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Aleatoriedade nos Jogos: Ferramenta Estratégica ou Ilusão de Profundidade?

AutorEmerson Berg Jorge Pereira (ebergp@gmail.com)

Revisores: Igor Knop, Victor Oliveira 

Se você já perdeu uma partida de XCOM porque seu soldado de elite errou um tiro à queima-roupa, ou viu o jogo virar contra você no Hearthstone devido a uma carta sorteada no último momento, conhece bem o poder e a frustração da aleatoriedade nos jogos. Mas o que parece apenas “fator sorte” é, na verdade, uma das ferramentas mais debatidas no design de jogos. Vamos explorar os diferentes tipos de aleatoriedade e como eles afetam sua experiência.

→ Por que usamos a aleatoriedade?

A aleatoriedade tem funções claras e valiosas:

→ Variedade e Rejogabilidade: Jogos como Minecraft e No Man’s Sky usam a geração procedural para criar mundos únicos a cada partida. Essa “aleatoriedade de criação” garante que nenhuma experiência seja igual às anteriores (Figura 1).

Figura 1: Elite (1984), primeiro jogo a utilizar geração procedural extensivamente para criar 8 galáxias com 256 planetas cada, fato impressionante para um jogo que ocupava 32 kbytes de espaço em disco. Os criadores pretendiam ter um universo com 200 trilhões (2⁴⁸) de galáxias, mas os produtores limitaram a 8 para esconder o procedimento matemático de geração.

Balanceamento em MultiplayerEm jogos como Hearthstone ou Apex Legends, a aleatoriedade na distribuição de cartas ou no saque de armas pode ajudar a equilibrar partidas entre jogadores de diferentes níveis de habilidade.

Criação de IncertezaA “Névoa de Guerra” em jogos de estratégia como StarCraft esconde informações do oponente, forçando os jogadores a tomarem decisões com base em dados incompletos (Figura 2).

Figura 2: Dois tipos de “fog of war” em Age of Empires. O terreno desconhecido é escuro, enquanto o já explorado, mas fora do campo de visão, aparece acinzentado.

→ Os Dois Tipos Fundamentais: Input e Output

A grande revelação vem quando entendemos que existem dois tipos principais de aleatoriedade:

  1. Aleatoriedade de Entrada (Input Randomness): Ocorre antes da decisão do jogador. É como embaralhar as cartas antes de um jogo de pôquer. O cenário é aleatório, mas suas escolhas a partir dali são puramente estratégicas. A geração do mapa em Civilization é um exemplo clássico: você decide onde fundar sua cidade com base no terreno que a sorte lhe deu.
  2. Aleatoriedade de Saída (Output Randomness): Ocorre depois da decisão do jogador.  É quando você toma uma ação e o resultado é incerto. Em XCOM, você posiciona seu soldado e atira, mas o jogo “rola um dado” para determinar se o tiro acerta ou erra. Este tipo de aleatoriedade é mais visceral e, por vezes, mais frustrante, pois pode fazer uma decisão inteligente terminar em fracasso.
    É importante notar que esses conceitos estão interligados. A aleatoriedade de saída de um turno se torna a aleatoriedade de entrada do próximo. Se seu ataque em XCOM errou (output), agora você tem um novo cenário problemático (input) para lidar no seu próximo turno.

 

→ A Polêmica: Por que Muitos Designers Criticam a Aleatoriedade de Saída

Keith Burgun (GAMEDEVELOPER.COM) apresenta uma crítica contundente à aleatoriedade de saída. O argumento principal é que o ruído injetado entre a escolha do jogador e o resultado não pertence a um jogo de estratégia, porque:

  1. Destrói o Aprendizado Estratégico: Em jogos determinísticos (como xadrez), cada vitória ou derrota fornece feedback claro sobre suas decisões. Com output randomness, você pode jogar perfeitamente e ainda perder devido a uma rolagem de dados ruim. O jogo envia feedback distorcido, dificultando o aprendizado.
  2. Cria “Profundidade Imaginária”: A aleatoriedade não torna o jogo mais profundo; apenas obscurece os resultados. Como humanos, somos naturalmente buscadores de padrões. Tendemos a atribuir significado a eventos puramente aleatórios, criando a ilusão de que o jogo é mais complexo do que realmente é.
  3. Corta a Linha Casual: Em um jogo determinístico, existe uma linha clara: “A levou a B, que levou a C”. Com output randomness, essa linha é quebrada: “A aconteceu, então B (aleatório) aconteceu, então C resultou”. As ações perdem sua relação causal.

→ Mas Output Randomness vira Input no Próximo Turno!

Este é um contra-argumento comum, e o autor responde que sim, tecnicamente é verdade. Porém, é o que ele chama de unfair input randomness (aleatoriedade de entrada injusta) – a aleatoriedade chega tão perto do jogador e de forma tão abrupta que não dá tempo para planejamento adequado.

→ Quando a Aleatoriedade Funciona?

A aleatoriedade de entrada bem implementada é amplamente aceita como positiva, utilizada para gerar mapas proceduralmente, distribuição inicial de recursos e sistemas de saque que oferecem escolhas estratégicas. Tais elementos criam variedade sem prejudicar a agência do jogador.

→ Conclusão: Sorte vs. Habilidade

A aleatoriedade não é “ruim” por natureza. Ela tem seu lugar em criar variedade, emoção imprevisível e acesso para jogadores casuais. No entanto, é crucial entendermos que tipo de experiência queremos. Para pura diversão e variedade, a aleatoriedade de saída pode ser aceitável. Para profundidade estratégica e aprendizado significativo, a aleatoriedade de entrada é preferível.

Como jogadores, entender essa diferença nos ajuda a escolher melhor nossos jogos e a compreender por que algumas experiências nos frustram enquanto outras nos engajam por anos. A próxima vez que você perder uma partida, pergunte-se: “Foi uma decisão ruim ou apenas má sorte?”. A resposta pode revelar muito sobre o design do jogo.

Referências

  1. GAMEDEVELOPER.COM. Randomness and Game Design. Disponível em: https://www.gamedeveloper.com/design/randomness-and-game-design
  2. GAME MAKER’S TOOLKIT. Os Dois Tipos de Aleatoriedade no Design de Jogos. Disponível em:
  3. LUDOLOGY (Podcast). Gametek Classic 183: Input & Output Randomness. Disponível em: https://ludology.libsyn.com/gametek-classic-183-input-output-randomness
  4. GAMERANT. Earliest Games To Use Procedural Generation. Disponível em: https://gamerant.com/earliest-games-procedural-generation/