Público encheu o anfiteatro para o evento que aconteceu nesta quarta, 10 (Foto: Twin Alvarenga)

Evento debateu direito ao território e reconhecimento social de comunidades quilombolas (Foto: Twin Alvarenga)

Nascidas da resistência à escravidão, as comunidades quilombolas marcam suas trajetórias pela história brasileira com suas relações com a terra, suas tradições e sua ancestralidade. Em todo Brasil, segundo o  Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), existem cerca de três mil comunidades; a estimativa em Minas Gerais é de 800, das quais 300 são certificadas. Com o objetivo de promover o diálogo entre as comunidades e a defensoria pública de Belo Horizonte, aconteceu nesta última quarta, 10, o evento “Direitos quilombolas e a formação de roteadores sociais”.

Parte da pesquisa da mestranda Ane Elyse Fernandes, o evento é promovido pelo Laboratório Kizomba Namata, vinculado ao curso de Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). “De um lado, nós temos políticas públicas e a constituição que garantem direitos para as comunidades quilombolas, enquanto, no outro polo, temos as comunidades que muitas vezes desconhecem seus direitos. Não há uma comunicação direta que conecte esses meios. Então, a partir do laboratório e da pesquisa da Ane, procuramos mediar essa relação”, afirma o orientador do trabalho, professor Leonardo Carneiro.

A pesquisa

“A questão do território é indissociável ao quilombola, por isso esse é o principal direito reivindicado”

O projeto de Ane, que tem como tema a “Interveniência do Estado e o direito ao território quilombola na Zona da Mata mineira”, procura explicitar a relação do Estado com as comunidades no que diz respeito ao direito à titulação do território, que é garantido pelo artigo 68 do Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Com isso, a pesquisa promove a divulgação desse direito e possibilita o empoderamento das comunidades quilombolas.

A questão do território é indissociável ao quilombola, por isso esse é o principal direito reivindicado. O território está  inteiramente ligado à identidade da comunidade”, explica Ane. Mesmo não sendo esse o foco da pesquisa, segundo Ane, alguns outros direitos vêm sendo conquistados por meio de políticas públicas eficazes do Governo do Estado de Minas Gerais. O auxílio à produção e comercialização de produtos agrícolas, instalação de fossas de saneamento básico e a instalação de sistemas de internet grátis nas comunidades quilombolas são exemplos de conquistas nos últimos anos.

Com o evento, Ane dá início à parte metodológica da pesquisa, pois os debates promovidos nesta quarta serão analisados pela mestranda para que se possa perceber se há harmonia de ideias entre ambas as partes e o que precisa melhorar nesse diálogo. Os próximos passos dizem respeito à formação de um banco de dados que ficará disponível na internet.

Um mapeamento já está sendo feito junto à Rede de Saberes dos Povos Quilombolas (Rede Sapoqui), que vem apontando uma diferença considerável se comparado aos dados de instituições públicas. Tomando como exemplo, a Fundação Palmares reconhece 16 comunidades quilombolas na Zona da Mata mineira, enquanto o mapeamento do Laboratório junto à Rede Sapoqui levantou 110 comunidades que não estão reconhecidas pelo Estado.

O evento

Além de promover o diálogo, o evento teve o objetivo de promover a UFJF representada pelo Laboratório Kizomba Namata como um “roteador social”

A programação contou com a participação do Defensor Público Federal, Estevão Ferreira Couto, que procurou esclarecer os principais desafios do reconhecimento dos direitos quilombolas através de uma roda de conversa. Para Estevão, eventos como esse é uma oportunidade de ter contato direto com comunidades que são desconhecidas por parte da defensoria e perceber como esta a realidade dos direitos quilombolas na região.

Na parte da tarde foi feita a reunião da Rede Sapoqui, que contou com a presença de lideranças das comunidades quilombolas da Zona da Mata mineira, assim como representantes de entidades públicas como o Incra e movimentos sociais como o Movimento Negro Unificado (MNU).

Além de promover o diálogo, o evento teve o objetivo de promover a UFJF representada pelo Laboratório Kizomba Namata como um “roteador social”. Este termo, utilizado por Leonardo, se refere a um mediador responsável por encurtar distâncias. “O nosso papel é possibilitar a comunicação entre pólos diferentes assim como os roteadores. Nós procuramos fazer um fluxo de informações transitarem de um lado para o outro dando as comunidades e ao poder público mais base para agir”, explica.

“Nós corremos atrás de direitos e, por vezes, vamos até pessoas que não sabem nos responder. Então, nesses eventos nós podemos esclarecer dúvidas e aprender o como devemos lutar. A nossa comunidade tem um processo no Incra que não tem andamento por falta de informação e isso acaba gerando conflito dentro da própria comunidade”, diz Maria de Loudes, integrante da comunidade quilombola Colônia do Paiol, sobre a importância do evento e sobre o processo de titulação de terra.

“Criar espaços que promovam o empoderamento e evidencie a luta dessas comunidades é primordial, principalmente quando o palco é uma universidade pública”

Para a mestranda Ane Elyse, ver o público do evento engajado com a temática foi “inspirador”. “É o que move a nossa resistência e a nossa crença por dias melhores”, pontua. “Criar espaços que promovam o empoderamento e evidencie a luta dessas comunidades é primordial, principalmente quando o palco é uma universidade pública como é a UFJF. Ali foi onde vi que tudo aquilo que apreendi através do projeto de extensão no qual participei durante quatro anos, conseguiu gerar frutos e que é algo que transcende as portas da Universidade.” Para Ane, as comunidades são exemplos enriquecedores de força. “Elas sempre estão nos ensinando e reconstruindo nossos olhares e nossas relações com o mundo. É muito enriquecedor.”

Resultados

Além de despertar o interesse para o diálogo entre as comunidades quilombolas e o poder público, Ane Elyse também ressaltou demais resultados do evento, como a articulação da Rede Sapoqui para abranger suas relações na Zona da Mata Mineira. “Em termos concretos, foi proposta uma nova reunião, ainda em construção, de dois a três dias para discutir novamente a temática, o que deve ser realizado em Viçosa, durante a Troca de Saberes, em julho.”

Outras informações:

Laboratório Kizomba Namata

(32) 2102-3166 / 3167 / ppg.geografia@ufjf.edu.br (Programa de Pós-Graduação em Geografia)

(32) 2102-3108 (Curso de Geografia)