30854380080_affe9c92db_z

Palestrantes debateram a complexidade da relação dos dois agentes (foto: Twin Alvarenga/UFJF)

No debate sobre identidade de gênero e orientação sexual, que vem ocupando a atenção da sociedade com intensidade nos últimos tempos, a presença dos valores religiosos é uma constante. Frequentemente posicionados em extremos opostos da discussão, a busca dos grupos LGBT por seu reconhecimento social se confronta com as interpretações das mais diversas igrejas.

Compondo a programação do VIII Congresso Internacional de Estudos Sobre a Diversidade Sexual e de Gênero, a mesa redonda “Diversidades sexuais e de gênero e as religiões” — realizada nesta quinta feira, 24, na Universidade Federal de Juiz de Fora — buscou fugir dessa dicotomia. Explicitando os pontos de convergência e divergência entre a comunidade LGBT e os grupos religiosos, os palestrantes convidados falaram sobre a complexidade da relação dos dois agentes e concluíram que, apesar da grande distância que ainda os separa, algumas vozes dissonantes entre os religiosos atuam para abraçar essa diversidade.

Mediada pelo professor Roney Polato de Castro (UFJF), a mesa foi inaugurada pela fala do professor André Sidnei Musskopf (Faculdades EST), que abordou as múltiplas interpretações e reinterpretações teológicas sobre a homossexualidade. Após citar alguns trechos bíblicos que apontam para relações homoafetivas entre figuras proeminentes da mitologia cristã (Samuel 20. 41-42), e mostrar algumas ressignificações de símbolos religiosos realizadas por militantes LGBT (como a transexual crucificada na Parada Gay, em São Paulo), Musskopf tratou das novas interpretações teológicas, nascidas das demandas desses grupos.

Entre as diversas teologias da libertação (como a feministas-ambientalistas), o professor falou sobre predileção pela interpretação de Deus como um “transbordamento erótico do divino”. Conforme ele, é possível traçar um paralelo entre os movimentos sociais, pesquisas acadêmicas e concepções teológicas. Além disso, o docente exemplificou algumas vertentes do cristianismo que se repensam para incluir os grupos LGBT, como a Rede de Religiosos Contra a Homofobia.

As Igrejas Protestantes na formação de grupos militantes da causa LGBT

Partindo desse ponto, o professor Marcelo Tavares Natividade (USP) deu continuidade à conversa, tratando de casos concretos dessa convergência, em que algumas igrejas reforçam essa pluralidade de visões. Durante sua fala, Natividade resgatou a participação das igrejas protestantes na formação de grupos militantes da causa LGBT, ao longo dos anos de 1960 e, num passado ainda mais remoto, a acomodação da homossexualidade pela igreja católica medieval, que via os casais homoafetivos como “amigos mais próximos que irmãos”, inclusive realizando casamentos entre casais do mesmo sexo.

O professor evidenciou a complexidade da relação entre as religiões e a identidade de gênero e orientações sexuais sob uma perspectiva estruturalista, no lugar da ótica essencialista. Entre os exemplos citados por ele, esteve uma igreja protestante em São Paulo que se responsabiliza pelo sepultamento de transexuais em situação de rua, cujos corpos não foram reclamados pelas famílias ou mesmo recusados por elas.

A Interseção Igreja-Estado no contexto das causas LGBT

A conclusão do debate coube à professora Sandra Duarte de Souza (Universidade Metodista de São Paulo), que tratou da interseção igreja-Estado no contexto das causas LGBT e das liberdades reprodutivas das mulheres. Segundo a docente, a separação entre Estado e religião realizada pela sociedade secular nunca se concretizou plenamente, uma vez que as entidades religiosas resistem a se manter na esfera privada, frequentemente transbordando para a pública.

A professora apontou que, atualmente, diversas bancadas religiosas (provenientes de várias denominações cristãs, mas hegemonizadas pelos grupos expoentes da Assembléia de Deus) trabalham para propor leis que barrem as demandas dos movimentos sociais LGBT e feministas.

Porém, mesmo nesses casos, práticas heterodoxas dos agentes religiosos acabam por romper a homogeneidade do discurso religioso institucional. Se isso ocorre entre personagens particulares (“De um filho gay cristão, para pais cristãos de filhos gays”), incide também sobre os representantes das igrejas no Governo. Segundo Sandra, levantamentos sobre a participação das bancadas religiosas na proposição de leis apontaram que as congressistas mulheres desses partidos não apoiavam ativamente os projetos legislativos colocados em pauta por seus companheiros homens de bancada, quando se tratando das causas LGBT e de direitos reprodutivos das mulheres.

Concluindo a mesa, Musskopf afirmou que esses pontos de convergência não são perfeitos e muito ainda há de ser realizado para aproximar esses dois agentes. “Essa concepção que algumas igrejas adotam, de amar o pecador e odiar o pecado, não ajudam ninguém.”