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Tão importante quanto retirar a lama do Rio Doce é definir a melhor destinação e armazenamento para ela, diz professor Nathan Barros, fotografado no Laboratório de Ecologia Aquática da UFJF (Foto: Twin Alvarenga/UFJF)

A recuperação mais completa do Rio Doce, afetado pela lama de resíduos do reservatório de mineração, em Mariana (MG), dependerá não apenas da retirada da lama que o atingiu e se espalhou ao longo de todo o seu curso, mas essencialmente do tratamento de esgoto despejado, da recuperação de seus afluentes e matas ciliares, localizadas nas margens dos rios. O alerta é do professor do Programa em Pós-graduação em Ecologia da UFJF Nathan Oliveira Barros, doutor em Ecologia e integrante da força-tarefa de pesquisadores convidados pelo Governo de Minas Gerais para colaborar com análises sobre a tragédia ambiental.

“A lama foi um dos impactos no Rio Doce. Enorme impacto, diga-se de passagem, mas não é o único. Toneladas de esgoto não tratado são lançadas no rio.” Em seus 879 quilômetros de extensão, a bacia do Rio Doce abrange 228 municípios em Minas Gerais e Espírito Santo, totalizando 3,5 milhões de habitantes. A degradação também é uma característica de seus afluentes, como o Piracicaba, Casca e Suaçuí, que interferem no estado do rio.

A retirada da lama, se for feita, tem de ser uma das primeiras ações, por meio de dragagem, conforme o professor, para evitar a sedimentação e estabelecimento das partículas no sedimento. “Tão importante é também definir a destinação dessa lama e em que condição ela ficará armazenada caso seja retirada. Caso não haja essa remoção como medida emergencial, não seria adequado fazê-la daqui a cinco ou dez anos porque o próprio meio aquático entrará em outro estado de equilíbrio ecológico. A remoção posterior provocaria nova alteração no meio”. Se a lama permanecer, mais fundamental é o tratamento do esgoto despejado no rio e a recomposição e a conservação da mata ciliar.

Ainda que a mineradora responsável pelo reservatório rompido, a Samarco, que pertence à Vale e BHP Billiton, afirme que o material é inerte, ou seja, não é tóxico, a lama é capaz de exaurir o oxigênio do curso d’água e causar danos à vida aquática, como de fato ocorreu. “O aumento da turbidez, por si só, pode alterar os padrões migratórios de algumas espécies, modificar habitats e dificultar o tratamento de água para abastecimento humano.”

O professor coletou amostras da água, em Governador Valadares, uma semana após o rompimento da barragem, no dia 5 de novembro de 2015, e obteve exemplares próximo à foz, na cidade capixaba de Linhares, com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo. Outra frente de pesquisa na UFJF é desenvolvida em cooperação com o professor José Marcello de Campos, do Departamento de Biologia da UFJF, doutor em Genética, que investiga características da água com interferência em alguma atividade celular. Os resultados das análises ainda serão divulgados.

Etapas

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Lama na foz do Rio Doce, em Regência, no Espírito Santo, em novembro de 2015 (Foto: Fred Loureiro/Secom ES/Fotos Públicas)

Nathan Barros lista três principais etapas do processo de restauração do Rio Doce. Em primeiro momento, é necessário reunir o conhecimento disponível sobre a bacia, conhecer sua hidrologia, geomorfologia, características químicas, biológicas, variações climáticas e seus influenciadores.

Em segunda fase, recomenda analisar os impactos provocados pelo homem ao ambiente, identificando como ações humanas, sejam elas urbanas ou agropecuárias, afetam o curso d’água. “Conforme o tipo de atividade, pode haver o despejo de rejeitos químicos, como fertilizantes, direta ou indiretamente, quando são carreados pela chuva”, afirma Barros. O pisoteamento de gados à beira do rio também provoca o desgaste do solo e da vegetação campeira e assoreamento. Nas cidades, o esgoto é lançado quase que in natura no rio. Além disso, há impactos desconhecidos, de acordo com o docente.

Como terceira etapa, será necessário definir e executar medidas de mitigação dos impactos e de prevenção de novos danos, como também implementar propostas socioeconômicas e políticas. Nesse momento, são incluídas a recuperação de mata ciliar, revisão ou criação de legislação ambiental e recuperação de 100% das nascentes nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço, em Minas Gerais.

“A mata ciliar é vital para a saúde dos rios. Sem discussão, ela precisa ser restaurada. As pessoas precisam entender que sem ela a qualidade da água está comprometida. E é perfeitamente viável recuperá-la”. A mata ciliar protege o solo, evita que sedimentos e poluentes sejam levados para o rio, provocando o assoreamento, a redução de profundidade e de animais. Também cumpre a função de corredor para a fauna, permite que se desloquem de uma região para outra, fornece alimentos e abrigo.

Desafio possível
O professor acredita na possibilidade de recuperação do rio, desde que haja ações coordenadas e recursos de fato aplicados. Cita a despoluição dos rios Danúbio, que corre por quase 3 mil quilômetros em países europeus, e do Tâmisa, em Londres, na Inglaterra, como exemplos reais de regeneração de cursos d’água extensos.

“Esta é a hora de o Brasil mostrar ao mundo que pode ter capacidade de se recuperar de um desastre. Apesar de várias estimativas apontarem para o tempo de recuperação de mais de dez anos, acredito que ela pode ocorrer em menos tempo, desde que haja engajamento de vários setores da sociedade e que não seja feita de cima para baixo. Tem de haver a participação das pessoas que verdadeiramente usam o rio e vivem perto dele.”

Conforme o professor, a capacidade de resiliência faz com que o rio possa se recuperar naturalmente, sem interferência humana, mas de modo muito mais longo, talvez na escala de dezenas ou centenas de anos. A ação humana que o degradou poderia acelerar sua recuperação.

Outras informações:
(32) 2102-3227 – Programa de Pós-graduação em Ecologia
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce