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Qualidade no YouTube

Cada vídeo upado no YouTube está submetido às políticas do site, que avaliam se o conteúdo é adequado para ser veiculado ou não. No entanto, sabemos que não é humanamente possível fiscalizar as mais de 300 horas que são carregadas no YouTube por minuto e, como ressalta Fred McConnell em sua matéria especial de comemoração de 10 anos da plataforma para o The Guardian, nem todas elas valem ser assistidas ou, ainda, poderiam ser assistidas durante o período de uma vida inteira. 

Tendo em vista que a qualidade do conteúdo ainda não pode ser assegurada por mecanismos da própria plataforma, a responsabilidade dessa curadoria recai sobre os usuários. Em Cultura da Conexão, Jenkins, Green e Ford (2014) discutem a forma como é feita essa avaliação de forma individual, afirmando que “os visitantes avaliam esse conteúdo muitas vezes tentando descobrir quem está por trás da circulação deste e quais são seus objetivos, à medida que os visitantes decidem a quais vídeos querem assistir e quais propagar através de suas redes sociais” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 161). Mas nem todos os usuários que consomem (ou produzem!) conteúdo no YouTube já chegaram nesse nível de competências críticas.

O deslocamento da audiência infantil da TV para o YouTube é entendido por Tomaz (2017) como um fenômeno ligado, em boa parte, à proibição de publicidade dirigida ao público infantil, que tornou alguns programas integrantes da grade de programação televisiva comercialmente inviáveis.

A consequência desse deslocamento pode ser observado no mapeamento realizado pela ESPM Media Lab, que revelou que, no Brasil, dos 100 canais mais visualizados no YouTube em 2016, 48 deles produziam conteúdo direcionado para crianças de 0 a 12 anos (CORREA, 2016). A pesquisa dividiu os 230 principais canais infantis em sete categorias: games (58), canais de youtubers mirins (61) e adolescentes (14), programação infantil como desenhos e novelas (35), desenhos e musicais infantis não disponíveis na TV (35), unboxing (26) e educativo (1).

Mapeamento

A fim de discutir a qualidade dos conteúdos direcionados para crianças através do YouTube, foram mapeados alguns dos canais integrantes das sete categorias levantadas pelo ESPM Media Lab. Cada canal será analisado a partir dos parâmetros de qualidade propostos originalmente por Borges (2014), respeitando as adaptações referentes ao espaço de interação do YouTube, a fim de explorar a discussão sobre os conteúdos consumidos pelo público infantil em termos de qualidade audiovisual e levantar possíveis questões dentro de cada categoria analisada.

Com isso, este projeto busca identificar pistas iniciais que possam contribuir para o aprimoramento da metodologia de análise de produções dedicadas ao público infantil, tendo em vista as alterações vividas por crianças em suas relações com a mídia.

O método de análise

Levando em consideração os estudos sobre qualidade na televisão de Borges (2014) e dos desdobramentos propostos por Oliveira (2018) com relação à qualidade audiovisual no YouTube, foi desenvolvida uma metodologia de análise que busca compreender padrões e rupturas entre os vídeos dentro de cada escopo em seis diferentes níveis, que estão descritos na seguinte tabela:

Proposta de metodologia utilizada para análise de vídeos no YouTube

ÁREAS PERGUNTAS CHAVE AVALIAÇÃO
Agenciamento Quem comunica, o quê? Título do vídeo Quem apresenta Tema central Palavras-chave Categoria no YouTube Duração Data de envio Número de views Descrição
Categorias Que tipo de texto é este? Formato ou gênero
Técnicas Como se produz?
Indicadores do plano da expressão (OLIVEIRA, 2018), avaliados de 1 a 4, sendo 1 fraco e 4 excelente.
Visual: Utilização de equipamentos que permitam uma boa imagem, iluminação adequada, enquadramentos, movimentos de câmera e ritmo da montagem e cenário que possam contribuir com a construção da narrativa. Sonora: Uso de equipamentos que possibilitem boa qualidade de áudio e utilização de trilhas e efeitos sonoros adequados de acordo com a proposta de cada vídeo. Videografismo: Utilização de vinhetas de abertura e crédito, textos, legendas e outros elementos gráficos com o intuito de enriquecer a narrativa e não deixar o vídeo poluído. Atuação: Apresentação e/ou atuação adequada por parte dos Youtubers, convidados e atores envolvidos.
Linguagem Como sabemos o que significa?
Indicadores da mensagem audiovisual (OLIVEIRA, 2018), avaliados de 1 a 4, sendo 1 fraco e 4 excelente.
Originalidade e criatividade do formato audiovisual, apresentando inovação em relação às ideias, apresentação e abordagem dos temas Qualidade artística, ou seja, utilização eficiente dos elementos sonoros, visuais,sintáticos e gráficos que compõem a linguagem audiovisual Eficácia na transmissão das mensagens, incluindo propostas com clareza objetiva, roteiro bem elaborado e efetiva comunicação com o público Utilização de elementos e estratégias que estimulem a participação do público
Representação Como representa os temas?
Indicadores do plano do conteúdo (OLIVEIRA, 2018), avaliados de 1 a 4, sendo 1 fraco e 4 excelente.
Presença de informações que sejam relevantes e úteis ao mesmo tempo que entretém Diversidade e confiabilidade das fontes na construção das temáticas Diversidade no que diz respeito à representação de sujeitos e temas Escolha de temas que promovam a ampliação do repertório cultural dos espectadores e estimulem o debate e a reflexão ou que promovam uma conscientização e participação política, social e valores éticos Atender às expectativas do público em relação à proposta do tema e conteúdo apresentado Utilização de elementos adequados ao público e que promovam a identificação do espectador Estímulo à imaginação através de narrativas que desenvolvam as capacidades cognitivas e emotivas, com verossimilhança
Público Quem recebe e que sentido dá? Possui a opção de comentários ativada? Número de usuários que curtiram Número de usuários que descurtiram

Fonte: Elaboração da autora

A proposta metodológica apresentada reúne aspectos qualitativos e quantitativos relevantes para sistematizar e compreender não só os conteúdos dos vídeos analisados, mas também iniciar a compreensão de padrões estratégicos técnicos para que o vídeo se torne popular dentro da plataforma, como as palavras-chave utilizadas para aumentar as probabilidades do conteúdo ser encontrado através dos mecanismos de busca.

Cada um desses aspectos deve ser observado levando em consideração que, como afirma Scolari (2018, p. 91), o YouTube tem se tornado uma fonte de informação confiável, mas é importante notar que a plataforma é dirigida pelo usuário, o que resulta no fato de usuários confiarem uns aos outros a responsabilidade de criação e consumo dos conteúdos, tendo um acordo tácito sobre credibilidade. Ainda dentro desse contexto, o autor, no relatório apresentado afirma que a diversidade do conteúdo depende dos usuários. Dito isso, Banaji e Buckingham (2013, p. 33) acreditam que é necessário levar em conta também a diversidade de jovens, a própria internet e a participação cívica, o que implica entender as atividades online dentro do contexto das interações offline individuais.

 

Confira o trabalho realizado pelo grupo:

YouTube

Animação

 

Referências

BORGES, Gabriela. Qualidade na TV pública portuguesa: análise dos programas do canal 2. Editora da UFJF, 2014.

CORRÊA, Luciana. Geração YouTube: Um mapeamento sobre o consumo e produção de vídeos por crianças – 0 a 12 anos – Brasil – 2015/2016. São Paulo: Espm Media Lab, 2016. Disponível em: <http://pesquisasmedialab.espm.br/criancas-e-tecnologia>. Acesso em: 25 ago. 2018.

OLIVEIRA, Daniela. A qualidade audiovisual e a competência midiática na formação do olhar do público infantojuvenil. 2018. Dissertação (Mestrado) – Curso de Comunicação, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2018.

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da Conexão: Criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

TOMAZ, Renata. Youtubers mirins: o uso do YouTube pelas crianças e a produção social da infância. In: XXVI ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 2017, São Paulo. Anais... . São Paulo: Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, 2017.