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Informativo 340 – CO2 e Sobrevivência do mais forte de Darwin

1 – Aquele outro problema do CO2

2 – Estudo questiona sobrevivência do mais forte de Darwin

 

1 – Aquele outro problema do CO2

Pesquisadores buscam resposta para aumento da acidez do mar, que afeta as algas que os peixes comem, as focas que comem os peixes, e os humanos que comem peixes, ostras e mariscos
Em frente ao porto de Ny-Ålesund, o prédio cinza de dois andares é um moderno laboratório marinho. Foi ali que, durante cinco semanas, cientistas de nove países conduziram um estudo sem precedentes no Oceano Ártico sobre um fenômeno conhecido como “aquele outro problema do CO2”.
O CO2, ou dióxido de carbono, até as focas daqui sabem, é um dos gases que provocam o efeito estufa. As emissões de CO2 produzidas pela queima de combustíveis fósseis e desmatamento cresceram rápido nos últimos dez anos.
Os oceanos funcionam como um sumidouro fundamental e absorvem cerca de um terço das emissões – esse é o lado bom da história. O ruim não tem a ver com aquecimento global nem efeito-estufa, mas com o CO2 no mar. Quando os oceanos absorvem o gás, uma reação acontece e forma ácido carbônico. O resultado é que o pH da água do mar fica menos alcalino e mais ácido.
Lembrando a aula na escola: a escala de pH vai de 0 a 14, sendo 7 o valor neutro. O pH da água do mar é ligeiramente alcalino, ou seja, pH próximo a 8,2. O intenso processo de absorção do CO2 aumenta a acidez dos mares. É essa situação que ficou conhecida por acidificação dos oceanos – ou “aquele outro problema do CO2”.
Trata-se de um problemão. A acidez dos oceanos aumentou 30% desde a Revolução Industrial e continua nessa toada. A química do processo já é bem conhecida, mas a ciência ainda engatinha no entendimento do que está acontecendo dentro do mar, no mundo das algas e dos peixes.
A dimensão mais famosa desse problema é o processo de enfraquecimento da estrutura dos corais. Recifes de corais são as “florestas tropicais dos mares”. Garantem alimento e proteção costeira a milhões de pessoas, além de abrigar um quarto das espécies marinhas. Não é pouco o que está em risco.
O que está acontecendo com espécies microscópicas de algas do fitoplancton e pequenos animais do zooplancton, a base da cadeia alimentar marinha, com a água alterada? Pesquisadores do mundo todo têm procurado respostas. Mariscos, moluscos, ostras e outros organismos que produzem conchas e esqueletos de carbonato de cálcio devem estar sentindo o baque, imagina-se.
No documentário “A Sea Change” (Uma Mudança no Mar), que mostra a preocupação do historiador aposentado Sven Huseby com o mundo onde seu neto Elias irá viver, uma experiência simples esclarece o que acontece com um organismo de cálcio submerso em um líquido ácido. Uma pesquisadora mergulha um dente de leite dentro de um copo de Coca-Cola. Um mês depois, o dente está rachado.
O assunto é tão preocupante que a Comissão Europeia fundou, em maio de 2008, o Projeto Epoca (European Project on Ocean Acidification), com o objetivo de entender melhor o que está acontecendo nas profundezas. Trata-se de um esforço multinacional, de nove países europeus. São mais de cem pesquisadores de 29 institutos de ponta debruçados sobre o assunto. Há pesquisas importantes também acontecendo nos Estados Unidos, no Japão, na Coreia, na China e na Austrália, só para citar alguns.
Ok. Mas e o Ártico, por que Ny-Ålesund, por que os mesocosmos? “O Ártico será o primeiro a sofrer o impacto e também o oceano que sentirá o efeito mais forte”, diz sem meias-palavras o pesquisador Ulf Riebesell, oceanógrafo do Leibniz – Institut für Meereswissenschaften (IFM-Geomar), da Universidade de Kiel. “Foi por isso que viemos aqui.”
A absorção de CO2 é mais intensa em águas frias, os oceanos polares estão entre os mais produtivos do planeta e seu ecossistema é dos mais vulneráveis. Os estudos com os mesocosmos no Ártico são a primeira experiência em larga escala do gênero. A ideia é olhar o que está acontecendo com vários grupos de bichos e plantas no lugar onde vivem.
Riebesell, também professor de oceanografia biológica, comandou em Ny-Ålesund os trabalhos em campo de 35 pesquisadores de 12 centros de pesquisa. Colocaram os nove mesocosmos que o Esperanza trouxe da Alemanha em um ponto do Kongsfjord, não muito longe de Ny-Ålesund.
Dentro desses gigantescos tubos de ensaio, com capacidade para 55 mil litros de água, estavam moluscos e algas que vivem nessas águas geladas. Entre as estrelas estavam algas vermelhas muito comuns por aqui e pequenos moluscos chamados pteropodes, que nadam como se fossem borboletas marinhas, com estruturas que lembram pequenas asas e formam uma concha transparente em caracol.
“Muitos organismos nos oceanos constroem suas conchas e esqueletos com cálcio, a estrutura mais comum que os organismos no mar fazem”, explica Riebesell. “A acidez dos oceanos afeta negativamente esse processo. Eles vão calcificar menos, suas estruturas terão defeitos, ficarão menos protegidos, menos saudáveis, os predadores podem pegá-los com mais facilidade.” A maioria dos organismos estudados até agora reagem mal à acidificação, crescem e se reproduzem menos. Ouriços podem ter problemas em formar sua carapaça de espinhos, mariscos fazem conchas com defeitos, a reprodução de moluscos é afetada.
Na pesquisa do Epoca no Ártico, os cientistas jogaram CO2 em concentrações diferentes dentro dos nove mesocosmos. Nos primeiros quatro, os valores de dióxido de carbono correspondiam aos dos tempos pré-industriais. No quinto, a adição do gás era equivalente aos níveis atuais de concentração na atmosfera. Nos últimos quatro, os níveis de CO2 eram compatíveis aos dos cenários futuros imaginados pelos cientistas do IPCC, o braço científico das Nações Unidas.
Finalmente, uma espécie de tampa transparente em formato de guarda-chuva, ornada com espinhos artificiais, foi colocada sobre cada mesocosmo, para evitar que as aves pousassem sobre eles. A rotina dos pesquisadores passou a ser recolher amostras, adicionar CO2, observar o comportamento das plantas e animais, anotar os dados, mergulhar no mar para ver se estava tudo bem. E começar tudo de novo no outro dia.
“Em 33 dias tivemos apenas um livre”, conta o professor. Eles também faziam ronda constante para observar as condições do tempo, do mar e a aproximação de icebergs, um dos temores da equipe. “Conseguimos afastá-los usando pequenos botes.”
No último dia da experiência, quando os pesquisadores já guardavam equipamentos e faziam as malas, Riebesell comentava alguns dados. Clorofila é uma medida importante de biomassa. Os cientistas apanhavam amostras de algas nos diferentes tubos, centrifugavam tudo e conseguiam comparar o que estava acontecendo. No 25º dia da experiência, por exemplo, havia variações claras na produção de clorofila do plâncton exposto a quantidades menores de CO2 do que naquele que ficou vivendo no mesocosmo com altas concentrações do gás. As algas que viveram em águas menos ácidas produziram quase o dobro da do que as outras.
“Ficamos muito felizes porque pela primeira vez víamos indicações claras de mudanças”, celebrava Riebesell. Para depois, reconhecer: “Mas está claro que, se continuarmos a emitir como estamos e só fizermos algo adiante, será muito tarde para o Ártico. 2050 é tarde demais para o Ártico.”
Os cientistas mediam mais de 60 parâmetros diferentes, todos os dias. Observaram de sedimentos à interação entre organismos. Duas comunidades diferentes de fitoplâncton não gostaram de viver em águas mais ácidas.
“A questão da adaptação à mudança está em aberto”, diz Riebesell. “Mas se eu tivesse que fazer um quadro de como o oceano vai parecer em 50 ou 100 anos, diria que terá menos biodiversidade. Vamos perder muitas espécies.” O que não está tão claro é se o aumento na acidez vai resultar em menos peixes no mar. “Ainda não temos ideia do que acontece com os peixes, baleias e assim por diante.”
“Adicionando algo sobre a biodiversidade: não podemos saber o que vai acontecer no futuro, mas podemos olhar para o passado”, continua.
A acidificação dos oceanos já aconteceu pelo menos duas vezes. Uma delas foi há 55 milhões de anos, quando uma grande quantidade de metano estocado no fundo do mar se liberou, foi para a água e de lá para a atmosfera. O fenômeno aconteceu com muita intensidade.
“Ocorreu uma massiva extinção de organismos, principalmente os que tinham cálcio nas estruturas. Perdemos toda a população de corais. A recomposição levou 10 milhões de anos.”
O segundo caso foi há 65 milhões de anos, quando os dinossauros morreram. A hipótese mais aceita é que um grande meteorito bateu na Terra e liberou grandes quantidades de gases que acidificaram os oceanos – de novo os organismos com cálcio tiveram a mais alta taxa de extinção. “Não digo que estamos caminhando para essa situação”, alerta, “mas que isso indica que a acidificação dos oceanos pode resultar nessas mudanças.”
Em novembro deve estar fechada uma análise global das pesquisas no Ártico. O próximo passo é estudar o que está acontecendo no Pacífico. Um centro de estudos no Havaí coleta dados sobre o assunto há 25 anos. “Queremos juntar a experiência que temos com os mesocosmos com o longo conhecimento de dados deles”, diz o cientista. Ele estava feliz no final da experiência no Ártico. “Tivemos muita sorte, deu tudo certo.”
Não foi sempre assim. Os mesocosmos foram utilizados em outras ocasiões e a experiência não dava certo. Ondas altas e mau tempo colocavam tudo a perder. Mudaram o design das torres e em 2008, no Báltico, finalmente conseguiram que aguentassem o tranco.
O projeto no Ártico começou a ser preparado há dois anos. O maior obstáculo virou trazer os pesados mesocosmos para Ny-Ålesund. No Projeto Epoca existe um grupo de usuários de referência em que estão BP e Rolls Royce, WWF, TNC e Greenpeace. Foi aí que alguém do Greenpeace sugeriu que o Esperanza poderia trazer as torres.
“Começamos a conversar, nunca tinha feito nada com o Greenpeace”, conta o professor. A parceria inédita delimitou espaços: os cientistas ficavam com a ciência, os ativistas com o transporte. “Isso era totalmente novo para nós. Fizemos um memorando, falamos com nossos parceiros no Epoca e com a Comissão Europeia”, continua.
A novidade foi criticada. “Houve gente dizendo que iríamos perder credibilidade. Tivemos longas conversas, deixamos claro que nós, cientistas, somos totalmente independentes e que o Greenpeace não interferiria em nada”, afirma. “A minha experiência, agora, é que o Greenpeace é extremamente profissional. Fiquei muito bem impressionado.”
Os mesocosmos voltaram a Kiel em 22 de julho, sãos, salvos e prontos para mergulhar nas águas do Havaí. Os oceanos são distintos, mas tudo está relacionado. O que acontece com as algas no mar mais ácido pode afetar os peixes que as comem, os pássaros que comem os peixes, as focas que também comem os peixes, os ursos que comem as focas, os humanos que comem peixes e ostras e mariscos.
As queimadas na Amazônia jogam mais CO2 na atmosfera e vão interferir no cardápio da morsa. O que acontece no Ártico, nas terras geladas do sol da meia-noite, vai bater em toda parte – inclusive naquele continente gelado onde vivem os pinguins e não tem urso. (Valor Econômico, 10/9)

 

2 – Estudo questiona sobrevivência do mais forte de Darwin

 

Charles Darwin talvez estivesse errado quando disse que a competição era a principal força impulsionando a evolução das espécies.
O autor de “A Origem das Espécies”, obra publicada em 1859 que lançou as bases da Teoria da Evolução, imaginou um mundo no qual os organismos lutavam por supremacia e em que apenas o mais forte sobrevivia.
Mas uma nova pesquisa identifica a disponibilidade de espaço para desenvolvimento de vida, em vez de competição, como o principal fator da evolução.
A pesquisa, conduzida pelo estudante de pós-doutorado Sarda Sahney e outros colegas da Universidade de Bristol, foi publicada na revista científica Biology Letters.
Eles usaram fósseis para estudar padrões de evolução ao longo de 400 milhões de anos.
Focando apenas em animais terrestres anfíbios, répteis, mamíferos e pássaros os cientistas descobriram que a quantidade de biodiversidade tem relação com o espaço disponível para a vida se desenvolver ao longo do tempo.
Ambiente: O conceito de espaço para a vida conhecido na literatura científica como conceito de nicho ecológico,  se refere às necessidades particulares de cada organismo para sobreviver. Entre os fatores estão a disponibilidade de alimentos e um habitat favorável à procriação.
A pesquisa sugere que grandes mudanças de evolução de espécies acontecem quando animais se mudam para áreas vazias, não ocupadas por outros bichos.
Por exemplo, quando os pássaros desenvolveram a habilidade de voar, eles abriram uma nova fronteira de possibilidades aos demais animais.
Igualmente, os mamíferos tiveram a chance de se desenvolver depois que os dinossauros foram extintos, dando espaço para a vida aos demais animais.
A ideia vai de encontro ao conceito darwinista de que uma intensa competição por recursos em ambientes altamente populosos é a grande força por trás da evolução.
Para o professor Mike Benton, co-autor do estudo, a competição não desempenha um grande papel nos padrões gerais de evolução.
Por exemplo, apesar de os mamíferos viverem junto com os dinossauros há 60 milhões de anos, eles não conseguiam vencer os répteis na competição. Mas quando os dinossauros foram extintos, os mamíferos rapidamente preencheram os nichos vazios deixados por eles e hoje os mamíferos dominam a terra, disse ele à BBC.
No entanto, para o professor Stephen Stearns, biólogo evolucionista da universidade americana de Yale, que não participou do estudo, há padrões interessantes, mas uma interpretação problemática no trabalho da Universidade de Bristol.
Para dar um exemplo, se os répteis não eram competitivamente superiores aos mamíferos durante a Era Mesozoica, então por que os mamíferos só se expandiram após a extinção dos grandes répteis no fim da Era Mesozoica?
E, em geral, qual é o motivo de se ocupar novas porções de espaço ecológico, se não o de evitar a competição com outras espécies no espaço ocupado?  (Ambiente Brasil de 30.08.2010)