1 – Rio+20: Cientista alerta sobre desaparecimento dos mangues do Brasil
2 – Temperatura na Amazônia pode subir 6˚C
3 – Falta de foco marca documento final da Rio+20
1 – Rio+20: Cientista alerta sobre desaparecimento dos mangues do Brasil
Essenciais para a produção de frutos do mar, água doce e aves, os mangues – áreas de florestas inundadas pelas marés – estão desaparecendo no Brasil em decorrência do desmatamento das florestas e poluição dos mares. O alerta é de Flavia Mochel, professora da Universidade Federal do Maranhão, durante a palestra sobre o tema “O Mangue está na lama”, em uma alusão à grave situação em que se encontram os mangues. Promovido pela SBPC, o evento foi realizado ontem (20), no Armazém 4, do Pier Mauá, zona portuária do Rio de Janeiro, durante a Rio+20.
Segundo estima a pesquisadora, cerca de 50%, em média, dos mangues brasileiros estão comprometidos na maioria das capitais do País.
Também presidente da Comissão Técnica sobre Manguezais e representante da SBPC, Flavia alerta sobre a importância de conservar os manguezais que são fontes de emprego e renda gerados pela produção de várias espécies de peixes e frutos marinhos, como caranguejos, moluscos, siri, marisco, ostra e camarão, dentre outros. Produzem também alimentos para aves, como o guará, cujos ninhos são feitos no alto das árvores à beira dos manguais e lamaçais litorâneos. Segundo ela, a destruição do mangue interfere em toda cadeia econômica gerada pelos manguezais.
“Os mangues produzem muitos frutos, não necessariamente frutos do mar. Quando os mangues são destruídos se destrói também a produção de frutos do mar. Isso afeta a economia, provocando desemprego em várias classes de trabalhadores deste País.”, disse ela, para uma plateia composta de estudantes, cientistas e pesquisadores.
Nascida no Rio de Janeiro, a pesquisadora declarou que o guará foi extinto na cidade na década de 1960 e o caranguejo corre o mesmo risco de extinção diante da poluição marítima, desmatamento, erosão e habitação em áreas irregulares. Essa tendência é seguida pelos litorais de São Paulo (Santos) e Salvador. No Maranhão, onde concentra a maioria dos mangues do Brasil, há uma redução significativa dessas áreas úmidas, segundo alertou. Conforme ela, os mangues são os ecossistemas mais vulneráveis às alterações climáticas.
Código Florestal – De acordo com Flavia, tal situação pode ser agravada pela nova Legislação Ambiental do Brasil que estabelece percentuais de desmatamento de áreas florestais preservadas, abrindo margem para o desmatamento legalmente de mangues. Reforçando a opinião de outros cientistas, ela destaca que os mangues são Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Ela considera um absurdo o texto do Código Florestal, em andamento, permitir, nas áreas dos manguezais, a construção de tanques para o cultivo predatório de espécies exóticas de camarão para atender ao mercado, permitindo a destruição dos outros frutos marinhos. “Essa não é uma produção de alimentos sustentáveis”, disse. (Viviane Monteiro – Jornal da Ciência)
2 – Temperatura na Amazônia pode subir 6˚C
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas também prevê a diminuição das chuvas a quase a metade, pondo o bioma em risco.
A temperatura na Amazônia deve aumentar de 5º a 6ºC até o fim do século, segundo projeções do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC). O primeiro relatório de avaliação nacional do PBMC prevê ainda uma redução de 40% a 45% das chuvas na região amazônica no mesmo período, indicando que modificações de clima “podem comprometer o bioma”.
O estudo aponta tendência de aumento das chuvas apenas para o Pampa e a porção sul-sudeste da Mata Atlântica, principalmente de São Paulo ao Rio Grande do Sul. As projeções mais graves foram feitas para Amazônia, Caatinga e Cerrado. O climatologista Tércio Ambrizzi, da Universidade de São Paulo, que coordenou a pesquisa, disse que análises regionais tendem a ser mais precisas do que modelos de grande escala, destacando a controvérsia em relação à incerteza que envolve resultados de simulações sobre o aquecimento do clima.
O relatório será apresentado hoje (21) no auditório da Coppe/UFRJ no Parque dos Atletas, durante o evento “O Futuro Sustentável”, que integra a Rio+20. O trabalho completo terá outros dois volumes até outubro. “Mais preocupante do que o dado em si [de aquecimento do clima em cada bioma] é a cadeia de efeitos que isso acarreta”, diz Suzana Kahn, presidente do comitê científico do PBMC e subsecretária de Economia Verde do Rio. Segundo ela, apesar da falta de “certeza absoluta” em relação aos efeitos do aquecimento, isso não significa que se deve postergar a ação.
O estudo destaca o “inegável sucesso” brasileiro na recente redução da área desmatada na Amazônia, de 27.000 km² em 2004 para 6.200 km² em 2011. Mas chama a atenção em relação a “como a área desmatada continuará a decrescer” até que o Brasil atinja as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa assumidas oficialmente. De acordo com a análise, caso o desmatamento alcance 40% na região, são esperadas “mudanças drásticas” no ciclo hidrológico, prolongando a duração da estação seca.
A projeção mais crítica para a região amazônica seria a chamada “savanização” da parte leste da floresta. “Uma mudança tão profunda na vegetação acarretaria perdas significativas nos estoques de carbono, tanto do solo como da vegetação. Além das perdas de carbono, outras mudanças poderiam resultar num colapso da floresta”, aponta o estudo.
Ambrizzi disse que este é um cenário extremo. “Pode ser mais intenso, como mostra o estudo, ou pode ser um pouco menos, com uma variação menor. Mas mesmo assim haveria uma modificação do bioma.”
No caso da Caatinga, a projeção é de temperaturas mais altas entre 3,5˚ e 4,5˚C, além do agravamento do déficit hídrico do nordeste, com as chuvas caindo de 40% a 50%. No Cerrado, a temperatura aumentaria entre 5˚ e 5,5˚C, e a distribuição de chuva teria uma redução de 35% a 45% até 2100.
O relatório ressalta a vulnerabilidade de grandes cidades às mudanças nos padrões de chuva, por falta de investimentos em infraestrutura para evitar enchentes e deslizamentos de encostas. Poucas cidades têm uma série histórica de dados de precipitação pluviométrica.
Ambrizzi destaca a necessidade de ampliação da rede de observação e do número de pesquisadores no País. Segundo ele, apesar das lacunas e incertezas relacionadas às projeções sobre mudanças do clima, as tendências apontadas pelo relatório são consensuais.
Presidido por Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o PBMC foi criado em 2009 e reúne 250 especialistas de universidades e institutos de pesquisa do País. O relatório segue o modelo usado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU. As projeções de cenários futuros do clima levam em conta mudanças no uso da terra ou nas concentrações de gases de efeito estufa.
Para o diretor da Coppe e secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luiz Pinguelli Rosa, o grande mérito do relatório é “dar o estado da arte do conhecimento científico, olhando para dentro do Brasil”.
O documento, segundo ele, aponta a gravidade potencial do problema. “A ciência, no fundo, trabalha com a ideia da evolução permanente. Nunca estabelece uma verdade definitiva. Ainda mais numa área como o clima”, disse Pinguelli. Segundo ele, as incertezas são maiores em relação aos padrões de chuva. “A regionalização dos estudos é uma contribuição importante”. (O Estado de São Paulo)
3 – Falta de foco marca documento final da Rio+20
O resultado final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que se encerra no Rio de Janeiro nesta sexta-feira (22), será um documento sem foco, que não atende à urgência dos problemas enfrentados pelo mundo, segundo análise de Celso Lafer.
Ainda assim, segundo o presidente da Fapesp, a conferência poderá contribuir com uma atmosfera que estimule no futuro, em um contexto político mais favorável, a tomada de medidas concretas para a sustentabilidade global. “O documento final é difuso, não tem foco e se baseia em um mínimo denominador comum. Na melhor das hipóteses, coloca em andamento processos que serão mais ou menos bem-sucedidos no futuro”, disse Lafer.
A falta de foco do documento, segundo Lafer, é o preço que se pagou para que fosse possível chegar a um consenso durante a conferência. De acordo com Lafer, o documento não deverá mais ser modificado pelos chefes de Estado que participam da cúpula. “Compreendo o que levou a esse documento. O país sede não desejava que a conferência se encerrasse sem um consenso, por isso os negociadores brasileiros chegaram a esse mínimo denominador comum”, afirmou.
Na prática, o documento não é capaz de lidar com as urgências do presente e ficou muito aquém das expectativas. “O governo vai dizer que conseguiu um consenso que abre processos e preserva as conquistas feitas até agora. É possível de fato que o documento tenha o mérito de manter em evidência as questões que serão retomadas em um contexto político mais favorável no futuro. Mas, se olharmos as urgências que estão em jogo, vamos ver que o documento está aquém das expectativas e das necessidades da humanidade”, disse Lafer.
Na avaliação do presidente da Fapesp, as principais explicações para as limitações da Rio+20 são o contexto internacional negativo e a demora do governo brasileiro em priorizar a temática da conferência. “Além da crise econômica e política mundial, temos essa nova multipolaridade no cenário da política internacional que até agora não foi capaz de levar a uma ordem global mais estável. A reformulação do sistema financeiro não está resolvida, as negociações comerciais de Doha estão estagnadas, há tensões consideráveis no Oriente Médio. Por outro lado, temos um país que dedicou à Rio+20 uma prioridade muito menor do que a que foi dada à Rio-92. O governo só passou a se dedicar recentemente à conferência”, afirmou.
Diretamente envolvido com a organização da Rio-92, como então ministro das Relações Exteriores, Lafer afirma que a conferência se beneficiou de um contexto internacional e um contexto interno favoráveis à sua realização. “No plano internacional, o contexto era o do fim da Guerra Fria. Foi a primeira conferência que não se organizou em termos dos temas Norte-Sul e Ocidente-Oriente, mas sim em termos do desafio da cooperação de uma razão abrangente da humanidade. O clima era favorável”, disse.
No plano interno, o sentimento público de valorização do tema ambiental, que havia sido incluído na Constituição Federal de 1988, uniu-se à prioridade absoluta dada à Rio-92 pelo governo de Fernando Collor de Mello, que buscava elevar o patamar da presença internacional do Brasil. “O governo organizou muito bem a preparação da conferência, mostrou interesse no meio ambiente, indicando José Lutzenberger para a secretaria do Meio Ambiente, instruiu o Itamaraty e organizou um comitê interministerial para tratar do assunto. Quando assumi o ministério, ficou claro que o tema teria prioridade total. Na Rio-92, cabia ao Brasil catalisar os consensos e ter uma visão proativa. Criamos oito grupos negociadores, com grandes quadros da diplomacia”, disse Lafer.
A organização, segundo Lafer, permitiu resultados concretos para a Rio-92, como a criação da Convenção do Clima e da Convenção da Biodiversidade. “Além do pilar ambiental, chegamos a bom termo também quanto à abrangência do conceito de desenvolvimento sustentável, com a Agenda 21. A Declaração do Rio, documento final da conferência, tem muitos méritos, entre eles explicitar que o meio ambiente tem que ser internalizado no processo decisório”, afirmou Lafer.
A conferência conseguiu, segundo ele, imensa mobilização da opinião pública, envolvendo ativistas, organizações não governamentais e cientistas, colocando os temas do meio ambiente de forma duradoura na pauta internacional. “Talvez o ponto em que a Rio+20 mais se aproximou da Rio-92 seja essa participação da sociedade nos eventos paralelos, incluindo a dimensão da ciência”, disse Lafer, referindo-se ao “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, realizado entre os dias 11 e 15 de junho no Rio de Janeiro.
As negociações que envolvem o problema socioambiental, segundo Lafer, são intrinsecamente complexas, tanto do ponto de vista técnico e científico como na perspectiva diplomática. “Alguns dos maiores avanços nesse tipo de negociação ao longo da história tiveram contribuição decisiva da ciência”, disse.
O tema do meio ambiente, segundo ele, passa por um conhecimento especializado. A Convenção do Clima, por exemplo, assinada na Rio-92, não seria possível sem o lastro do trabalho realizado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que detectou fenômenos como o efeito estufa. “Talvez o ponto de partida dessa relação entre conhecimento e negociações diplomáticas tenha sido a percepção científica sobre o que estava acontecendo com a camada de ozônio, no fim da década de 1980. Essa percepção levou à Convenção de Basileia, que entrou em vigor em 1992”, disse Lafer.
A Conferência de Estocolmo, em 1972 – a primeira cúpula a tratar de temas ambientais -, também foi influenciada no plano das ideias por um relatório sobre os limites do crescimento econômico patrocinado pelo Clube de Roma. “O mérito daquela conferência foi realçar a fragilidade dos ecossistemas dentro dos quais estamos todos inseridos”, disse.
Já a Rio-92, segundo Lafer, beneficiou-se do Relatório Brundtland. O documento publicado em 1987 estabeleceu o conceito abrangente de desenvolvimento sustentável. Seu desdobramento levou à percepção global de que a questão se apoia não só sobre um pilar ambiental, mas também sobre os pilares econômico e social.
No entanto, devido à complexidade das negociações diplomáticas na área ambiental, não é nada trivial fazer com que o conhecimento científico se consolide como fundamento dos acordos internacionais. “Em épocas de crise, os países se confrontam com contingências e urgências políticas de curto prazo. O desenvolvimento sustentável, por outro lado, incorpora uma noção de sustentabilidade para as gerações futuras, por isso é sempre um problema em longo prazo. O tempo da pesquisa também é um tempo mais longo, assim como o tempo diplomático, que requer consensos. Por isso é compreensível que as negociações tenham essas grandes dificuldades”, disse Lafer.
Antropoceno – O presidente do Conselho Internacional de Ciência (ICSU, na sigla em inglês), Yuan-Tseh Lee, defendeu que é preciso estabelecer um novo contrato entre a ciência e a sociedade para que seja possível avançar rumo à sustentabilidade global.
O discurso realizado por Lee na quarta-feira (20), primeiro dia da cúpula de alto nível da Rio+20, sintetizou o resultado dos debates realizados pela comunidade científica internacional no “Forum on Science, Technology and Innovation for Sustainable Development”, organizado pelo ICSU – que é considerado o representante oficial da comunidade científica pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo Lee, a entrada no Antropoceno – era na qual as atividades da sociedade humana dominam o planeta – representa um desafio sem precedentes, envolvendo mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição generalizada. “Em nome das sociedades de ciência e tecnologia, conclamamos os líderes mundiais a agir imediatamente. Do contrário, haverá um aumento do risco de mudanças irreversíveis na biosfera, que solapará a sustentabilidade da vida sobre a Terra”, disse.
As pesquisas, segundo Lee, mostram que a resposta aos desafios do Antropoceno exige uma transformação sistêmica que deve ter apoio no conhecimento e da inovação. “Uma pesquisa mais integrada irá gerar o conhecimento que a sociedade precisa para aperfeiçoar a interface entre ciência e política nos processos decisórios. Faço um apelo por um novo contrato entre ciência e sociedade. Não há tempo a perder, temos que agir conjuntamente”, disse.
Ciência + sociedade – Em visita à Fapesp, também no dia 20, o conselheiro-chefe para Assuntos Científicos do Gabinete de Ciência e Tecnologia do Reino Unido, Sir John Beddington, afirmou que a comunidade científica chegou à Rio+20 com uma mensagem clara e bem consolidada. “Com exceção das incertezas pontuais que sempre caracterizam os temas científicos, quase não há dissensos na comunidade internacional de cientistas sobre questões-chave como segurança alimentar, segurança hídrica, biodiversidade, serviços ecossistêmicos ou a própria mudança climática. Esse consenso universal foi bem apresentado na Rio+20”, disse.
No entanto, segundo Beddington, para que possa influenciar a agenda mundial após a conferência, a comunidade científica precisará trabalhar em conjunto com outros setores da sociedade e contar com a vontade política dos tomadores de decisão. “Acho que o consenso científico influenciará muito na agenda mundial, mas não agirá sozinha e sim em conjunto com a sociedade civil e os governos. Essa é a verdadeira importância do evento. Uma conferência internacional com tantos países e delegados de diversos segmentos participando é uma razão para ter esperanças”, disse.
A tarefa, entretanto, é extremamente difícil, envolvendo questões profundamente complicadas e ao mesmo tempo urgentes, como grande crescimento da população e da urbanização, escassez de recursos e crise energética e ambiental.
“Será preciso contar com muita vontade política. Não podemos garantir que a conferência tenha um sucesso concreto, mas nosso papel é aconselhar. O governo britânico certamente vê nessas questões-chave uma enorme importância para o futuro do mundo”, afirmou Beddington. (Agência Fapesp)