1 – No ar número 107 da revista mensal eletrônica de jornalismo científico ComCiência
2 – Definindo vida
3 – Revolução aeróbica
1 – No ar número 107 da revista mensal eletrônica de jornalismo científico ComCiência
Publicada pelo Labjor e pela SBPC, o tema desta edição é “Evolucionismo”
Nesta edição, você pode ler:
Editorial
– A longa marcha para a imobilidade, por Carlos Vogt
Artigos
– Ao redor de Charles Robert Darwin, de Dalton de Souza Amorim
– O ensino da evolução biológica: um desafio para o século XXI, de Rosana Tidon e Eli Vieira
– Afinidades entre Karl Marx e Charles Darwin, de Igor Zanoni Constant Carneiro Leão
– Por que somos como somos? A psicologia evolucionista e a natureza humana, de Maria Emília Yamamoto
– A evolução da teoria darwiniana, de Charbel Niño El-Hani e Diogo Meyer
Reportagens
– A trajetória da solidez de uma ideia em transformação
– Os caminhos atuais do evolucionismo
– Humano, demasiadamente orgânico?
– A corrente econômica que veio da biologia evolutiva
– Um Darwin “humanizado” circula pelo mundo
Entrevista
– Eduardo Rodrigues Cruz, por Flavia Natércia
Visite os sites:
ComCiência – http://www.comciencia.br/comciencia
Labjor – http://www.labjor.unicamp.br
SBPC – http://www.sbpcnet.org.br
2 – Definindo vida
“Vemos na insistência de uma definição da vida uma limitação da linguagem. Não é que não saibamos como definir a vida; talvez a vida seja indefinível”
Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro “A Harmonia do Mundo”. Artigo publicado na “Folha de SP”:
A vida é uma dessas coisas mais fáceis de identificar do que de definir. É incrível que, passados tantos séculos desde que começamos a pensar cientificamente sobre o mundo, ainda não tenhamos uma definição universalmente aceita sobre o que é a vida.
Por exemplo, sabemos que uma pedra não está viva. E por quê? Uma pedra não come, não bebe, não se reproduz. Comer e beber significa que atribuímos aos seres vivos a necessidade de se alimentar e de transformar alimentos em energia. Ou seja, seres vivos exibem alguma forma de metabolismo.
A reprodução, a capacidade de fazer cópias de si mesmo, é outra característica fundamental dos seres vivos. A espécie que não se reproduz desaparece. Portanto, metabolismo e reprodução são as duas propriedades mais importantes da vida. Qualquer definição do que seja vida tem que incluí-las.
Mas e o fogo? Se alimenta também, consumindo oxigênio e a matéria que entra em combustão. E se reproduz, espalhando-se por onde pode. Porém, todos concordam que o fogo não é considerado um ser vivo.
Estrelas, também, podem confundir. Por meio da fusão nuclear, consomem o hidrogênio em seu interior, transformando-o no elemento hélio, um processo que libera enormes quantidades de radiação. Numa espécie de autofagia, as estrelas se alimentam da própria matéria.
De certa forma, estrelas também se reproduzem: quando uma “morre”, explode com enorme violência, espalhando sua matéria pelo espaço. Se essa matéria colidir com uma nuvem de hidrogênio, causará instabilidades que fazem com que a nuvem entre em colapso e se transforme, caso tenha matéria suficiente, numa nova estrela.
Dentre outras coisas, a diferença entre o fogo ou uma estrela e uma ameba ou uma mariposa está na composição química: seres vivos são formados por compostos orgânicos, moléculas complexas que incluem proteínas e ácidos nucléicos, o RNA e DNA usados na reprodução.
Vemos na insistência de uma definição da vida uma limitação da linguagem. Não é que não saibamos como definir a vida; talvez a vida seja indefinível, ao menos de forma precisa e universal. Talvez tenhamos que nos contentar com uma definição operacional: a vida é um sistema de reações químicas autossustentáveis capazes de extrair energia do ambiente e de se replicar.
Mesmo que essa definição não mencione compostos orgânicos, é difícil incluir o fogo e as estrelas nela. Em discussões sobre o que é a vida, sempre se fala nos vírus e nos príons como casos limite.
Os vírus só se reproduzem em contato com uma célula viva, e os príons nem material genético têm. Por não terem autonomia, ambos são considerados “replicadores” em vez de seres vivos.
Essas distinções e definições não são apenas questões de interesse acadêmico. Com a exploração de outros planetas e luas, é cada vez mais importante compreendermos as várias facetas da vida.
Mesmo que limitados no momento pelo que estudamos aqui na Terra, nossas definições precisam ser gerais o suficiente para englobar formas de vida inesperadas. É difícil prever em detalhe o que nos espera em outros mundos. Talvez nada, ao menos a julgar pelo que encontramos até agora.
Contudo, como dizia Carl Sagan, a ausência de evidência não é evidência de ausência. (Aliás, essa definição funciona também para fadas, duendes, Deus…)
Devemos manter a cabeça aberta e nossas definições amplas, para englobar o desconhecido. Seja o que for, se estiver vivo precisará de energia e terá de se reproduzir. Com relação a isso, não temos do que duvidar.
(Folha de SP, 12/4)
Fim de era de vulcanismo foi o que matou os micróbios que impediam o sucesso da vida movida a oxigênio, indica análise de rocha
Ele foi uma das mudanças mais importantes ocorridas na atmosfera terrestre e foi a razão pela qual hoje nós podemos respirar o oxigênio vitalizante. Ainda assim, o evento conhecido como a “grande oxidação” permaneceu um mistério até agora.
Sem oxigênio, a vida na Terra não existiria da forma como a conhecemos. Ele é componente do ar supercarregado que alimentou a explosão de diversidade e tamanho de todos os organismo vivos, do menor camarão ao maior dinossauro.
Cerca de 21% do ar é oxigênio, ingrediente vital para organismos vivos adotarem o método mais eficiente de converter comida em energia, usando a respiração aeróbica. A atmosfera rica em oxigênio, porém, não esteve sempre aqui, e a explicação sobre como ela surgiu escapou de várias gerações de cientistas.
Uma equipe de pesquisadores liderados por Kurt Konhauser, da Universidade de Alberta em Edmonton (Canadá), porém, acaba de apresentar uma explicação convincente sobre por que o oxigênio começou a se acumular de repente na atmosfera primordial da Terra, há cerca de 2,7 bilhões de anos, quando a vida consistia em nada mais complexo do que micróbios unicelulares.
A grande oxidação aconteceu, eles acreditam, quando um grupo de micróbios destruidores de oxigênio começou a se extinguir, permitindo um grupo de micróbios produtores de oxigênio entrar em ascensão. O gatilho desse evento foi uma queda nos níveis do metal níquel nos organismos, que levou a um inexorável aumento do oxigênio e da vida na Terra.
O papel do níquel na história do oxigênio atmosférico é novo. Se Kohnauser e seus colegas estiverem certos, isso poderia explicar não apenas a evolução súbita da vida, mas a própria feição da Terra, porque o poder corrosivo do oxigênio foi crucial para moldar rochas, formar rios e recortar litorais.
“A grande oxidação foi o que mudou os ambientes de superfície de modo irreversível na Terra e, por fim, tornou possível a vida avançada”, diz Dominic Papineau, da Instituição Carnegie, de Washington. “Foi a maior virada já ocorrida na evolução da vida em nosso planeta, e estamos chegando perto de entender como ela ocorreu.”
Super-reatividade
O oxigênio em forma de molécula é tão reativo que logo desaparece, a menos que seja produzido constantemente. A concentração de oxigênio na atmosfera hoje é mantida pelas plantas que realizam fotossíntese – a conversão de luz solar em energia química e oxigênio.
Acredita-se que os primeiros micróbios fotossintetizantes, as “algas azuis” ou cianobactérias, evoluíram 300 milhões de anos antes do evento da grande oxidação há 2,5 bilhões de anos.
Mas o oxigênio que elas produziam era rapidamente destruído pelo gás metano exalado por bactérias metanogênicas, que estavam em número muito maior. Elas podiam respirar sem oxigênio usando um método menos eficiente de respiração, o anaeróbico. Essas bactérias metanogênicas – que ainda vivem em ambientes inundados e pobres em oxigênio, como pântanos – precisam de níquel para sobreviver. Sem um suprimento rico do metal, enzimas vitais desses micróbios produtores de metano são sabotadas.
Ao analisar um tipo de rocha sedimentar, as formações com bandas de ferro, cientistas descobriram que poderiam descobrir o nível de níquel nos oceanos da Terra em épocas tão antigas quanto 3,8 bilhões de anos atrás. E havia uma marcante redução no níquel entre 2,7 bilhões e 2,5 bilhões de anos atrás – o mesmo período da grande oxidação.
“A data se encaixa bem. O declínio do níquel pode ter preparado o cenário para a grande oxidação”, diz Papineau. “Pelo que sabemos sobre metanogênicos vivos, níveis menores de níquel podem cortar a produção de metano. A conexão com o níquel é algo que ninguém havia levado em consideração antes, mas nosso estudo indica que ela pode ter tido um grande impacto no ambiente da Terra e na história da vida.”
Konhauser diz que seu estudo, publicado na revista “Nature”, sustenta a ideia de que os micróbios produtores de metano impediram o oxigênio de se acumular na atmosfera primitiva por centenas de milhões de anos.
Cientistas acreditam que o nível de níquel caiu porque a crosta da Terra resfriou durante esse período, o que significa que havia menos níquel sendo ejetado por erupções vulcânicas para dentro do oceano.
“Analisando rochas em formações com bandas de ferro, estamos certos de que há cerca de 2,5 bilhões de anos o níquel se reduziu para cerca de metade do nível anterior. A questão é como os micróbios metanogênicos reagiram a essa queda. Acreditamos que eles tenham morrido”, diz Konhauser.
Apesar de a grande oxidação não ter levado a um aumento súbito do oxigênio aos níveis que encontramos hoje, ela causou um aumento significativo, que nunca mais se reverteu. (Steve Connor, do Independent. Tradução de Rafael Garcia)
(Folha de SP, 12/4)