inscrições gravadas na Porta do Sol. Localizada no Templo de Kalasasaya, a mesma é considerada o principal ícone das ruínas de Tiwanaku, classificadas como Patrimônio Cultural pela Unesco.

Importância cultural e científica

O Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (MAEA) é um dos raros no país a se dedicar à arqueoastronomia, e a razão para isso é exatamente o fato de que, tendo sido organizado em função do acervo e dos estudos de Franz Hochleitner, essa foi a primeira pesquisa desenvolvida no âmbito do Museu. Agora, com a Sala de Arqueoastronomia que homenageia seu fundador, o MAEA pretende elaborar e executar projetos alinhados com as finalidades e interesses dos pesquisadores do Centro de Ciências.

O espaço no Centro, por sua vez, possibilita a visibilidade a esse que é um dos acervos de maior valor cultural e de pesquisa da Universidade. Para a pró-reitora Valéria Faria, é uma oportunidade de apresentar o que há de mais relevante no MAEA. “A inauguração da Sala é uma homenagem até tardia para o professor Hochleitner, que tanto contribuiu para a pesquisa acadêmica em sua área na UFJF”, ressalta a pró-reitora. Já muito feliz com esse tributo que a universidade a que se dedicou tantos anos lhe presta, Franz Hochleitner estará presente à inauguração.

Aberto à visitas e ações educativas

A relação institucional entre o MAEA e o Centro de Ciências será mediada pela Pró-Reitoria de Cultura da UFJF, à qual o Museu está vinculado. De acordo com arqueóloga e pesquisadora colaboradora do Museu, Luciane Monteiro Oliveira, além da exposição permanente, a Sala deverá desenvolver ações educativas, como visitas agendadas para alunos de ensino médio e fundamental e público em geral. Há ainda um projeto de antropologia biológica para análise e datação dos crânios de indivíduos da cultura Tiwanaku, em parceria com pesquisadores da área em instituições nacionais, como o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (USP).

Em 1992, o acervo do MAEA foi ampliado com a incorporação da coleção etnográfica de objetos indígenas, sobretudo da cultura Maxacali, reunido pela professora Nely Ferreira do Nascimento. Até 2010, o acervo esteve abrigado no Museu de Arte Murilo Mendes (Mamm), mas, desde o final de 2015, o Museu, atualmente coordenado pelo professor Cesar Barra Rocha, encontra-se no terceiro andar do Arquivo Histórico, na Avenida Rio Branco 3.460.  

Réplica do Portal do Sol e, ao lado, o professor Franz Hochleitner (Foto: Divulgação)

Réplica do Portal do Sol e, ao lado, o professor Franz Hochleitner (Foto: Divulgação)

História

A arqueoastronomia foi a especialidade que introduziu o austríaco Franz Hochleitner – hoje naturalizado brasileiro – no universo acadêmico. Formado em Ciências Aplicadas, ele trabalhou na área de comunicação militar, desenvolvendo e aperfeiçoando métodos avançados de radiocomunicação para a Força Aérea Alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Esse conhecimento especializado culminou em seu interesse pela interpretação de códigos, ideogramas e hieróglifos de culturas antigas, como os dos maias e astecas, e particularmente pelos enigmas da Porta do Sol, quando já morava no Brasil.

Sem a necessária formação acadêmica na área, não pôde integrar uma missão arqueológica alemã de investigações nas ruínas. Entre 1959 e 1960, porém, Franz Hochleitner atuou no projeto de constituição da Escola de Aprendizagem para Jovens Aymara, na localidade de Pillapi, região do Lago Titicaca, na Bolívia, onde estudos indicam que surgiu a cultura Tiwanaku.

Em função de seu crescente interesse pela área, decidiu ingressar no curso de História da Faculdade de Filosofia e Letras (Fafile) – uma das escolas superiores que estão na origem da UFJF –, e, simultaneamente, atuou nela como professor de História da América, graças aos conhecimentos acumulados na prática. Em 1964, recebeu uma bolsa da Fundação Alexander von Humboldt para formação em Arqueologia e Etnologia na Universidade de Bonn, Alemanha.

Já em 1986, com a doação de seu acervo, Hochleitner propõe a instituição do Setor de Arqueoastronomia na UFJF, que mais tarde veio a se constituir como Museu de Arqueologia e Etnologia Americana (MAEA). Até 1999, Franz Joseph Hochleitner, mesmo aposentado, se dedicou diariamente ao setor. Vinha a pé de sua casa, no bairro São Pedro, para se ocupar do acervo no Campus, que só deixou de acompanhar após sofrer um AVC.

Mais informações:

(32) 2102-3964 (Pró-reitoria de Cultura)

(Atualizado em 29/06/2017, às 15h28)