1 – John Harper e a biologia de populações vegetais
2 – Cientistas estudam clonagem para salvar animais da extinção
1 – John Harper e a biologia de populações vegetais
“Não seria exagero afirmar que Harper foi não só o criador da moderna ecologia de populações vegetais como um dos principais nomes da ecologia ao longo da segunda metade do século 20”
Felipe A. P. L. Costa (meiterer@hotmail.com) é biólogo e assessor científico do Parque da Ciência da Universidade Federal de Viçosa. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:
John Lander Harper, um dos grandes nomes da ecologia ao longo da segunda metade do século 20, é considerado por muitos como o criador da moderna biologia de populações vegetais. O biólogo inglês nasceu em 27/5/1925, em Rugby, pequena cidade perto de Birminghan, no centro-sul da Inglaterra, e faleceu em 22/3/2009, aos 83 anos.
Filho de uma família de fazendeiros, Harper desde cedo se interessou por história natural. Em 1943, já durante a Segunda Guerra Mundial, foi estudar na Universidade de Oxford. Graduou-se em 1946 e, logo em seguida, concluiu a pós-graduação. Foi contratado pela universidade em 1951, ali trabalhando como professor e pesquisador até 1959.
Passou um ano (1959-1960) na Universidade da Califórnia (Davis), nos Estados Unidos. De volta à Grã-Bretanha, foi trabalhar na antiga Universidade da Gales do Norte, atual Universidade de Bangor, em Bangor, pequena cidade costeira do País de Gales. Entre 1960 e 1967, foi professor do Departamento de Botânica Agrícola daquela universidade. Em 1967, porém, ocorreu uma coisa curiosa: o seu departamento se fundiu com o Departamento de Botânica, dando então origem à famosa Escola de Biologia Vegetal.
A nova instituição logo se converteria em um centro de referência internacional, atraindo estudantes e pesquisadores de todo o mundo, graças, em boa medida, ao trabalho de Harper. Ele serviu à Escola de Biologia Vegetal até 1982, quando se aposentou – tinha então apenas 57 anos! Após a aposentadoria, no entanto, continuou ativo, produzindo e envolvido com diversas atividades acadêmicas. Nos anos que se seguiram, recebeu uma série de homenagens e honrarias, dentro e fora da Grã-Bretanha.
Um bom exemplo do reconhecimento dado ao seu legado ocorreu ainda na década de 1980, quando um grupo de cerca de 30 colegas e ex-alunos colaborou na elaboração de um livro em sua homenagem, Studies of plant demography: a festschrift for John L. Harper (Academic Press, 1985).
Outro exemplo ocorreu mais recentemente, quando a Sociedade Ecológica Britânica instituiu um prêmio com o seu nome – o ‘John L. Harper Young Investigator Award’. O prêmio é dado todos os anos ao melhor artigo de um jovem pesquisador publicado na revista Journal of Ecology, a mais antiga (publicada desde 1913) e ainda hoje uma das mais prestigiosas publicações especializadas em ecologia vegetal.
Um marco no estudo de populações
Ao longo de sua carreira, John Harper publicou livros, capítulos de livros e mais de uma centena de artigos científicos.
Entre suas obras mais conhecidas estão dois livros. Primeiro, o livro Population biology of plants (1977), obra monumental que se converteu em um marco divisório na história da biologia de populações, sendo ainda hoje uma referência obrigatória para todos aqueles que se dedicam ao estudo de populações vegetais.
Em segundo lugar, o livro-texto Ecology: individuals, populations and communities (1986), talvez um dos melhores manuais universitários de ecologia – senão o melhor. Harper participou ativamente das primeiras três edições desse livro (1986, 1990, 1996); a quarta edição, no entanto, foi preparada apenas pelos outros dois co-autores, Michael Begon e Colin R. Townsend (refletindo essa mudança, a ordem dos autores, que antes era Begon, Harper e Townsend, passou a ser Begon, Townsend e Harper).
Sobre a participação de Harper nesse livro-texto, eis os que os outros dois co-autores escreveram no prefácio da 4ª edição:
“Muito sensatamente, John Harper decidiu que a aposentadoria e o papel de avô merecem, agora, mais atenção do que a co-autoria de um livro-texto. […] Não podemos prometer que assimilamos ou, para sermos francos, aceitamos todas as suas opiniões, mas, nesta 4ª edição, esperamos ter seguido os caminhos pelos quais ele nos conduziu.” (Begon, M. et al. 2007. Ecologia: de indivíduos a ecossistemas. Porto Alegre, Artmed).
Capítulos e artigos
Dos capítulos de livro que escreveu, um dos meus favoritos é o instigante ‘After description’, publicado em 1982. Nele, Harper apresenta e discute alguns dos problemas da literatura ecológica de então.
Tendo como pano de fundo a noção de que todo e qualquer fenômeno biológico requer ao menos dois tipos de explicações – uma funcional (do tipo: como é que determinada característica ou processo funciona?) e outra, histórica (do tipo: por que é que tal característica ou processo funciona desse jeito em particular e não de um outro jeito qualquer?) -, ele chama a atenção do leitor para certas confusões conceituais e terminológicas. Seria o caso, por exemplo, dos erros e mal-entendidos gerados pelo uso corrente e indiscriminado de termos como ‘estresse’, ‘estratégia’ e ‘adaptação’.
As críticas de Harper nesse capítulo também abraçam certas questões metodológicas e filosóficas. Ele reclama, por exemplo, do predomínio de estudos descritivos e ‘holísticos’ em ecologia vegetal, em detrimento de estudos experimentais e ‘reducionistas’.
Em sua opinião, a tradicional preocupação em descrever a vegetação como um todo deveria ceder espaço para estudos que examinassem mais de perto o comportamento de populações e espécies individuais. Nesse sentido, ele abre e fecha o capítulo chamando a atenção para a importância e o alcance dos trabalhos de Alexander Stuart Watt (1892-1985), um dos pioneiros na condução de estudos experimentais em ecologia vegetal.
De resto, penso que vários dos numerosos artigos que Harper escreveu ainda representam referências-chave para o estudante de ecologia, em especial de ecologia vegetal [Nota 1]. Entre todos esses artigos, no entanto, sou de opinião que ao menos dois são de interesse geral e deveriam ser lidos por todos os professores universitários e estudantes de pós-graduação que lidam com biologia de populações, a saber: ‘The individual in the population’ (1964) e, principalmente, ‘A Darwinian approach to plant ecology’ (1967).
Este último artigo – escrito por ele para marcar sua posse como presidente da Sociedade Ecológica Britânica – não tardou a ser reconhecido pelos estudiosos como um clássico da moderna literatura ecológica. Estavam ali esboçadas as mesmas questões de fundo que ele, poucos anos depois, iria examinar mais detidamente ao longo das quase 900 páginas que compõem o livro Population biology of plants.
Em linhas gerais, o artigo chama a atenção para a intrincada relação que há entre ecologia e evolução – uma relação que, infelizmente, muitos dos nossos professores universitários de ecologia e evolução ainda parecem ignorar -, ao mesmo tempo em que alerta para a pertinência e a necessidade de mais estudos populacionais.
A morte de um pioneiro
Frente a tudo isso, não seria exagero afirmar que Harper foi não só o criador da moderna ecologia de populações vegetais como um dos principais nomes da ecologia ao longo da segunda metade do século 20. Não é de estranhar, portanto, a opinião de Roy Turkington [ver Turkington, R. 2009. Professor John L. Harper FRS CBE (1925-2009). Journal of Ecology 97: 835-7], para quem nenhum outro autor, desde os tempos de Darwin, teve um impacto tão grande no desenvolvimento de uma disciplina científica como o que Harper teve no desenvolvimento da biologia de populações vegetais.
John Harper faleceu em casa, em Exeter, pequena cidade no extremo sudoeste da Inglaterra, para onde ele e a esposa haviam se mudado em 1997. Nos últimos anos, enfrentou problemas de saúde – primeiro, foi diagnosticado com enfisema e, mais recentemente, com leucemia.
Nada disso, no entanto, o impediu de continuar ativo. Além de se manter impressionantemente bem-atualizado no que diz respeito à literatura ecológica [Nota 2], sabe-se que nos últimos cinco anos ele esteve escrevendo suas memórias – dos tempos de criança aos anos de universidade -, embora, no momento, apenas os familiares ou os amigos mais íntimos possam dizer com segurança até onde ele conseguiu ir nessa sua última empreitada literária…
Harper deixou viúva, filhos e netos.
Notas
1. Alguns artigos publicados na Journal of Ecology estão disponíveis para captura gratuita no endereço http://www.britishecologicalsociety.org/journals_publications/journalofecology/virtualissue_harper.php
2. Agradeço a Roy Turkington pelos esclarecimentos sobre a vida pessoal de John L. Harper.
2 – Cientistas estudam clonagem para salvar animais da extinção
Laboratório armazena células de espécies em risco, mas o assunto é polêmico
Para um rinoceronte branco do norte da África, Angalifu tem uma vida muito boa. O animal de duas toneladas pode percorrer livremente um habitat de 862 quilômetros quadrados que se parece com as savanas africanas. Mesmo assim, Angalifu e sua companheira Nola, uma moradora mais antiga do zoológico, são dois dos oito rinocerontes brancos do norte que se acredita restarem no planeta.
“Esses animais maravilhosos estão à beira da extinção”, diz Oliver Ryder, principal geneticista do Instituto de Pesquisas para a Conservação do Zoológico de San Diego, na Califórnia: “Restaram alguns deles, mas ainda não se sabe se poderão se reproduzir.”
Ryder supervisiona o Frozen Zoo, um laboratório onde células de pele e DNA de 12 rinocerontes brancos e 8,4 mil outros animais – num total de cerca de 800 espécies – estão armazenadas a 155 graus centígrados negativos. A esperança é que cientistas possam usar as células para criar animais clonados e salvar espécies ameaçadas de extinção.
O laboratório foi fundado em 1972, mas a tecnologia necessária para fazer uso das células só agora está sendo desenvolvida. No primeiro trimestre deste ano, pesquisadores do Scripps Research Institute usaram amostras de pele do Frozen Zoo para criar células-tronco do mandril de crina prateada, o macaco mais ameaçado de extinção da África. Em 1º de junho as células-tronco se transformaram em células cerebrais. “Pensei: conseguimos”, diz Jeanne Loring, que liderou a pesquisa. “Isso me dá esperanças de que possamos ajudar a salvar espécies da extinção.”
O próximo passo será usar as células-tronco em alguma variação do método usado para clonar a ovelha Dolly. Em 1996, cientistas escoceses “fizeram” Dolly transferindo o núcleo de uma célula de ovelha adulta para um óvulo em desenvolvimento que teve seu núcleo removido. Os cientistas usaram células-tronco embrionárias nesse processo; Jeanne usaria as células-tronco que desenvolveu a partir das células de pele do mandril, pois é difícil conseguir embriões desses animais ameaçados.
A pesquisadora e sua equipe também poderão tentar misturar células do mandril com embriões de três a quatro dias de um animal parecido que proporcione uma grande oferta, como um babuíno. O filhote resultante dessa mistura poderia ser acasalado de forma seletiva para eliminar os genes que não são do mandril, criando, em tese, um mandril puro.
A técnica de transformação de células, desenvolvida há três anos por Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto, no Japão, usa um vírus inócuo para transportar os genes para as células de pele e transformá-las em células-tronco. Embora a técnica tenha funcionado para o mandril, não deu certo quando usada em células do rinoceronte branco, de modo que Jeanne espera mapear o genoma do rinoceronte para obter pistas sobre quais de seus genes podem reprogramar células.
Cientistas vêm colhendo células-tronco de embriões há mais de uma década, mas a tecnologia de Yamanaka é importante porque os embriões nem sempre estão disponíveis no caso de espécies ameaçadas. No entanto, tentativas de clonar animais ameaçados de extinção até agora levaram a gestações abortadas e crias deformadas.
Em 2000, células do Frozen Zoo foram usadas para clonar dois tipos ameaçados de gado, um gaur e um banteng -, usando-se o mesmo método da ovelha Dolly. Dois dos três bezerros morreram logo após o nascimento. O terceiro banteng viveu durante sete anos no zoológico de San Diego, menos da metade de um período de vida normal, e morreu em abril deste ano.
Alguns cientistas afirmam que esses exemplos mostram a complexidade moral da clonagem. Os benefícios podem ser limitados se apenas um punhado de animais for criado para viver em zoológicos, afirma Autumn M. Fiester, pesquisador do Centro de Bioética da Universidade da Pensilvânia. “Tem havido muito sofrimento com essas mortes prematuras e deformações”, diz Fiester.
Ryder, do Instituto de Pesquisas para a Conservação do Zoológico, admite os problemas: “Vamos nos engajar nesses esforços apenas se não houver outra maneira de impedir a extinção.”
Para Ryder, a única justificativa para a clonagem é criar novos animais que possam se acasalar com outros já existentes, aumentando suas populações e diversidade genética. Com o rinoceronte branco, porém, ele e a pesquisadora Jeanne correm contra o tempo: Angalify está chegando aos 40 anos, e rinocerontes normalmente não vivem mais que 50. (Rob Waters, Bloomberg Businessweek) (Valor Econômico, 14/6)