A Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACED/UFJF), congrega professores/as, pesquisadores/as de diversas formações acadêmicas, atuantes na graduação e na pós graduação, exercendo um papel científico e social, com relevante produção acadêmica, em torno da formação inicial e continuada de professoras/es da educação básica.
Diante de um compromisso histórico da Faculdade de Educação da UFJF na defesa da formação e da profissionalização docente, cumpre-nos manifestar nossa preocupação com o “Programa Mais Professores para o Brasil” (DECRETO Nº 12.358, DE 14 DE JANEIRO DE 2025) do Ministério da Educação, que visa “promover a valorização e a qualificação do magistério da educação básica e o incentivo à docência no Brasil”. Dentre algumas questões, preocupa-nos sobremaneira na formulação posta, a concepção reducionista de valorização das/os profissionais da educação e a ausência de participação de instituições formadoras, de entidades representativas e científicas do campo da educação brasileira.
O Programa anunciado envolve ações distribuídas em 5 eixos estruturantes: 1. Seleção para o ingresso na docência: Prova Nacional Docente; 2. Atratividade para as licenciaturas: Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas; 3. Alocação de professoras/es: Bolsa Mais Professores para incentivar a atuação em regiões e áreas de conhecimento com carência de docentes; 4. Formação docente: Portal que visa fortalecer o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil e a necessidade da/o docente; 5. Valorização das/os professoras/es: Ações de reconhecimento da importância social das/os docentes, estabelecidas por meio de parcerias com outros ministérios e órgãos públicos.
Os objetivos do programa acenam, em parte, para reivindicações históricas do magistério que padece de direitos, de reconhecimentos, de condições de trabalho, agravadas no período pós-golpe 2016 e no Governo Bolsonaro, com ataques a professoras/es e à Educação Pública. A necessidade de atratividade para profissão docente é real, uma vez que apenas cerca de 3% das/os estudantes do ensino médio pretendem seguir carreira no magistério, o que insinua eminente “Apagão Docente”, segundo dados do MEC. Também compreendemos, a partir do Censo da Educação Superior de 2024, que enfrentamos taxa de Desistência Elevada (em 53%), baixa Ocupação de Vagas Remanescentes (ocupação média de apenas 18,7%), e mudanças no Perfil de Matrículas e Oferta, com o aumento em 232% da oferta de cursos na modalidade à distância (concentrada nas instituições particulares).
Nesse sentido, pensar a atratividade à formação inicial, pode ser medida que contribui para atenuar a taxa de evasão diante de um cenário de restrições na assistência estudantil e de empobrecimento da classe trabalhadora, fração em que filhas/os têm a licenciatura como acesso à educação superior. No entanto, será preciso perguntar: Por que faltam professoras/es no Brasil? É fácil reconhecer que a resposta para essa pergunta não se concentra concretamente nos cursos de licenciatura, nem na formação docente, mas sim na ausência de 1) garantia de salários dignos, 2) carreira, 3) condições de trabalho atrativas, 4) formação inicial e continuada plural, diversa com investimento em cursos de licenciatura públicos, 5) direitos reconhecidos. Os eixos estruturantes do Programa Mais Professores para o Brasil não incidem sobre nenhum desses pontos e corre o risco de caminhar na contramão daquilo que se propõe: a valorização de professoras/es.
Entendemos que o documento deveria contemplar a valorização profissional, de forma a indicar a necessidade de se garantir: planos de carreira, para viabilizar o ingresso no magistério por concurso público e a respectiva progressão na profissão docente, o piso salarial nacional, no sentido de se efetivar salários justos e dignos para a/o profissional da educação; e as condições adequadas para o trabalho docente. Na contramão das agendas neoliberais, que visam, sobretudo, o controle e a intensificação do trabalho docente, é preciso que se evidencie uma política de revolução estrutural, para muito além da concessão de bolsa e de cartão sem anuidade, para que, de fato, se valorize a/o profissional da educação, a partir da tríade – trabalho, formação e carreira.
Ao proceder a uma análise mais específica do “Programa Mais Professores para o Brasil” destacamos alguns pontos importantes que discutimos a seguir.
1. A Prova Nacional Docente teria o objetivo de auxiliar as redes de ensino na seleção de profissionais qualificados. Essa é sem dúvida uma importante iniciativa que pode vir a incentivar concursos e a efetivação das/os professoras/es nas redes. No entanto, vale salientar que a Prova Nacional segue a mesma lógica das avaliações de larga escala e externas atribuindo um sentido de padronização da formação docente já presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professoras/es (Resolução CNE/CP 04/2024), uma vez que seguirá a matriz do Enade das Licenciaturas, conforme detalha o decreto que institucionaliza a iniciativa.
2. A Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas consiste no pagamento de um auxílio financeiro para estudantes que escolherem cursos que formem professoras/s, via ingresso direto nas licenciaturas, tanto em instituições de ensino superior públicas (pelo SISU) e particulares (pelo Prouni e Fies), no valor de R$1.050 de bolsa mensal, com saque de R$700,00 a qualquer momento e R$350,00 de poupança com saque quando ingressar na rede pública de ensino. Aqui é importante ressaltar que grande parte de estudantes das licenciaturas em instituições públicas não será contemplada, haja vista que o programa não admite financiamento a estudantes que ingressam por processos seletivos próprios das IFES, tais como o PISM na UFJF, assim como não financia estudantes em cursos que admitem ingresso via área básica de ingresso (ABI). Ao privilegiar apenas o SISU, o Programa também deixará de fora grande parte de universidades estaduais, responsáveis em grande
medida pela interiorização do ensino superior, especialmente de cursos de formação de professoras/es.
3. Os Impactos ao PIBID podem ser estimados, já que não poderá haver acúmulo com a bolsa Pé de Meia. O PIBID é um projeto que entrelaça a formação inicial e a formação continuada, a Universidade e a escola básica, através do desenvolvimento de saberes diversos docentes in loco, com a vivência em ambientes escolares públicos. A partir de uma compreensão de que a formação docente acadêmica profissional e continuada para a Educação Básica representa processo direcionado à melhoria permanente da qualidade social da educação e da valorização profissional, o projeto vem assumindo lugar importante nas universidades brasileiras ao aprimorar a formação inicial da/o estudante de licenciatura, da/o professora/or universitária/o e da/o professora/or da Educação Básica. Esse lugar não pode ser comprometido, ao contrário, precisa ser assumido e fortalecido!
4. A Bolsa Mais Professores, em que cada professora/or recém formada/o receberá uma bolsa mensal de R$2.100,00 durante dois anos em exercício na docência em regiões de grande demanda docente e terá que participar de um curso de especialização com foco na docência. Aqui é preciso registrar que esse valor é menor do que o praticado no Programa de Residência Docente da UFJF, em que recém formadas/os, adentram um curso de especialização, após seleção interna, e recebem bolsa para se aperfeiçoar, no valor de R$4.106,09, sob custeio interno da instituição. Este valor é equiparado ao da bolsa da Residência Multiprofissional em Saúde. Tal programa vem se destacando nacionalmente e inspirando outras IFES. No caso da Bolsa Mais Professores, ela também admite um valor de bolsa aquém do programa federal “Mais Médicos”, que lhe serviu de modelo. Hoje, o Mais Médicos paga uma bolsa mensal de R$12.500, demonstrando, portanto, que a valorização docente ainda é algo a ser realmente construída e consolidada. Por fim, é importante destacar a necessidade de definir o que são áreas de grande demanda, pois muitas vezes ela se constitui não pela ausência geral de docentes, mas pela ausência de docentes atuantes nas disciplinas em que foram formados, em vista da baixa carga horária de seu componente curricular, o que conjuga baixa remuneração com alto custo de deslocamento.
5. A Valorização Das/os Professoras/es inclui parcerias interministeriais com IES, bancos públicos e organizações da sociedade civil, entre outros, para o desenvolvimento de programas de valorização e de benefícios aos professores. Aqui é preciso assinalar que benefícios bancários às/aos docentes se referem a condições de sua inserção no mercado financeiro, mas nada dizem sobre uma formação comprometida socialmente, salários, carreira e condições de trabalho.
A partir destes cinco pontos destacados, a FACED/UFJF compreende que o “Programa Mais Professores para o Brasil” apresenta incoerência e inconsistência político-pedagógica entre objetivos e meios anunciados para alcançá-los. Se o que se deseja é incentivar/valorizar/qualificar a/o profissional docente, será preciso nos interrogarmos sobre o modo como este desejo se concretiza em transformar sujeitos e mundos em algo melhor e atentar para as palavras do grande educador Professor Carlos Rodrigues Brandão que nos deixou há alguns poucos anos: “na prática, a mesma educação que ensina pode deseducar, e pode correr o risco de fazer o contrário do que pensa que faz ou do que inventa que pode fazer”.
FACED/UFJF
FEVEREIRO 2025