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Informativo 263 – Biodiversidade; Butantã e morte da memória científica

1 – Parâmetros para a biodiversidade

2 – O Brasil e sua biodiversidade

3 – Espécimes importantes escaparam das chamas em incêndio do Butantã

4 – Butantã: “Animais eram valiosos como obras de arte”

5 – Morte da memória científica

 

1 – Parâmetros para a biodiversidade

Ambientalista norte-americano diz que as metas de 2010 para a redução da perda de biodiversidade mundial, estabelecidas pela Convenção sobre Diversidade Biológica, ainda não foram atingidas por nenhum dos 190 países signatários
As metas de 2010 para a redução significativa da perda de biodiversidade e da taxa de extinção dos organismos vivos do planeta, estabelecidas pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), ainda não foram atingidas por nenhuma das 190 nações que integram esse que é o principal fórum mundial, criado em 1992 no Rio de Janeiro, para a definição de marcos legais e políticos relacionados ao tema.
“Nem todos os indicadores associados à redução da biodiversidade global são negativos, mas há ainda um enorme trabalho a ser feito pela frente. O Índice de Planeta Vivo, ou LPI, que é calculado regularmente pelos países, por exemplo, tem atualmente uma tendência global negativa, principalmente devido à drástica redução de grupos específicos de organismos que vivem nos trópicos”, disse o ambientalista norte-americano Thomas Lovejoy, presidente do Heinz Center for Science, Economics and Environment, nos Estados Unidos, em palestra proferida no sábado (22/5), no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo.
Segundo ele, essa perda de biodiversidade não está ocorrendo apenas com os animais silvestres, mas também com espécies que os seres humanos dependem diretamente, como as raças que produzem alimentos.
“Também não está havendo um trabalho efetivo para a proteção desses animais pelos países signatários da convenção”, explicou durante sua apresentação que marcou as homenagens ao Dia Internacional da Biodiversidade. O evento foi promovido pelo Programa Biota, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Lovejoy, que também é consultor chefe para biodiversidade do Banco Mundial, presidiu a revisão da terceira edição do relatório intergovernamental “Panorama de Biodiversidade Global”, organizado pela Convenção sobre Diversidade Biológica. O documento, que avalia a situação atual e tendências da biodiversidade em todo o mundo, está disponível para consulta pública na internet no endereço http://gbo3.cbd.int/
Segundo ele, o relatório mostra, entre muitas outras questões, que as mudanças climáticas deverão progredir ainda mais nos próximos anos, em proporções exponenciais e com impactos cada vez mais difíceis de controlar. E tais mudanças farão com que muitos organismos migrem para outras direções do planeta, ao ponto de as espécies sobreviventes se reagruparem em novas configurações biológicas, cujas características também serão difíceis de prever.
A boa notícia, no entanto, é que nos últimos 10 anos houve um aumento significativo das áreas protegidas em todo o mundo, tanto marinhas como terrestres. “Dois terços dessas áreas estão aqui no Brasil, sobretudo na região amazônica que, em pouco mais de quatro décadas, conseguiu ter 57% de seu território com algum tipo de proteção ambiental, o que acabou gerando uma redução nas taxas de desflorestamento no país como um todo”, apontou.  
De acordo com Thomas Lovejoy, devido à clara relação entras as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade no planeta, o relatório também sugere que os países enxerguem a terra de modo cada vez mais integrado e como um “grande ecossistema biofísico”.
“Apesar da perda de biodiversidade ser um problema biológico em si, ela é influenciada por todos os problemas climáticos que afetam os organismos vivos. O planeta não funciona apenas como um sistema físico: existe um elo muito forte entre a parte física e a biológica do planeta. Olhando sistematicamente a terra dessa forma, os países terão mais condições de ajudar os ecossistemas a superarem parte dos estressores climáticos e também conseguirão encontrar melhores formas de integrar as características da natureza com seus interesses econômicos”, disse.
Para ele, “as restaurações dos ecossistemas globais podem gerar taxas de retorno que sejam interessantes a qualquer banco de investimentos no mundo.” “Por isso, a comunidade científica internacional tem esperança que os ecossistemas consigam retirar o peso dos gases de efeito estufa da atmosfera, fazendo com que a terra seja mais resiliente às mudanças climáticas e aos estresses humanos, criando uma nova economia que seja capaz de extrair valores do meio ambiente. Não se trata de uma privatização da natureza, mas fazer o melhor para que suas externalidades sejam colocadas no sistema econômico mundial. Esse é o grande desafio ambiental para as próximas décadas”, apontou. 
Lovejoy também chamou a atenção para a necessidade de os países incorporarem uma gestão ambiental mais integrada entre as escalas “regional e planetária”. Para ele, os países devem começar a olhar para os problemas ambientais sempre em escala global, mas agir em nível local, principalmente no que diz respeito aos gases de efeito estufa que, emitidos em grande parte pelos combustíveis fósseis, há anos vêm destruindo os ecossistemas do planeta de forma insustentável.
“Esses gases se mantêm na atmosfera por longos períodos e, por isso, temos que encontrar novas formas de parar de emiti-los e também descobrir novas metodologias para retirar os gases que já estão na atmosfera. E nós já temos uma forma que vem em minha mente imediatamente, que é o estudo mais aprofundado sobre a biologia dos ecossistemas”, disse.
Nesse contexto, ele citou os estudos com as angiospermas modernas, além de novos fungos e bactérias capazes de retirar o CO2 da atmosfera e contribuir para o aumento da biodiversidade dos ecossistemas terrestres. “Está na hora de sermos mais pró-ativos e pensarmos o ecossistema em escalas cada vez maiores. Não dá mais para termos atitudes defensivas no que diz respeito à proteção dos nossos recursos biológicos.”
Lovejoy concluiu seu discurso fazendo comparações entre a capacidade científica e tecnológica instalada no Brasil e no mundo. “Cada vez que olho para os outros países e vejo os grandes líderes mundiais discutindo essas questões, sempre me lembro das afirmações de Rubens Ricupero, que coloca o Brasil no patamar de uma grande potência ambiental”, afirmou Lovejoy.
“As entidades científicas do Brasil estão entre as melhores do mundo e o país desenvolve estudos extremamente inovadores no setor dos biocombustíveis, por exemplo, que poderão garantir a proteção dos ecossistemas nos próximos anos. Mas volto a insistir que devemos prestar mais atenção às transformações na biologia do planeta para que ele continue sendo um lugar habitável nos próximos anos”, disse.
Lovejoy estuda a região amazônica há quatro décadas, residiu no Brasil por 17 anos e introduziu o termo “diversidade biológica” na década de 1990. O biólogo conservacionista foi cientista chefe e conselheiro da Instituto Smithsonian, vice-presidente executivo do World Wildlife Foundation (WWF-Estados Unidos) e membro de conselhos e comitês de ciência e meio-ambiente nas administrações dos presidentes norte-americanos Ronald Reagan, George Bush e Bill Clinton. (Assessoria de Imprensa da SBPC)

 

2 – O Brasil e sua biodiversidade, artigo de Alan Charlton

“O maior desafio no Brasil é o gerenciamento sustentável do uso da terra, o que inclui também a sustentabilidade do setor agrícola nacional”
Alan Charlton é embaixador do Reino Unido no Brasil. Artigo publicado na “Folha de SP”
O Brasil está emergindo no cenário global e pode ser mais que uma potência convencional. Ele abriga um quinto de todas as espécies conhecidas e dois terços das florestas tropicais existentes. Essa rica variedade de plantas e animais, ou a biodiversidade, pode fazer do Brasil uma potência verde.
O que é essa tal de biodiversidade? Em poucas palavras, é a vida que nos rodeia, de organismos que fertilizam o solo a florestas que fornecem chuva para regar culturas agrícolas. Essa complexa rede de vida nos nutre, nos veste e provê a base para nossas economias. Somos totalmente dependentes dela.
A biodiversidade está em risco. O mundo não conseguirá atingir a meta global de conter a perda de biodiversidade até 2010. Continuamos a perder espécies a taxas nunca antes vistas. Se formos reverter essa tendência, precisamos trabalhar contra os vetores de perda e transversalizar o tema em políticas públicas.
Muitas pessoas estão trabalhando para transformar esses desafios em oportunidades. Em recente visita ao Acre, vi como o Estado busca integrar crescimento econômico, proteção do meio ambiente e inclusão social. Vi a fábrica de preservativos feitos do látex de seringueiros locais, a produção de pisos e telhas com madeira certificada e projetos de geração de renda por meio da produção de castanhas e frutas – tudo sem desmatar ilegalmente.
Devemos continuar o trabalho para proteger a biodiversidade e os ecossistemas: fortalecer as áreas protegidas, avaliar a contribuição delas para nossas economias e apoiar pesquisa científica para entender melhor como conservá-los.
A preservação da biodiversidade e a estabilidade do clima são intrinsecamente ligadas, especialmente no Brasil. O chamado mecanismo de redução de emissões por desmatamento e degradação (REDD) poderá evitar emissões e ao mesmo tempo conservar a biodiversidade e reduzir a pobreza de pessoas que dependem diretamente das florestas para sua sobrevivência.
O maior desafio no Brasil é o gerenciamento sustentável do uso da terra, o que inclui a sustentabilidade do setor agrícola. Pesquisas de ponta da Embrapa e técnicas como o plantio direto prometem fortalecer a produção agrícola e promover ganhos ambientais. O desafio será fazê-lo ao mesmo tempo em que se protegem a Amazônia e o cerrado.
Vinte e dois de maio foi o Dia, e 2010 é o Ano Internacional da Biodiversidade. Datas importantes para que reflitamos sobre o valor que atribuímos aos frágeis ecossistemas da Terra. Eles estão sob ameaça. Ao ameaçá-los, estamos colocando em risco nosso bem-estar e nossa prosperidade.
Em outubro, no Japão, haverá a décima reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica. O Reino Unido espera que cheguemos a um acordo quanto a uma nova meta global de redução da perda de biodiversidade e ao estabelecimento de um regime internacional sobre acesso à biodiversidade e repartição dos benefícios que dela derivam.
Esperamos poder continuar trabalhando com o Brasil para assegurar a conservação e o uso sustentável da biodiversidade global. (Folha de SP, 23/5)

 

3 – Espécimes importantes escaparam das chamas em incêndio do Butantã

Milhares de cobras do acervo original – com 85 mil exemplares – foram recolhidos dos escombros por professores, alunos e bombeiros, entre eles alguns animais raríssimos
Uma semana após o incêndio que destruiu o Prédio das Coleções do Instituto Butantã, aumenta a esperança de que muitos exemplares importantes de cobras tenham escapado das chamas. Professores e alunos passaram os últimos dias resgatando o que puderam dos escombros. Milhares de espécimes foram recuperados do chão e de armários que não queimaram completamente. Alguns intactos, outros bastante danificados.
Isso, talvez, represente 5% da coleção original, que tinha próximo de 85 mil exemplares. O tamanho exato da perda só poderá ser calculado ao fim de uma triagem minuciosa, que levará meses para ser concluída. Mas sabe-se que algumas pérolas da coleção, ao menos, sobreviveram.
Como um dos únicos espécimes de Corallus cropanii, uma serpente raríssima da Mata Atlântica, parente da jiboia, da qual há apenas quatro exemplares conhecidos no mundo: três na coleção do Butantã e uma, que foi doada para o Museu Americano de História Natural, em Nova York.
Por sorte, um dos exemplares do Butantã estava emprestado para um pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Os outros dois, provavelmente, queimaram. “Essa escapou por pouco”, diz o biólogo Marcelo Duarte, do Laboratório de Herpetologia do Butantã. “Foi muita sorte mesmo.”
Duarte se lembra de quando um cortador de banana da região de Eldorado, no litoral sul de São Paulo, chegou ao instituto com uma Corallus cropanii nas mãos, em 2003. O bicho estava congelado, porque tinha ficado uma semana num freezer. O trabalhador matara o animal no mato e planejava fazer um cinto com ele. Mas seu patrão percebeu que não era um bicho comum e ordenou que o levasse para o Butantã. Em vez de virar cinto, a cobra morta a pauladas virou um dos espécimes mais raros do acervo do instituto.
“O bicho foi descongelando, todo mundo ficou olhando, e, quando percebemos que era uma Corallus cropanii, ninguém acreditou”, conta Duarte.
Outro bicho importante que escapou intacto do fogo foi o primeiro exemplar descrito (holótipo) de Bothrops alcatraz, ou jararaca-de-alcatrazes, que só existe numa ilha homônima do litoral norte paulista. Ele estava dentro de um armário fechado, do tipo compactador. A tampa do pote onde ele ficava guardado com álcool derreteu, mas o vidro não chegou a estourar.
Centenas de outros espécimes “tipo” (os mais importantes da coleção) que estavam no mesmo armário foram recuperados e agora estão armazenados em baldes e sacos, aguardando identificação. Entre eles está o espécime número 1.922, de Bothrops insularis, uma outra espécie rara de jararaca que só existe na Ilha de Queimada Grande, também no litoral norte paulista.
Uma consulta aos livros de registro da coleção (chamados “livros de tombo”) revela que o espécime foi coletado por Afrânio do Amaral, um ex-diretor do instituto, e catalogado no acervo em 10 de abril de 1920 – antes mesmo de a espécie ser descrita oficialmente, em 1921. Por isso, consta no livro como Bothrops insularis sp. n. (sigla de espécie nova). Uma inscrição em vermelho ao lado do nome indica que o espécime é um “parátipo”, um exemplar complementar ao holótipo que Amaral usou para descrever a espécie.
Registro
O “Estado de SP” teve acesso aos livros de tombo originais da coleção, que estavam guardados no prédio em frente ao que pegou fogo. Neles estão anotadas as informações básicas de cada uma das cerca de 85 mil cobras guardadas na coleção desde 1908. O primeiro registro é de uma cascavel (Crotalus terrificus) coletada em São Paulo pelo pesquisador francês R. J. Vellard, que colaborava com Vital Brazil. Não se sabe se o espécime sobreviveu ao incêndio.
O segundo bicho é também uma cascavel, só que de outra espécie (Crotalus horridus), coletada no então território de Indiana, nos Estados Unidos, e doada ao Butantã em 1908. Desta, os pesquisadores só acharam a etiqueta de aço, chamuscada, com o número 2 inscrito.
Cada bicho da coleção tinha uma dessas etiquetas presas ao corpo, identificando seu número de registro no livro de tombo. Essas informações serão cruciais para a reconstrução do acervo – ou do que sobrou dele.
“Alguns espécimes tombados correspondiam a espécies que provavelmente já não serão mais por nós coletadas, por causa da diminuição de populações em determinados biomas e até mesmo a extinção”, diz a bióloga Myriam Calleffo. “Muitas localidades representadas por espécimes da coleção também ficarão só nos registros de tombo, pois desapareceram com o tempo em cidades, fazendas e áreas inundadas por hidrelétricas.”
Os dois livros de tombo mais recentes, com registros de 2008 até agora, parecem ter sido queimados. “Estavam no prédio para serem digitados pela secretária”, lamenta Duarte.
Instituto aumentou demanda de energia e reestruturava rede
O Instituto Butantã havia decidido, em outubro do ano passado, duplicar a carga de energia e implantado geradores próprios para dar conta da demanda, que não podia ser toda atendida pela Eletropaulo.
Para o incremento, a rede elétrica, fora e dentro do prédio, passava por intervenções. “Em outubro (de 2009), o cliente nos procurou, avisando que estaria dobrando a demanda e que, para isso, precisava de uma adequação nos equipamentos externos. Queria que terminássemos em um prazo que não dava para atender”, explica William Fernandes, responsável pela regional sul da Eletropaulo.
Segundo ele, a principal preocupação era com a necessidade de produzir as vacinas contra a gripe, especialmente a da gripe suína, cuja campanha de imunização está em curso no país.
O Butantã, com o aumento da carga, passaria a ser comparável a um shopping grande, mas a empresa só podia garantir a metade da energia demandada.
Assim como outros clientes, o instituto decidiu então utilizar geradores a diesel e fazer as adequações internas necessárias, que são de responsabilidade inteira do cliente. A empresa apenas verificou se não iriam interferir em sua rede e seguiu com suas obras.
Na data do incêndio, a energia externa foi desligada para a conclusão dos trabalhos e liberação posterior para a cabine primária, quando a concessionária foi surpreendida pelo fogo na parte interna. “Não houve nenhum registro de ocorrência e nenhuma oscilação em nossa rede”, afirma Fernandes. Ele disse não saber se o grupo de geradores estava funcionando.
De acordo com o professor do Departamento de Energia da Unesp Guilherme Felippo Filho, que destacou estar falando em tese, o aumento da carga exige estudos e projetos e não é algo que se faça “do dia para a noite”, o que justifica a limitação da Eletropaulo. Já a geração própria de energia, que é rotina em muitas empresas, pede intervenções na rede interna. “Um incêndio é como queda de avião: nunca tem uma causa só”, disse ainda.
Sobrecarga
Segundo pesquisadores que atuam no instituto, enquanto a reestruturação elétrica ocorria, os prédios históricos estavam cada vez mais sobrecarregados eletricamente.
Dentro dos edifícios, parte deles tombados, estão máquinas potentes, laboratório inteiros, como o de farmacologia, no prédio da biblioteca, onde não é difícil perceber estabilizadores ligados em cascata.
Os fios expostos estavam também na área onde pegou fogo, também sobrecarregada eletricamente, segundo pesquisadores. Lá funcionavam, por exemplo, freezers, utilizados para guardar tecidos da coleção para pesquisas.
Segundo a promotora Eliana Passarelli, que cuida do caso, as mudanças na rede elétrica serão alvo de atenção. Procurado, o diretor do instituto, Otávio Mercadante, não concedeu entrevista. Disse apenas em nota que a Eletropaulo triplicou a cota da instituição.
“As cabines de energia do instituto recebem manutenção anualmente”, afirmou ainda o diretor. “Além disso, está sendo construída uma subestação de abastecimento com previsão de entrega até o final de 2010.” (Herton Escobar) (O Estado de SP, 23/5)

 

4 – Butantã: “Animais eram valiosos como obras de arte”, diz especialista

Curador do Museu de História Natural de Oklahoma, Laurie Vitt diz que o incêndio no Butantã é um desastre que não afeta apenas os brasileiros
“Essas espécimes da coleção do Butantã eram tão valiosas quanto obras de arte”, afirma Laurie Vitt, de 65 anos, curador da seção de répteis do Museu de História Natural de Oklahoma, nos Estados Unidos. Vitt fala com propriedade: ele passou longas temporadas no Brasil nas últimas três décadas, pesquisando e coletando serpentes.
O zoólogo trabalhou no país ao lado de nomes consagrados, como Paulo Vanzolini, e foi colaborador de instituições como Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB) e Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém do Pará.
Vitt conta que ficou arrasado ao saber do incêndio que consumiu quase toda a coleção do Instituto Butantã. “Foi um desastre. Não afeta apenas os brasileiros, mas gente do mundo todo que trabalha com cobras.”
O museu de História Natural onde Vitt trabalha fica no campus da Universidade de Oklahoma e é cercado de cuidados. O prédio onde estão as coleções – além das serpentes, há outros animais – custou US$ 44 milhões e foi construído há dez anos. Além de ter um sistema anti-incêndio sofisticado, o edifício tem temperatura, umidade e iluminação controladas e há restrições ao fumo próximo ao museu. “Fazemos periodicamente inspeção para a segurança contra incêndios.”
Vitt recebe um salário de US$ 100 mil por ano, assim como o outro curador da seção de répteis. O orçamento do museu, que inclui o pagamento de funcionários e verbas para manutenção, vem do Estado. “Funciona desse jeito em todo o país, mas também conseguimos captar dinheiro com as diversas exposições que fazemos.”
Segunda categoria. Vitt estranhou as críticas feitas pelo ex-diretor do Butantã Isaías Raw, de que a coleção do instituto não era importante. Mas afirmou que o descanso com coleções são comuns em muitos países, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, onde a importância é consagrada.
“Pessoas que não são cientistas às vezes pensam que as coleções não são importantes. E é difícil convencê-las do contrário.”
As coleções do Museu de História Natural de Oklahoma contam com um total de 3 milhões de espécies, incluindo mamíferos, peixes e pássaros. Parte da coleção de 50 mil répteis e anfíbios é originária da América do Sul, especialmente da Amazônia, região onde o zoólogo trabalhou durante anos.
No tempo em que esteve no país, fez amigos e orientou estudantes. Alguns foram com ele para a Universidade da Califórnia (UCLA), onde trabalhou como professor de Zoologia. Um de seus ex-alunos foi o professor de zoologia da UnB Guarino Colli, cujo nome consta no site do museu de Oklahoma como pesquisador associado. (Carolina Stanisci) (O Estado de SP, 23/5)

 

5 – Morte da memória científica, artigo de José de Souza Martins

“Na tragédia do Butantã apenas se repetiu o descuido que já levou à destruição de outros acervos em desastres de gravidade semelhante”
José de Souza Martins é professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.  Artigo publicado em “O Estado de SP”:
O incêndio no Butantã nos faz lembrar que ciência é, também, história da ciência. Nenhum cientista consegue pesquisar se não tiver em conta a memória de seu campo de pesquisa. É norma, aliás, que isso fique evidente nos projetos apresentados pelos pesquisadores às instituições científicas e às instituições de fomento. A pesquisa sem diálogo com o conhecimento acumulado no respectivo campo é chute, não é ciência.
Essa memória não está apenas nos fatos, nos documentos e nos objetos que em determinado momento serviram de base a análises, interpretações e descobertas. Ninguém se torna um cientista se não aprender com a história do saber como foi que os antecessores souberam, conheceram e descobriram.
O conhecimento que se adensa, se multiplica e atravessa gerações, que está nos arquivos, museus e bibliotecas, não é material de irrelevante ilustração do que só parece sério se for reduzido a um texto ou a uma fórmula sintética e atual. Há uma temporalidade peculiar na história da ciência que sua redução ao tempo presente desfigura e empobrece.
Isso vale não só em relação às cobras do Butantã, mas também em relação ao que sobre elas escreveram seus cientistas. Subestimar, depreciar e abandonar os acervos que registram, preservam e acumulam o saber vivo de muitas gerações mortas de pesquisadores e cientistas é renunciar à ciência. Descuidar dos acervos de arquivos, museus e bibliotecas é a morte do próprio conhecimento.
No Butantã apenas se repetiu descuido que já conhecemos. De cara, sem nenhum esforço especial de memória, lembro de quatro desastres ocorridos nos últimos 30 anos, de gravidade semelhante à do incêndio do Butantã. Um deles, de 2005, foi o incêndio que destruiu, em Franco da Rocha, o arquivo histórico do Hospital Psiquiátrico do Juqueri. Boa parte dos registros da história da nossa psiquiatria virou cinza. Materiais da maior relevância para o estudo comparativo da evolução e tratamento das doenças mentais entre nós perdeu-se em instantes.
Outro, foi num dia 2 de janeiro dos anos 1990, quando um temporal “vazou” para dentro da Biblioteca de Filosofia e Ciências Sociais da USP, na Cidade Universitária, verdadeira cascata caindo sobre os livros colecionados a duras penas desde a chegada da Missão Francesa que fundou a USP.
Em desespero, professores e funcionários tentaram remover o que podiam para os espaços abrigados. Levaram meses secando livros com velhos ventiladores. Não obstante, passaram-se muitos anos antes que a biblioteca viesse a ter adequado edifício no campus.
Um quarto desastre foi nos anos 1980, quando uma enchente do Rio Pinheiros, na Vila Leopoldina, inundou o pavilhão que o Tribunal de Justiça de São Paulo usava para abrigar o acervo de 200 anos do Arquivo do Judiciário. Arquivo vivo, é bom que se diga, pois diariamente ali encostavam os veículos que vinham buscar ou devolver os processos dos casos em julgamento.
Mais de um metro de água suja cobriu muitas centenas de processos, entre eles os 180 volumes do processo da Revolução de 1924. Um dos volumes era exclusivamente de fotografias, um documento visual da tragédia ocorrida em São Paulo. Aquele arquivo é fundamental para o estudo de questões sociais, referência de teses acadêmicas sobre temas fundamentais de nossa história social, como criminalidade e anomia social.
Milhares de papéis tiveram que ser enxugados em varais ao sol e com pequenos ventiladores, prosaica tecnologia de uma proteção indigente. Só há três anos o governo de São Paulo conseguiu entender-se com o tribunal para que o Arquivo do Estado fizesse a recuperação dos papéis de modo tecnicamente correto.
Entre nós, é costume dar prioridade ao imediato e desdenhar o passado que é integrante do presente. Tal prioridade é ideológica e só aumenta o risco em que se encontram as instituições de preservação da memória histórica do conhecimento. (O Estado de SP, 23/5)