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Aníbal Fonseca deu vida para experimentos de museus de ciência interativos pelo país

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

 

Físico e divulgador científico era conhecido por sua criatividade

Sarah Schmidt, da Revista Pesquisa FAPESP

Fonseca cuidava de todos os processos de criação dos equipamentos: planejamento, desenho e produção (Foto: Marcos Muzi)

Um artesão científico. Foi assim que o físico e divulgador de ciência Aníbal Fonseca de Figueiredo Neto se definiu quando foi convidado a contar sobre sua trajetória em uma palestra on-line durante a pandemia de Covid-19. Seu trabalho juntava ciência, arte e diversão, dando vida a experimentos interativos criados para museus de ciência espalhados pelo país. Se você frequenta esses espaços, é provável que tenha interagido com alguma instalação ou equipamento construído por ele, como o gerador de Van de Graaff do Museu Catavento, um dos itens mais disputados da instituição paulistana – ao ser tocado, deixa os visitantes de cabelos em pé graças à energia eletrostática que produz. Outros exemplos são a bicicleta equilibrista, suspensa no ar por cabos de aço, que integrava o Parque Viva Ciência, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ou a réplica do plano inclinado, aparato por meio do qual Galileu Galilei demonstrou que a aceleração de um objeto não depende de sua massa, mas sim da gravidade e do ângulo de inclinação, disponível no Museu Interativo da Física, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Fonseca morreu atropelado no dia 24 de outubro, aos 67 anos, na capital paulista. O motociclista responsável pelo atropelamento também morreu no acidente.

“Aníbal era por excelência o fornecedor de experimentos de física nos museus de ciência do país”, observa Sergio Freitas, presidente do Conselho de Administração da Catavento Cultural e Educacional, que administra o Museu Catavento. “Começamos do zero com a ideia de fazer um museu interativo de ciência com experimentos simples e divertidos. O Catavento tem quatro seções e uma delas, a engenho, apresenta o que o homem desenvolveu com sua engenhosidade e foi totalmente criado por ele”, completa. Freitas procurou Fonseca por indicação do físico nuclear Ernst Hamburger (1933-2018), da Universidade de São Paulo (USP), conhecido por seu trabalho como incentivador da divulgação científica, especialmente em museus como o centro interativo Estação Ciência, que fechou em 2013. Ali, Fonseca trabalhou com Hamburger, construindo experimentos que hoje são replicados em outras instituições, como a locomotiva de inércia, que tinha uma bolinha na chaminé. A bolinha é lançada para o alto antes de a locomotiva entrar no túnel e volta a cair na chaminé na saída. Foi um modo de mostrar, na prática, o princípio da inércia.

Após a inauguração do Catavento, em 2009, Fonseca seguiu trabalhando como consultor da instituição. “Há seis meses, criamos uma carreta da ciência que está circulando pelo interior de São Paulo. Aníbal teve uma participação decisiva no desenvolvimento dela, produzindo a maioria dos experimentos e cuidando de praticamente toda sua montagem”, diz Freitas.

Apesar de ter nascido em Belém, no Pará, Fonseca se considerava macapaense por ter se mudado para a capital do Amapá ainda criança. Ele retornou à cidade natal para cursar a graduação em engenharia mecânica na UFPA e acabou migrando para o curso de física. Por incentivo de seu professor José Maria Filardo Bassalo, transferiu-se para a USP em 1979. A física Débora Menezes, diretora de Análise de Resultados e Soluções Digitais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), conheceu Fonseca quando ingressou na graduação na USP, em 1980. “Ele não passava despercebido. Era alegre, cheio de ideias e irreverente”, recorda-se. “Aníbal coordenava o grupo Deliriosk, um movimento anarquista de estudantes em plena ditadura. Ele movimentava todo mundo, chamava os físicos para dançar forró e lambada.”

Depois de concluir a graduação, Fonseca ingressou no mestrado em ensino de ciências, também na USP. Defendeu sua dissertação em 1991 com o tema “A física, o lúdico e a ciência no primeiro grau”, sob orientação da física Yassuko Hosoume. Naquela ocasião, seu trabalho já trazia sugestões de experimentos de baixo custo, com sucatas, que professores de física poderiam criar para envolver seus alunos durante as aulas. No mesmo ano, criou a empresa Atelier de Brinquedos Científicos, na capital paulista, com o objetivo de produzir material educativo tanto para escolas como para o consumidor final. Como não houve muita demanda, a empresa foi renomeada para Ciência Prima e se especializou em produzir equipamentos e prestar consultorias para museus e centros de ciência do país. O empreendimento chegou a ter mais de 30 funcionários, entre torneiros mecânicos e projetistas.

O físico cuidava de todos os processos de criação dos equipamentos: planejamento, desenho e produção. “Ele polia metal, cortava acrílico, trocava material e não terceirizava nenhuma etapa. A empresa passava sempre por instabilidade financeira, em parte porque se ele vendesse um projeto com um tipo de material mais barato, mas depois testasse e não gostasse do resultado, trocava por um melhor e pagava do próprio bolso”, conta o publicitário Lucas Dini, de 27 anos, único filho de Fonseca. “Ele sempre dizia que o museu não era um lugar só para mostrar como um experimento funcionava, mas para encantar as pessoas com a ciência do cotidiano.” Nos últimos anos, Dini trabalhou com o pai. “Recentemente, ficamos no Museu da Imaginação, em São Paulo, madrugada adentro, fazendo os ajustes finais dos equipamentos que fornecemos para sua reestruturação.”

Um dos diferenciais de seu trabalho, destaca o físico Luís Carlos Crispino, coordenador do Centro Interativo de Ciência e Tecnologia da Amazônia, instalado no campus da UFPA, era a preocupação com a beleza plástica das criações. Todos os equipamentos iniciais do Museu Interativo da Física, criado em 2008 e que integra o centro, foram desenvolvidos por Fonseca, além de equipamentos para o Laboratório de Demonstrações e Núcleo de Astronomia da instituição paraense. “Neste ano, ele finalizou nossa mais recente aquisição para o museu interativo, uma réplica do plano inclinado de Galileu Galilei”, disse Crispino. “Aníbal fez uma adaptação com uma rampa de 3 metros, cerca de metade da original, para facilitar seu transporte de São Paulo a Belém. Foi um ano de trabalho.” O experimento ajuda os visitantes a entenderem a física por trás do movimento (e queda) dos corpos. Em homenagem ao legado do físico-artesão, o museu será rebatizado com seu nome. “Ele dizia que o aprendizado precisava se misturar com a emoção e que, para isso, as pessoas tinham que se sentir envolvidas”, conta.

Em 2007, Menezes, do CNPq, e o colega Nelson Canzian, da UFSC, procuraram Fonseca com o desafio de montar um museu a céu aberto na universidade, o Parque Viva Ciência, que funcionou de 2008 a 2013 e recebia cerca de 15 mil estudantes por ano. “Queríamos construir algo muito específico para um local que era um morro. O mais desafiador dos experimentos foi uma bicicleta que andava em cima de um cabo de aço, em um local com um grande desnível”, conta a pesquisadora.

O experimento era usado para explicar os conceitos de centro de gravidade e centro de massa: colocava-se uma pessoa em cima, mas havia um grande peso embaixo para gerar equilíbrio. “Eu tinha visto um equipamento parecido em um museu de Lisboa, mas estava instalado em um lugar mais simples e reto. Pedi algo mais sofisticado, e ele fez”, diz Menezes. Ela destaca que, no Brasil, há poucos museus e espaços de ciência e, por isso, não existem empresas que produzam esses equipamentos em larga escala. “Aníbal acabou suprindo essa lacuna com muito esforço, mesmo ganhando pouco dinheiro.” A pesquisadora avalia que, embora o físico tenha sido uma referência nessa área, seu reconhecimento ficou restrito a apenas uma parte da comunidade acadêmica que valorizava a divulgação científica.

Fonseca também se dedicou a gravar vídeos para professores de física demonstrando experimentos de baixo custo que poderiam ser reproduzidos pelas escolas do país, além de ter trabalhado como professor em escolas da capital paulista e de ter sido coautor em livros didáticos da área. Entre outros museus e espaços de ciência que ajudou a dar vida estão o Centro de Ciências da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), as Praças de Ciência da Bahia, o Museu da Água de Campinas (SP), instalações para unidades do Serviço Social do Comércio (Sesc) e o projeto Brinca Ciência, idealizado por ele para a Sabina Escola Parque do Conhecimento, em Santo André, no ABC paulista. O objetivo era ensinar conceitos científicos para crianças enquanto elas construíam brinquedos educativos, tanto em visitas ao parque quanto em suas escolas. Para isso, recebiam kits com os materiais necessários e um livro com o passo a passo para cada criação.

“O Brinca Ciência, para mim, é um dos projetos mais bonitos que a gente fez”, considera Dini, que pensa em retomar projetos semelhantes. “Cresci dentro do ateliê do meu pai e agora vou estudar como dar continuidade ao seu trabalho.”