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Cultura de Fãs

A convergência midiática amplificou e reconfigurou as práticas da cultura de fãs (PEARSON, 2010; BENNETT, 2014; LOPES et al., 2015, JORGE et al. 2018). Nesse contexto, o ambiente digital não só estabelece uma relação simbiótica entre produtores e consumidores, mas contribui na propagação dos conteúdos produzidos pelos fãs. Para Bennett (2014) as mudanças propiciadas pela cultura da convergência podem ser sistematizadas em quatro pontos centrais: a comunicação, a criatividade, o conhecimento e o poder organizacional e cívico. Segundo a autora (2014), na contemporaneidade os fãs têm novas formas de produzir, compartilhar, participar e se engajar em torno dos universos ficcionais. Isto é, as plataformas digitais permitem a troca e a replicação instantânea das informações, além de facilitarem as mobilizações contra o cancelamento dos programas e de debates relacionados às questões sociais e políticas.

De acordo com Sandvoss (2005) e Jenkins et al. (2014) os fãs são um ponto de referência nas discussões sobre a produção e o consumo na contemporaneidade. Conforme ressaltam Jenkins et al. (2014, p. 56), esses grupos “[…] em específico têm sido inovadores no uso de plataformas participativas para organizar e responder a textos de mídia”. Para os autores, os fãs “[…] abraçam as novas tecnologias conforme vão aparecendo, em especial quando esses recursos lhe oferecem novos meios de interagir social e culturalmente” (JENKINS et al., 2014, p.57). As práticas da cultura de fãs envolvem o domínio de conhecimentos, habilidades e o engajamento nas redes sociais e plataformas digitais, engendrando novos modos de aprendizagem.

Criada pelos fãs, as fan fictions são narrações em prosa de histórias fictícias (JAMISON, 2017). No âmbito das narrativas ficcionais seriadas, os conteúdos podem aprofundar e ampliar os arcos narrativos que já estão presentes no universo ficcional, além de abordar tramas que não foram exploradas pelos roteiristas. Para Thomas (2007) e Jenkins (2012) essa prática da cultura de fãs estabelece uma relação intrínseca entre a leitura crítica e a leitura criativa. Isto é, para propor novos desdobramentos para os arcos narrativos o fã deverá conhecer de forma detalhada o universo ficcional.

De acordo com Martin (2014), o ambiente de convergência possibilita a popularização do fã-crítico. O autor afirma que o público ávido cria repositórios colaborativos, tais como sites especializados, fóruns e Wikis com informações detalhadas sobre o universo ficcional. Para Herrero-Diz (2017) os fãs têm uma predisposição a explorar as tecnologias e, principalmente, as mídias sociais, de maneira pertinente, esmiuçando todas as suas potencialidades. Nesse contexto, os fãs se mobilizam para reunir informações relevantes do universo ficcional, explorando de modo significativo as potencialidades da arquitetura operacional das plataformas.

Outra prática popular na cultura de fãs são as ressignificações do paratexto pautadas pelo humor. A popularização das mídias sociais e das ferramentas de edição de textos, vídeos e imagens contribuíram para a difusão, por exemplo, dos memes e dos remix produzidos pelos fãs. Os memes introduzem diversas camadas interpretativas aos universos ficcionais, nesse sentido o conteúdo compartilhado pelo público ávido pode ironizar questões ligadas tanto à trama quanto a assuntos do cotidiano. Considerado um dos tipos de remix mais produzidos pelos fãs, o crack mistura sequências da história com músicas, memes e outros conteúdos audiovisuais. Segundo Monk (2016) os vídeos exploram, de modo geral, a comédia e raramente são compreendidos fora do fandom.

Desta forma, a cultura de fãs estabelece uma relação intrínseca com a competência midiática. Seja através do modo como consomem as tramas e/ou produzem os conteúdos, os fãs possuem um entendimento crítico dos programas. O profundo conhecimento que o público ávido tem do paratexto não só reforça os arcos narrativos, mas explora diversas vertentes do universo ficcional.

Referências

BENNETT, Lucy. Tracing Textual Poachers: reflections on the development of fan studies and digital fandom. Journal of Fandom Studies, v. 2, n.1, p.5-20, 2014.  Disponível em: <https://bit.ly/2Gywpfh>. Acesso em: 15 fev. 2020.

HERRERO-DIZ, Paula. et al. Estudio de las competencias digitales en el espectador fan español. Palabra Clave, v.20, n.4, p.17-947, 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2uMbGPz>. Acesso em: 15 fev. 2020.

JAMISON, Anne. Fic – Por que a fanfiction está dominando o mundo. São Paulo: Rocco, 2017.

JENKINS, Henry et al. Cultura da Conexão – Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável. São Paulo: Aleph, 2014.

JENKINS, Henry. Lendo criticamente e lendo criativamente. Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012. Disponível em: <https://bit.ly/2JYoU30>. Acesso em: 15 fev. 2020.

JORGE, A. et al. The co-option of audiences in the attention economy Introduction. Observatorio, v.12, n.4, p. 1-4, 2018. Disponível em: <http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/1381/pdf>. Acesso em: 15 fev. 2020.

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de et al. A autoconstrução do fã: performance e estratégias de fãs de telenovela na internet. In: LOPES, Maria Immacolata Vassallo de (Org.). Por uma teoria de fãs de ficção televisiva brasileira. Porto Alegre: Editora Sulina, 2015, p. 17-64.

MARTIN, Brett. Homens Difíceis – Os Bastidores do processo criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e outras séries revolucionárias. São Paulo: Aleph, 2014.

MONK, Claire. From ‘English’ Heritage to Transnational Audiences: Fan Perspectives and Practices and Why They Matter. In STONE, Rob; COOKE, Paul (orgs.) Screening European Heritage: Creating and Consuming History on Film. London: Palgrave European Film and Media Studies, 2016, p. 209-234.

PEARSON, Roberta. Fandom in the Digital Era. Popular Communication: The International Journal of Media and Culture, v. 8, n. 1, p. 84-95, 2010. Disponível em: <https://bit.ly/2q5Q7nu>. Acesso em: 15 fev. 2020.

SANDVOSS, Cornel. Fans: The mirror of consumption. Cambridge: Polity, 2005.

 

Fanfics e Transmedia literacy: análise de Malhação – Viva a Diferença

Equipe
2018. 2: Daiana Sigiliano e Leony Lima
2019. 1: Daiana Sigiliano, Leony Lima, Matheus Soares, Pedro Martins
2019. 2: Daiana Sigiliano, Lucas Guimarães, Hsu Ya Ya, Vinícius Guida
2020. 1: Daiana Sigiliano, Lucas Guimarães, Hsu Ya Ya
2020. 2: Daiana Sigiliano, Lucas Guimarães, Hsu Ya Ya


Criada por Cao Hamburger a vigésima quinta temporada da telenovela infantojuvenil MalhaçãoViva a Diferença (2017-2018) foi pela primeira vez, em 25 anos de exibição na Rede Globo, protagonizada por cinco mulheres. As adolescentes Keyla (Gabriela Medvedovski), Benê (Daphne Bozaski), Tina (Ana Hikari), Lica (Manoela Aliperti) e Ellen (Heslaine Vieira), de origens e personalidades diferentes, ficam presas no mesmo vagão de metrô durante uma pane elétrica. A personagem Keyla (Gabriela Medvedovski) entra em trabalho de parto e as adolescentes se unem em solidariedade para ajudá-la no nascimento do bebê Tonico. Dois anos após o encerramento da trama, foi produzido um spin off de MalhaçãoViva a Diferença. Intitulada As Five a série retrata o encontro das cinco protagonistas depois seis anos sem se verem, mostrando os conflitos comuns à Geração Z.

Um dos arcos narrativos mais populares entre os telespectadores envolveu as personagens Lica e Samantha (Giovana Grigio), intitulado pelo fandom como Limantha, o ship é o acrônimo dos nomes das adolescentes. Ao longo dos capítulos de Malhação o fandom produziu conteúdos no Twitter, You Tube e, principalmente, fanfics. No âmbito das narrativas ficcionais seriadas televisivas as fanfics podem aprofundar e ampliar os arcos narrativos que já estão presentes no universo ficcional, além de abordar tramas que não foram exploradas pelos roteiristas. Como, por exemplo, o emblemático romance entre Kirk e Spock, da franquia Star Trek, que apesar de não integrar o paratexto é um tema recorrente nas histórias desenvolvidas pelos fãs. As histórias também podem ser usadas para corrigir aspectos que não agradaram o público. No Brasil as fanfics produzidas pelos telespectadores exploram interlúdios do paratexto, reescritura das cenas, finais alternativos, reapresentação dos personagens e mudanças ambientação (JACOB et al., 2015). Nesse contexto, os fãs tendem a abordar histórias protagonizadas por casais, ampliando e reimaginndo pontos nodais do arco narrativo como, por exemplo, o primeiro beijo, o pedido de casamento e etc. Nos sites Spirit Fanfics, Nyah! Fanfiction e no WattPad foram publicadas cerca de 480 histórias durante o período de exibição da Malhação – Viva a Diferença, gerando cerca de 358 mil visualizações. As histórias, criadas pelos fãs, aprofundavam os arcos narrativos de Lica e Samantha e exploravam os desdobramentos que não estavam presentes no universo ficcional.

Na primeira fase do projeto analisamos as histórias produzidas pelos fãs do casal Limantha. Ao todo foram analisadas 14 fanfics das plataformas Nyah! Fanfiction e Spirit Fanfics e Histórias. As discussões foram amparadas pelas metodologias propostas por Jenkins (2012) e Ferrés e Piscitelli (2014).

Na segunda fase do projeto analisamos a arquitetura operacional das principais plataformas de publicação e compartilhamento de fanfics no Brasil e no mundo, refletindo como estas estimulam a transmedia literacy. A partir das dimensões discutidas por Scolari (2018), refletimos de que modo a forma de funcionamento (sistema operacional, interface e configuração) e de acessibilidade (modo de interação intuitiva, desenvolvimento e disponibilidade de aplicações) dos sites estimulam a aprendizagem informal e a produção multimodal dos fãs.
Na terceira fase iremos discutir os diferentes formatos de fanfic desenvolvidos para as redes sociais e as plataformas digitais. O recorte abrange produções de fandons nacionais e internacionais, tais como Good Omens (Amazon Video, 2019 – atual), Malhação: Viva a Diferença (Rede Globo, 2017-2018), Steven Universe (Cartoon Network, 2013 -2019) e a boyband de k-pop BTS. A partir da metodologia proposta por Ferrés e Piscitelli (2014) iremos refletir sobre as dimensões da competência midiática que estão em operação na compreensão crítica dos fãs sobre as arquitetura operacional dos ambientes multimodais e na produção criativa, possibilitando a ampliação e a ressignificação dos universos.

Confira o trabalho realizado pelo grupo:

Levantamento

Análises

 

Referências

FERRÉS, J; PISCITELLI, A. Competência midiática: proposta articulada de dimensões e indicadores. Lumina, v. 9, n, 1, p. 1-16, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/3EQnc6>. Acesso em: 27 fev. 2020.

JACOB, M.C. et al. Entre novelas e novelos: um estudo das fanfictions de telenovelas brasileiras (2010-2013). In LOPES, M.I. V. (org.). Por uma teoria de fãs da ficção televisiva brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2015, p. 107-154.

JENKINS, H. Lendo criticamente e lendo criativamente. Matrizes, v.9, n.1, p. 11-24, 2012. Disponível em: < https://bit.ly/2I9TWnn>. Acesso em: 27 fev. 2020.

SCOLARI, C. Literacia transmedia na nova ecologia mediática – Livro Branco. Barcelona: Europen Union Funding for Research