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Informativo 334 – Cerrado; Indicadores ambientais e Evolução divergente

1 – Cerrado perdeu metade da vegetação e precisa de ações para evitar extinção

2 – Indicadores ambientais melhoram no Brasil

3 – Evolução divergente

 

1 – Cerrado perdeu metade da vegetação e precisa de ações para evitar extinção

Estudo do IBGE com dados até 2008 mostra que 48% de sua área total foi desmatada; para pesquisadora da UnB, índice já estaria em 60%
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) alerta para o risco de extinção do Cerrado “em pouco tempo” nos Estados onde o ritmo de desmatamento é mais acelerado, como Maranhão, Bahia e Mato Grosso, caso não sejam tomadas “medidas urgentes de proteção”.
Divulgado na quinta-feira (1º/9), o estudo Indicadores de Desenvolvimento Sustentável mostra que a cobertura original do bioma foi reduzida à metade no País, de 2.038.953 km² para 1.052.708 km², com área total desmatada de 48,37%. Isso até 2008, último dado oficial disponível. “Esse porcentual já deve estar perto de 60%”, afirma a engenheira florestal e professora da Universidade de Brasília Alba Valéria Rezende.
Ela cita as recentes queimadas para afirmar que, “se nada for feito, provavelmente teremos o bioma totalmente destruído até 2030”. “Embora existam medidas isoladas, ainda não há uma política nacional para enfrentar o problema. Não percebemos mudanças no quadro em nossos trabalhos de campo”, acrescenta a pesquisadora.
As taxas de desmatamento são mais altas que as da Amazônia, onde houve redução do ritmo de destruição nos últimos cinco anos – lá, a área total derrubada representa 15% da floresta original. No Cerrado, entre 2002 e 2008 foram desmatados 85.074 km², o que representa 4,18% da cobertura original.
Os estados que tiveram maior área desflorestada nesse período, em termos absolutos, foram Mato Grosso (17.598 km²), Maranhão (14.825 km²) e Tocantins (12.198 km²). Em termos relativos, Maranhão (7%), Bahia (6,12%) e Mato Grosso (4,9%). O IBGE mostra que até 2002 houve tendência de aumento de áreas desmatadas no Sul e Sudeste. Entre 2002 e 2008, isso ocorreu mais no Norte e Nordeste.
Segundo o estudo, há pelo menos 131 espécies da flora e 99 da fauna ameaçadas de extinção no Cerrado. Além da biodiversidade, o bioma concentra nascentes das principais bacias hidrográficas do País, lembra o pesquisador da Embrapa Felipe Ribeiro.
Unidade de proteção. A publicação mostra que apenas 3,2% da área total do Cerrado é protegida por unidades federais de conservação, sendo 2,2% de proteção integral. Na Amazônia, a área protegida é bem maior: 16,8% e 7,9%, respectivamente.
“Durante muito tempo o Cerrado foi visto como sendo de segunda classe. Apesar de ser a savana mais biodiversa do mundo, foi eleito como área prioritária para expansão da agropecuária e o processo levou à situação atual”, diz o analista do IBGE Judicael Clevelario.
Com a expansão da agropecuária a partir dos anos 70, o Cerrado se tornou a principal área para a produção de grãos no país. O IBGE aponta que os incêndios naturais fazem parte da dinâmica do bioma, cuja vegetação possui adaptações para conviver com eles. O problema está no “uso indiscriminado do fogo na expansão de áreas agrícola e pastoril, aliado à extração de madeira e carvão vegetal”. A identificação de áreas remanescentes para o estudo foi feita a partir de imagens de satélites.
“Nos Estados com taxas mais elevadas, serão necessárias medidas preventivas, sob pena de o bioma, em pouco tempo, ser simplesmente extinto. Aumentar o número e a distribuição das unidades de conservação, especialmente nas áreas de fronteira agrícola, será fundamental”, aponta o IBGE.
Amazônia
Apesar da redução do ritmo de desmatamento na Amazônia nos últimos cinco anos, a área total derrubada já representa 15% da floresta original. O processo acentuou-se nas últimas quatro décadas e foi concentrado nas bordas sul e leste da Amazônia Legal, o chamado arco do desmatamento.
Após um período de crescimento quase contínuo da taxa de desflorestamento entre 1997 e 2004, quando atingiu um pico, os valores para 2009 indicam que a área desmatada representa um terço do que foi verificado no ano de 2004. Entre 2007 e 2009 houve queda de 63% dos focos de queimadas e incêndios florestais no País, de 188.656 para 69.702, seguindo a tendência de queda nas taxas de desflorestamento da Amazônia. Mas o número deverá aumentar em 2010, com as recentes queimadas que se espalham pelo país.
Esse dado é importante porque a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera é a destruição da vegetação natural, com destaque para o desmatamento na Amazônia e as queimadas no Cerrado. A atividade representa 75% das emissões brasileiras de CO2 , responsável por colocar o Brasil entre os dez maiores emissores de gases de efeito estufa.
A maior redução de focos de calor em 2009 ocorreu no Acre (de 702 para 49), e o Estado responsável pelo maior aumento foi o Sergipe (de 94 para 208). (Felipe Werneck) (O Estado de SP, 2/9)

 

2 – Indicadores ambientais melhoram no Brasil

Mas o país ainda está muito longe do desenvolvimento sustentável, diz IBGE
Apesar de apresentar uma melhora geral nos indicadores, o Brasil ainda tem um longo caminho rumo ao desenvolvimento sustentável. As queimadas, por exemplo, ainda são responsáveis por mais de 75% das emissões de dióxido de carbono (CO2), um dos principais gases do efeito estufa, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulgou na quarta-feira (1/9) seu quarto relatório “Indicadores de desenvolvimento sustentável”.
Segundo o IBGE, em 1990 a emissão destes gases era equivalente a 1,357 bilhão de toneladas, número que pulou para 2,2 bilhões em 2005, posicionando o Brasil entre os 10 maiores emissores do mundo. E a tendência é de um crescimento ainda mais acentuado este ano, já que, no mês passado, o número de focos de queimadas registrados no Brasil foi o maior dos últimos dez anos. No total, foram 259.942 focos no país, 571% a mais do que em agosto do ano passado.
– O dado mais problemático é a estrutura dessas emissões, ligadas a mudanças no uso da terra, com desmatamentos e queimadas – destaca Judicael Clevario Junior, coordenador dos indicadores ambientais e econômicos do relatório. – Controlando esses fatores, teríamos espaço até para redução das emissões, mesmo com o uso crescente de termelétricas para a geração de energia, mais veículos circulando.
Com um total de 55 indicadores, a publicação do IBGE mostra avanços importantes na área ambiental, com algumas surpresas.
Conhecida e criticada por sua poluição, São Paulo não tem a pior qualidade de ar do país. O posto, pelo menos em termos de partículas em suspensão, fica de longe com Brasília, que em 2008 atingiu uma máxima de mais de 1,2 mil miligramas por metro cúbico de ar, seguida por Vitória (717 mg/m3) e Curitiba (589 mg/m3). No geral, no entanto, a qualidade do ar nas grandes cidades brasileiras tem melhorado ou se mantido estável, fruto de maior controle das emissões de veículos e indústrias, comenta Judicael.
– Essas medidas de controle fizeram efeito – diz.
Desmatamento atinge Amazônia e Cerrado
Outro ponto positivo do relatório aponta uma queda de 74,1% no desflorestamento entre 2004 e 2009. Mas, apesar disso, a Amazônia já perdeu 14,6% de sua cobertura vegetal, ou quase 740 mil km2. De acordo com o levantamento do IBGE, porém, a situação mais crítica é do Cerrado, foco da maior parte da expansão agrícola do país.
O segundo maior bioma brasileiro teve sua cobertura vegetal reduzida a praticamente a metade, com uma área desmatada de quase 1 milhão de km2 (48,37%) até 2008. Deste total, 85.074 km2 (4,18%) foram destruídos apenas entre 2002 e 2008.
Já com relação à biodiversidade, o Brasil tem um total de 627 espécies de sua fauna ameaçadas de extinção. Aves (160 espécies), peixes de água doce (142) e insetos (96) são os grupos mais críticos.
– O conceito de desenvolvimento sustentável envolve a satisfação da geração atual sem comprometer a das futuras gerações. Alguns indicadores podem ser negativos, mas muitos apontam que estamos caminhando na direção correta – afirma Wadih João Scandar Neto, coordenador técnico e de planejamento do relatório. – Enquanto o passivo social brasileiro é muito grande, no lado ambiental o quadro é contrário. Nosso ativo ambiental é muito grande, mas, se não prestarmos atenção e mantivermos um consumo impensado, podemos chegar a uma situação de alerta. (César Baima) (O Globo, 2/9)

 

3 – Evolução divergente

Pesquisa internacional com participação brasileira mostra que bactérias idênticas cultivadas no mesmo meio podem adotar estratégias distintas de adaptação, por meio de mutações em genes regulatórios
Uma pesquisa internacional com participação brasileira mostrou que bactérias idênticas cultivadas em um mesmo ambiente adotam diferentes estratégias de adaptação.
No estudo, uma população da bactéria Escherichia coli evoluiu de forma divergente para se adaptar às condições do mesmo meio. Depois de 37 dias de crescimento contínuo, os cientistas isolaram diversos mutantes com diferenças importantes em genes regulatórios.
Os resultados do experimento foram publicados na revista Genome Biology and Evolution. Coordenado por cientistas da Universidade de Sydney (Austrália) e da Universidade de São Paulo (USP), o estudo teve também participação de pesquisadores da Universidade Nankai (China).
O brasileiro Beny Spira, professor do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, realizou seu pós-doutorado, com Bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), no laboratório de Thomas Ferenci, da Universidade de Sydney. Ambos são coautores do artigo.
Spira coordena atualmente o projeto “O fator sigma S da RNA polimerase em linhagens de Escherichia coli diarreiogênicas”, apoiado pela Fapesp na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
Segundo ele, no experimento de evolução realizado com a Escherichia coli foi observado um processo de divergência simpática – isto é, em um mesmo ambiente, a partir de um inóculo inicial geneticamente homogêneo, uma população de bactérias idênticas evoluiu de forma divergente para melhor se adaptar às condições do meio.
“A grande novidade é que a evolução ocorreu de forma divergente. Em um ambiente constante, sem barreiras físicas, observamos estratégias distintas de adaptação que resultaram em mutações em diferentes genes regulatórios”, disse à Agência Fapesp.
Para o experimento, os autores utilizaram um quimiostato – uma espécie de biorreator que mantém as condições da cultura constantes. No equipamento, o meio fresco é introduzido continuamente, enquanto o excesso de bactérias é eliminado também de forma contínua por meio de um exaustor.
“Normalmente, as bactérias em cultura se multiplicam até saturar o ambiente, mas no quimiostato isso não ocorre, pois a disponibilidade de nutrientes é constante e outras características físicas, como o pH, também. No equipamento, as bactérias permanecem sempre em crescimento exponencial e não entram na fase estacionária”, disse Spira.
“Durante todo o experimento, a taxa de crescimento das bactérias era de 0,1 por hora – isto é, a população de bactérias levava cerca de sete horas para dobrar de tamanho, mas se mantinha constante, já que parte dela era continuamente eliminada”, explicou.
Para impedir a saturação da cultura de bactérias no quimiostato, é preciso limitar a quantidade de algum nutriente. No caso, a quantidade de fosfato – elemento crucial para o crescimento das bactérias – foi limitada.
“Conduzimos o experimento do quimiostato durante 44 dias e, ao longo desse tempo, retiramos amostras a cada dois ou três dias. No 37º dia retiramos uma amostra a partir da qual cinco colônias foram isoladas – sendo que cada colônia representa um clone de uma única bactéria. Essas colônias foram analisadas e testadas em relação a vários fenótipos, como morfologia da colônia, sensibilidade a detergentes e fosfatase alcalina – uma enzima diretamente induzida quando a bactéria tem acesso limitado ao fosfato”, disse.
A maior parte das bactérias tem um complexo de mais de 40 genes que respondem ao estímulo externo de limitação de fosfato. “Quando há pouco fosfato no meio, esses genes codificam proteínas que vão auxiliá-las a obter fosfato”, apontou.
Algumas dessas proteínas, situadas na membrana da bactéria, captam fosfato para o organismo, mesmo que o nutriente esteja em baixa concentração no ambiente.
“Esperávamos que a bactéria, evoluindo em um ambiente limitado em fosfato por mais de 100 gerações, acumulasse mutações que resultariam em um aumento na expressão de genes relacionados à captação de fosfato. Mas não esperávamos que as bactérias adotassem diferentes estratégias, promovendo mutações em diversos genes regulatórios”, afirmou.
Motor evolutivo
As bactérias foram então enviadas para os colaboradores chineses, que fizeram o sequenciamento completo do genoma de todas elas e realizaram um estudo de proteômica, a fim de avaliar como a expressão de proteínas se diferenciava entre elas.
“O estudo de proteômica mostrou que havia, no total, mais de 30 proteínas cuja expressão diferia, em cada clone, em relação à bactéria ancestral. O resultado do sequenciamento foi ainda mais interessante: as colônias de bactérias sofreram ao todo 12 mutações diferentes, sendo que três delas se deram em genes regulatórios importantes”, disse.
Depois dos 37 dias no quimiostato, as colônias de bactérias tiveram mutações nos genes rpoS, hfq e spoT. O gene rpoS codifica para uma proteína conhecida como fator sigma S. Os fatores sigma – há sete deles na Escherichia coli – são responsáveis pelo reconhecimento dos sítios promotores dos genes, iniciando o processo de transcrição. Eles associam-se à enzima RNA polimerase para exercer essa função. A RNA polimerase é a principal enzima do complexo responsável pela transcrição do DNA em RNA.
“A ligação do fator sigma ao cerne da RNA polimerase é transitória. Quando a bactéria precisa de fosfato, usa o fator sigma 70 para iniciar o processo de transcrição do gene que codifica a fosfatase alcalina”, explicou.
Segundo o professor do ICB-USP, quase todas as proteínas são reconhecidas pelo fator sigma 70. Mas um outro fator sigma – o sigma S ou rpoS – ganha importância quando a bactéria está em estado de estresse, ou limitação nutricional. O sigma S reconhece o promotor de genes ligados à proteção da bactéria.
“Por um lado, a bactéria busca o crescimento e precisa do fator sigma 70. Mas, quando ela começa a sofrer uma limitação nutricional, acumula o sigma S. A bactéria sofre um dilema, pois os dois fatores competem entre si. Quando um deles é ligado à RNA polimerase, o outro é desligado e a bactéria precisa equilibrar as necessidades de crescimento e proteção”, disse.
Dos cinco isolados obtidos no experimento, três possuíam mutações em rpoS. “Como o ambiente tinha limitação de fosfato, o melhor para a bactéria era eliminar o rpoS, pois ao competir com o sigma 70 ele impede que a bactéria consiga mais nutrientes”, explicou Spira.
Esse modelo, segundo Spira, é conhecido como Autopreservação e Competência Nutricional (Spanc, na sigla em inglês). “Trata-se de um motor da evolução, já que ele permite acumular mutações de acordo com a necessidade imposta pelo ambiente. Quando há muito estresse, o organismo acumula mutações que aumentam a atividade de rpoS; quando há poucos nutrientes, ele perde rpoS”, disse.
Além das três mutações no gene rpoS nas cinco colônias isoladas, os pesquisadores constataram também mutações nos genes hfq e spoT, ambas resultando em uma diminuição da expressão de rpoS.
“Todas essas mutações em genes reguladores tiveram a finalidade de melhorar a capacidade nutricional da bactéria, diminuindo a concentração de sigma S. Esse desvio no equilíbrio Spanc, no entanto, não é gratuito. A bactéria teve ganho nutricional, mas teve também perda de capacidade de preservação, ou seja, de proteção contra estresses ambientais”, disse.
A grande novidade revelada pelo experimento, segundo Spira, é que as três estratégias distintas de mutação em genes regulatórios ocorreram em um ambiente constante sem barreiras físicas.
“Com mutações em genes regulatórios, temos uma modificação profunda na fisiologia da bactéria. Muito possivelmente isso resultaria, a longo prazo, em um processo de divergência evolutiva que poderia, eventualmente, levar ao aparecimento de novas espécies”, disse.
O artigo Divergence Involving Global Regulatory Gene Mutations in an Escherichia coli Population Evolving under Phosphate Limitation”, de Beny Spira e outros, pode ser lido por assinantes da “Genome Biology and Evolutionem” em http://gbe.oxfordjournals.org/cgi/content/abstract/2/0/478 (Fábio de Castro) (Agência Fapesp, 3/9)