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Dados, Sorte e Estratégia: Entendendo a Aleatoriedade para Vencer mais Jogos

Autores: Emerson Berg Jorge Pereira (ebergp@gmail.com)
Revisores: Victor Oliveira, Rock Fagundes, Igor Knop

Todo jogador, seja de tabuleiro, cartas ou videogame, já culpou a “má sorte” por uma derrota e celebrou a “sorte grande” por uma vitória inesperada. Entretanto, muito do que chamamos de sorte é, na verdade, matemática disfarçada. Entender os conceitos básicos de probabilidade e aleatoriedade não é só para cientistas de dados; é uma ferramenta que pode elevar drasticamente o nível de qualquer jogador.

Neste artigo, vamos desvendar como a aleatoriedade funciona, começando por um exemplo simples e evoluindo para jogos clássicos de tabuleiro como Monopoly e Gamão.

→ A Moeda e o Triângulo de Pascal: A Base de Tudo

Para entender dados, é útil começar com algo ainda mais simples: uma moeda. Uma moeda honesta tem dois resultados possíveis: Cara (C) ou Coroa (K), cada um com 50% de chance.

Mas e se lançarmos duas moedas? Os resultados possíveis são:

→ Cara + Cara (CC)

→ Cara + Coroa (CK)

→ Coroa + Cara (KC)

→ Coroa + Coroa (KK)

Note que obter uma Cara e uma Coroa (em qualquer ordem) é duas vezes mais provável do que obter duas Caras. Há 2 caminhos para esse resultado (CK e KC) contra apenas 1 caminho para CC (ou KK).

É aqui que o Triângulo de Pascal e a Expansão Binomial entram como ferramentas para auxiliar no cálculo das combinações, sem precisar listar todas.

O Triângulo de Pascal (Figura 1) é construído de uma forma simples: cada número é a soma dos dois números diretamente acima dele. A linha 2 é (1, 2, 1) e informa exatamente o número de combinações para duas moedas:

1 maneira de obter 0 Coroas (e 2 Caras)

2 maneiras de obter 1 Coroa (e 1 Cara)

1 maneira de obter 2 Coroas (e 0 Caras)

Triângulo de Pascal

Figura 1: Triângulo de Pascal

A expansão binomial (C + K)² = 1C² + 2CK + 1K² nos dá a mesma informação. Os coeficientes (1, 2, 1) são os números do Triângulo de Pascal. Para ‘n’ moedas, só é necessário substituir o expoente por ‘n’.

→ Dois Dados: O Triângulo de Pascal em Ação

Um único dado é como uma moeda com 6 lados. Cada face (1 a 6) tem a mesma chance, de aproximadamente 16,67% (1/6 * 100%).

Quando lançamos dois dados, a situação é análoga a lançar duas moedas, embora mais rica. Em vez de dois resultados por lançamento (Cara/Coroa), temos seis (as faces do dado). A ferramenta matemática usada é a expansão de (1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6)² (Tabela 1), que é mais complexa, mas a lógica do Triângulo de Pascal ainda se aplica para encontrar o número de combinações.

Dados123456
1(1,1)(1,2)(1,3)(1,4)(1,5)(1,6)
2(2,1)(2,2)(2,3)(2,4)(2,5)(2,6)
3(3,1)(3,2)(3,3)(3,4)(3,5)(3,6)
4(4,1)(4,2)(4,3)(4,4)(4,5)(4,6)
5(5,1)(5,2)(5,3)(5,4)(5,5)(5,6)
6(6,1)(6,2)(6,3)(6,4)(6,5)(6,6)
Tabela 1: Resultados possíveis do rolamento de dois dados.

O total de resultados possíveis é 6² = 36, mas é preciso descobrir quantas dessas 36 combinações resultam em uma soma específica. A chave é perceber que, assim como nas moedas, alguns resultados têm mais “caminhos” para acontecer (Figura 2).

Espaço amostral do lançamento de dois dados

Figura 2: Espaço amostral do lançamento de dois dados

 

A semelhança com o formato do Triângulo de Pascal é clara! O sete, sendo o pico do triângulo, é o número mais provável.

→ Aplicação no Mundo Real: Monopoly e Gamão

Em jogos de tabuleiro com lançamento de dados, o posicionamento espacial e o conhecimento das chances de rolamento transformam o que antes poderia ser considerado como mera sorte em estratégia.

No Monopoly:

Probabilidade de Cair em uma Casa: Propriedades a 6, 7 e 8 casas de distância de um ponto de partida comum (como a saída da prisão) são mais valiosas. A famosa “sétima casa” é a mais visitada do tabuleiro. Uma boa estratégia é construir casas e hotéis quando um oponente estiver a sete casas de distância de suas propriedades mais rentáveis.

Estratégia de Prisão: Sabendo que 6, 7 e 8 são rolagens comuns, ficar na prisão para não pagar aluguéis caros é uma estratégia estatisticamente sólida, especialmente no final do jogo.

Entrando na Prisão: As chances de ir para a prisão por rolar três duplas consecutivas são pequenas. As chances de rolar uma dupla em uma jogada é 6/36 = 1/6 (16.67%). Como cada rolamento é independente, as chances de três duplas consecutivas é (1/6)³ = 1/216 ≈ 0,46%.

Saindo da Prisão: As chances de sair da prisão rolando uma dupla em até três tentativas é calculada pelo complemento da probabilidade de falhar três vezes. As chances de não rolar uma dupla em uma tentativa é 5/6. Portanto, as chances de não rolar uma dupla em três tentativas é (5/6)³ = 125/216 ≈ 57.87%. Assim, as chances de sair (obter pelo menos uma dupla) é 1 – 125/216 = 91/216 ≈ 42.13%.

 

Com apenas 42% de chances de sair naturalmente, a estratégia ideal varia. No início do jogo, pagar para sair imediatamente é crucial para não perder a oportunidade de comprar propriedades. No final do jogo, ficar preso pode ser uma vantagem defensiva para não pagar aluguel.

 

No Gamão:

O Gamão é um curso de probabilidade aplicada.

Aberturas: As melhores jogadas de aberturas (como mover 8/5, 6/5) usam números comuns (como 3-1, 4-2, 5-3, 6-4) para criar blocos defensivos rapidamente (Figura 3).

Blots (peças expostas): Ao deixar um blot, posicione-o a pelo menos 7 pontos de distância da peça adversária mais próxima, quanto mais distante melhor. Isso minimiza as chances de ser capturado. Paradoxalmente, se for inevitável deixá-lo distante, quanto mais próximo melhor. Um blot adjacente (um ponto de distância) só pode ser capturado com um “1” específico no dado, enquanto um blot a 3 pontos de distância pode ser capturado de várias formas.

Decisão de Acertar: Um jogador avançado calcula mentalmente as chances de o oponente rebater uma peça exposta antes de decidir acertar. É puro gerenciamento de risco baseado em probabilidade.

Fugir com os “Corredores”: A decisão de mover uma peça isolada para fugir é baseada na probabilidade de rolar um número alto o suficiente em relação ao risco de ser acertado.

Figura 3: Posição inicial do Gamão

Figura 3: Posição inicial do Gamão

→ Conclusão: A Sorte Favorece a Mente Preparada

A aleatoriedade não elimina a habilidade, ela a redefine. A habilidade de um grande jogador não está em controlar os dados, mas em entender as probabilidades e gerenciar os riscos.

Da próxima vez que você jogar, use esse conhecimento. Compre as propriedades certas, faça jogadas defensivas inteligentes e impressione seus amigos. A sorte pode dar a vitória em uma partida, mas a probabilidade garante vitórias consistentes.

 

Referências

  1. GAUVRIT, Nicolas. Le biais d’équiprobabilité. https://medomai.over-blog.com/2015/02/le-biais-d-equiprobabilite-par-nicolas-gauvrit.html
  2. Triângulo de Pascal. Wikimedia Commons. https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Triangulo_de_Pascal.svg
  3. Backgammon Board. Dantas.com. https://dantas.com/gamao/bg_inicio_french.png
  4. PACKEL, Edward W. The Mathematics of Games and Gambling. The Mathematical Association of America, 2006.