A quinta e última mesa-redonda do evento “Todo dia é dia de luta”, organizado pela Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em comemoração ao Dia Internacional da Mulher – 8 de março -, debateu, na noite de quinta-feira, dia 10, “A luta de Lésbicas, Negras, Putas e Travestis”, no Anfiteatro do Instituto de Ciências Humanas (ICH).
A atividade, mediada pela conselheira do Conselho Estadual da Mulher de Minas Gerais e professora da Faculdade de Educação da UFJF, Daniela Auad, contou com a presença da professora do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e integrante do Centro de Estudos em Gênero, Raça/Etnia e Sexualidade – Diadorim, Amélia Tereza Santa Rosa Maraux.
Ao iniciar o evento, Daniela Auad enfatizou a necessidade de resistência unificada às ameaças à democracia. “A UFJF tornou-se um polo de resistência. Uma universidade que exonera um professor por assédio é uma universidade que luta contra este contexto que estamos vivendo em nível nacional. Isso é muito representativo para mim. Sinto-me fortalecida, também, pelas múltiplas lutas das nossas identidades.”
A professora da Uneb, Amélia Maraux, destacou que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo. “Estamos numa guerra. E o feminicídio tem ‘cor’. Em sua maioria, são as mulheres negras que são mortas. Os nossos corpos estão sendo mortos, literalmente, e também tem nos tirado conquistas. O momento é muito difícil, e mais do que nunca precisamos pensar o ativismo hoje. Sem a busca da militância, do afeto e do bem viver, a gente não vai conseguir atravessar este momento.”
Lugar, papel e narrativa
Amélia ressaltou a necessidade de as militâncias feministas terem clareza de narrativa. “Emblemático e fundamental que nós – que estamos à frente dos processos – tenhamos muito claro qual o nosso lugar, papel, narrativa. Desde 1996, sou professora e pesquisadora na Uneb. Sempre tive muito clara a necessidade de me posicionar. Certa vez, um aluno me indagou sobre eu ser lésbica. Eu sempre fui uma professora com as minhas identidades muito definidas: sou lésbica e negra. No sertão da Bahia, conheci mulheres que lutavam por um feminismo que não era como o meu: era comunitário, feito no dia a dia, quando se colocam contra o poder hegemônico masculino, quando brigam com o poder público por assistência médica ou por políticas de combate às violências contra as mulheres no campo.”
“As nossas lesbianidades e transexualidades não são idênticas, nem os feminismos. Temos que compreender essas diferenças e identificar o que ideologicamente nos une. Esse movimento terá que ser à esquerda, anticapitalista”
Protagonismo feminino em manifestações
A professora da Uneb destacou a relevância das participações femininas nas lutas pela democracia, especialmente após o afastamento da presidente Dilma Rousseff. “O processo foi marcado por lesbofobia, visto que a ela era atribuída a ‘pecha de sapatão’. As mulheres tomaram o movimento e foram às ruas! Também houve manifestações com forte presença feminina contra a reforma do ensino médio, a escola sem partido, dentre outras. Em cima dessas questões que os temas de gênero e sexualidade tomaram um vulto imenso. O que fez que esses temas aparecessem na hora do voto dos deputados pelo afastamento da presidenta?”
“Nós crescemos, nos constituímos, temos que manter o caminho da busca e da garantia de direitos”
Recorte histórico
Amélia recorreu à história, para levar o público à reflexão sobre as atuais conjuntura política e configurações dos movimentos sociais. “Se fizermos um recuo histórico, verificaremos o que foi este país na ditadura, com censura fortíssima e os direitos restritos, quase inexistentes. O processo de abertura se deu muito lentamente. Também somos o país que mais demorou a sair da escravidão. Foram três séculos! A Constituição de 1988 foi um importante momento, para reorganização dos movimentos sociais. As feministas tiveram participação fundamental nesse processo, assim como o movimento dos trabalhadores rurais, com a emergência do Movimento dos Sem Terra (MST) e outros. À ocasião, houve a ampliação da busca por direitos e o aparecimento de outros sujeitos sociais. Vale lembrar que, na década de 1970, o movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (LGBT), à época chamado movimento homossexual, já existia e questionava fortemente o sistema, se colocava pelo direito de existir e se contrapunha à ditadura. Não reivindicava apenas a despatologização da homossexualidade, mas demandava direito à saúde e educação. Isso tudo acontece agora porque nós saímos do armário.”
“Os nossos corpos estão sendo vilipendiados, massacrados. Basta olharmos os dados dos últimos meses: a quantidade enorme de assassinatos de travestis, transexuais e mulheres”
A professora da Uneb destacou a necessidade de fortalecimento do movimento LGBT em contraponto aos conservadorismos. “Já na década de 1990, as forças conservadoras se reagruparam: através do neopentecostalismo, como estratégia de ocupação do poder, houve um avanço da ala conservadora no país. Essa ala montou igrejas em inúmeros locais e construiu uma base política forte, montou emissoras de rádio, conseguiu concessões de canais de TV. Perceba quantos evangélicos e católicos carismáticos estão hoje na política! Isso é importante para termos a dimensão do que estamos vendo nos dias atuais. Nós, LGBT, construímos o nosso caminho a partir de 1988, saímos do armário, nos organizamos. Agora, para que continuemos no caminho de fortalecimento, temos que ir para cima e fazer a disputa.”
A programação em comemoração ao Dia da Mulher na UFJF foi organizada pela Diretoria de Ações Afirmativas (Diaaf) com apoio da Pró-reitoria de Extensão; Diretoria de Imagem Institucional; Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais (NEPCrim); e os coletivos de mulheres Aliança pela Infância; Feminista Classista Ana Montenegro; Coletivo Candaces – Organização de Mulheres Negras e Conhecimento; Duas Cabeças; Flores Raras – Educação, Comunicação e Feminismos; Maria Maria; PretAção; e Visitrans.