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Informativo 208 – Aranhas, bactérias, fitoplancton e formigas

1 – Mais soro contra aranhas

2 – Bactérias do fundo do mar fazem grande rede elétrica

3 – Microrganismos marinhos são mapeados

4 – A lição das formigas contra o autoritarismo

 

1 – Mais soro contra aranhas

 

Pesquisadores do Butantan desenvolvem processo para facilitar produção de soro contra picadas de aranha-marrom, responsáveis por mais de 5 mil acidentes no país em 2009

A aranha-marrom (gênero Loxosceles) é pequena (cerca de 1 centímetro de comprimento) e pouco agressiva. Suas picadas ocorrem geralmente como forma de defesa, quando entram inadvertidamente em roupas ou calçados, por exemplo. Apesar disso, está longe de ser inofensiva.

No ato da picada, na maioria das vezes não há dor. Mas depois de cerca de 12 horas ocorre um inchaço na região afetada e febre. Com o avanço, e sem tratamento, o veneno pode causar necrose do tecido atingido, falência renal e até mesmo morte.

De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, em 2009 foram registrados 85.718 casos de acidentes com animais peçonhentos no Brasil, dos quais 17.474 com aranhas. Dos acidentes com aranhas, os casos envolvendo espécies de aranha-marrom responderam por um terço (5.728) do total.

O Butantan produz um soro para picadas de aranha-marrom, mas há considerável dificuldade para se obter o veneno usado na produção. “Como as aranhas são pequenas, o que se consegue de veneno é pouco. São necessárias centenas de exemplares para se produzir o soro”, disse Denise Vilarinho Tambourgi, diretora técnica do Laboratório de Imunoquímica do Instituto Butantan, à Agência Fapesp.

Pesquisadores do instituto acabam de dar um importante passo para tentar diminuir o problema, ao isolar o gene responsável pela fabricação da toxina esfingomielinase D, principal componente tóxico do veneno da aranha-marrom.

Estudos conduzidos desde 1997 no Butantan haviam conseguido avançar na decifração dos principais componentes do veneno e como ele atua no organismo infectado. Agora, a equipe do Laboratório de Imunoquímica conseguiu inserir um gene da aranha em Escherichia coli, desenvolvendo um processo para a produção, em larga escala, da esfingomielinase D, por meio da bactéria – e não da própria aranha. A novidade poderá facilitar a produção do soro antiloxoscélico, empregado contra o veneno de aranha-marrom.

“Vários resultados mostram que o veneno da aranha-marrom tem um componente central, a esfingomileinase D, responsável pelos principais sintomas clínicos. Com base nisso, conseguimos isolar e introduzir o gene que codifica para essa toxina em bactéria. Para outros venenos, tal processo talvez não seja aplicável, uma vez que os venenos animais são, em geral, misturas complexas contendo várias toxinas, responsáveis pelos sintomas clínicos apresentados nos diferentes envenenamentos”, disse Denise, que atualmente também desenvolve o projeto “Erucismo decorrente do contato com lagartas de Premolis semirufa (Lepidotera, Arctiidae)”, que tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.

Os soros utilizados atualmente neutralizam as toxinas em circulação no organismo humano, mas não são muito eficazes para tratar lesões na pele – o veneno da aranha-marrom causa, na maioria dos casos, lesão local. “Essa lesão é de difícil resolução e pode levar meses para cicatrizar. Em alguns casos, os pacientes chegam a precisar de implantes”, apontou.

Como a picada da aranha-marrom é indolor e a reação local não se manifesta imediatamente, as vítimas só procuram ajuda quando a lesão na pele está instalada. “A necrose dos tecidos não é mais uma consequência do veneno, mas de uma cascata de reações do próprio organismo, acionadas pelas esfingomielinases D”, explicou Denise.

Fora a lesão local, há também a possibilidade de o paciente desenvolver um quadro sistêmico, que acomete um número menor de pacientes, mas que quando ocorre pode ser extremamente grave, levando inclusive à morte.

“O indivíduo pode ter hemólise intravascular e, em casos muito graves, isso pode causar danos renais e, em última instância, o óbito. Mas os quadros variam de acordo com a espécie e idade de aranha, local da picada ou se foi macho ou fêmea. Há ainda as características da vítima, como características genéticas e nutricionais ou idade. Tudo isso influencia”, disse.

As três espécies de aranhas-marrons (L. gaucho, L. intermedia, L. laeta) estão bem adaptadas ao cenário intradomiciliar. A L. gaucho é mais comum em São Paulo, enquanto as outras duas ocorrem mais no Sul do país, no Paraná e em Santa Catarina, respectivamente. O soro produzido utilizando as esfingomielinases D obtidas por meio da E. coli é eficaz contra o veneno das três espécies.

Testes em humanos

Após isolar o gene responsável pela produção da toxina esfingomielinase D, os pesquisadores do Butantan inseriram anéis de DNA (plasmídeos) com o gene da aranha em bactérias Escherichia coli, que começaram a produzir a toxina.

A esfingomielinase D foi inicialmente administrada em camundongos e coelhos, para a produção de anticorpos que serviriam como matéria-prima do soro. Em seguida, os testes foram feitos em cavalos.

“Isolamos os anticorpos produzidos pelo animal para a produção do soro. Em seguida, comparamos esse soro experimental com o que se utiliza na terapêutica humana e vimos que tal soro era capaz de neutralizar o veneno total”, disse Denise.

No novo processo as bactérias substituem as aranhas para a obtenção das toxinas. Os pesquisadores clonaram, na E. coli, os genes responsáveis pela toxina de duas das espécies de aranha-marrom: a L. intermedia, comum no Paraná, onde ocorre a maior parte dos acidentes no país, e a L. laeta, mais venenosa e presente em vários países latino-americanos.

A próxima etapa da pesquisa é o teste do soro em humanos. Para isso, será necessário produzir três lotes consecutivos de soro antiloxoscélico. “Para a última fase, o ensaio clínico, precisaremos da autorização da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Nossa expectativa é que até o fim do ano esses três lotes de soro estejam prontos”, disse.

Um dos estudos relacionados à aranha-marrom e realizado no âmbito do projeto coordenado por Denise é o de Daniel Manzoni de Almeida, intitulado “Análise do potencial neutralizante de um novo soro antiloxoscélico produzido contra esfingomielinases recombinantes dos venenos de aranhas Loxosceles e que teve apoio da Fapesp na modalidade Bolsa de Mestrado. (Alex Sander Alcântara, Agência Fapesp, 25/2)

 

2 – Bactérias do fundo do mar fazem grande rede elétrica

 

Estudo dinamarquês achou bateria de micróbios no oceano pela primeira vez

Imagine duas pessoas que estão a 20 km de distância uma da outra, uma comendo sem respirar, outra só respirando sem comer – e ambas mantidas vivas por uma corrente elétrica entre elas. A comparação dá uma ideia da surpreendente rede elétrica montada por bactérias do fundo do mar, que acaba de ser flagrada pelos cientistas, embora ela tenha apenas 12 milímetros de extensão.

O fenômeno é “verdadeiramente espantoso”, disse o pesquisador Kenneth Nealson, da Universidade da Califórnia, em comentário sobre a descoberta na revista “Nature”. “Para um humano, 12 milímetros não parecem ser uma distância tão grande. Mas, para uma bactéria, isso significa 10 mil vezes o comprimento de suas células, equivalente a 20 km em termos humanos”, escreveu.

A comparação com pessoas não é tão maluca assim, pois “comer” e “respirar” são atividades que elas compartilham com bactérias aeróbicas.

Seres vivos obtêm energia a partir de comida, “queimada” com o oxigênio da respiração. Elétrons da comida são transferidos ao oxigênio nesse processo. A equipe chefiada por Lars Peter Nielsen, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, mostrou que bactérias separadas por longas distâncias transmitem elétrons entre si.

Eles coletaram sedimentos do fundo da baía de Aarhus e fizeram experimentos, quando descobriram a inusitada cooperação entre bactérias na superfície dos sedimentos e outras em camadas mais abaixo.

As bactérias do fundo “comem” substâncias orgânicas e sulfeto de hidrogênio em uma região sem oxigênio, o qual se concentra na água imediatamente acima dos sedimentos. De algum modo, os elétrons produzidos no fundo sobem para reagir com o oxigênio.

Os experimentos mostraram que, nas amostras sem oxigênio na superfície dos sedimentos, o sulfeto de hidrogênio no fundo era “comido” de modo mais lento, acumulando-se. Quando se voltava a adicionar oxigênio, caíam os níveis do sulfeto.

“Vimos como processos usando oxigênio eram ligados ou desligados a uma boa distância no fundo do mar quando adicionávamos ou removíamos oxigênio na superfície. Entretanto, nós sabíamos que esse oxigênio nunca chegava ao fundo até as bactérias que o usavam. Era impossível resolver esse paradoxo até que surgiu a ideia maluca que o fundo do mar está entrelaçado com fios elétricos naturalmente gerados”, declarou Nielsen.

Ou seja, todas as bactérias envolvidas obtêm energia, umas só “comendo”, outras só “respirando”, ligadas por correntes elétricas e criando uma espécie de “biogeobateria”.

O próximo passo é descobrir como são feitas as conexões, que podem ser importantes para a formação e a reciclagem dos sedimentos marinhos.(Ricardo Bonalume Neto). (Folha de SP, 26/2)

 

3 – Microrganismos marinhos são mapeados

 

Pesquisas publicadas na “Science” mostram distribuição de fitoplâncton pelo planeta e destacam importância na fixação de nitrogênio e o sequestro de carbono

Microrganismos são os maiores produtores primários (que realizam fotossíntese) nos oceanos do planeta e suas atividades biológicas influenciam enormemente os processos químicos terrestres.

Dois estudos independentes, ambos publicados na edição desta sexta-feira (26/2) da revista “Science”, ajudam a entender como as plantas microscópicas contidas no plâncton marinho estão distribuídas pelo mundo e como elas contribuem para um processo fundamental, a fixação do nitrogênio nos oceanos.

Em um dos artigos, Andrew Barton e colegas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, investigaram como a abundância de microrganismos nos oceanos muda conforme a latitude.

Os pesquisadores montaram um modelo da circulação marinha global para estimar a dinâmica das populações de fitoplâncton. O grupo verificou que, assim como ocorre na maioria das maiores criaturas terrestres, os microrganismos marinhos têm mais espécies representadas nas regiões tropicais do que próximo aos polos.

O modelo desenvolvido no MIT ressalta os padrões dessa distribuição, indicando que a maior parte de espécies de fitoplâncton se encontra em zonas de latitudes médias. Por outro lado, menos espécies, mas mais indivíduos, residem em latitudes mais altas.

O novo modelo também indicou hotspots (áreas mais importantes) de diversidade associados com áreas nas quais há correntes mais fortes, o que poderá ser explorado por futuros levantamentos metagenômicos, feitos a partir da análise genômica da comunidade de microrganismos em determinada região. No outro artigo publicado na “Science”, Pia Moisander, da Universidade da Califórnia

 

4 – A lição das formigas contra o autoritarismo

 

Seja na sociedade humana, seja no mundo das formigas, mais importante do que implementar decisões de cima pra baixo, é desencadear mecanismos que, pela sua própria natureza, promovam a auto-organização. Para tanto, não custa ver o exemplo da inteligência da natureza, através das formigas, dando uma mãozinha na compreensão da complexidade do comportamento da natureza humana.
Nenhuma pedra no meio do caminho é impedimento para a formação da trilha das formigas. Os caminhos das formigas acontecem. Não resultam de um plano prévio, de nenhuma intencionalidade e, de nenhuma “ordem” proveniente de qualquer demiurgo. Na verdade, cada formiga não faz mais do que agir sobre a sua pequena e limitada vizinhança sem nunca se dar conta da trilha que vai surgindo.
Com as formigas, a alteração ambiental é realizada através de um mecanismo de deposição de feromona. A formiga que se desloca aleatoriamente vai deixando um rastro de feromona que lhe permite encontrar o caminho de volta para o ninho. A sinergia ocorre quando uma entidade independente, possuidora de uma inteligência própria, desencadeia um estímulo noutros indivíduos, gerando assim um comportamento coletivo.
Nos mamíferos, o mapa cognitivo está na mente do indivíduo; mas, nos insetos sociais – que ‘desenham’ as suas memórias espaciais diretamente no ambiente – o mapa é coletivo. O formigueiro é considerado como uma entidade independente, uma forma de vida de nível superior, possuidora de uma inteligência própria que pode ser considerada de inteligência coletiva.
Por experiência, dois grandes obstáculos para uma inteligência coletiva nos humanos são a imprecisão da linguagem e os jogos de poder que favorecem as hierarquias. Herbert Simon chama isso de racionalidade limitada. Num grupo, a comunicação é sempre deficiente, pois normalmente, se privilegiam as idéias dos chefes e se desvaloriza a contribuição dos subordinados. É assim que se dá geralmente nos partidos políticos, aqui e alhures.
O resultado é que ninguém individualmente consegue a atenção devida, por mais inteligentes que sejam as suas sugestões’. O grupo pode ser mais inteligente do que os indivíduos que o compõem. Se pensarmos na melhor solução para um determinado problema numa comunidade política, o exemplo do formigueiro é singular.
Pequenas formigas estúpidas descobrem depressa o caminho mais curto entre dois pontos. Logo todo o formigueiro estará fazendo o caminho mais curto. O formigueiro é muito mais inteligente do que cada formiga isolada ou do que a soma da inteligência de todas as formigas.
Na sociedade humana podemos considerar a própria vida política, a felicidade, a erradicação da miséria, a produção cultural, a organização econômica ou a educação como problemas que se resolvem a partir de regras locais.
Tais problemas, pela sua complexidade, exigem uma inteligência coletiva (e, portanto, não hierarquizada), capaz de produzir uma solução que naturalmente será mais inteligente e criativa do que a soma das capacidades individuais.
Assim, para que auto-organização seja possível na sociedade humana é fundamental desconstruir o autoritarismo dos sistemas de dominação hierárquica. E, essa desconstrução, por exigência da sua coerência interna, não pode, por si própria , resultar de um processo antidemocrático como é de praxe no mundo político. Fonte: Carlos Alberto Fernandes, Economista e professor da UFRPE