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Informativo 516 – Reserva natural e US$ 100 bi ao ano

1 – Reserva natural

2 – Custo do aquecimento global na América Latina é de US$ 100 bi ao ano, diz BID

 

1 – Reserva natural

 

Não é de hoje que a fartura de terras agricultáveis, diversidade de paisagens, água, clima favorável, biodiversidade e insumos minerais destaca o País como detentor de reservas estratégicas para o futuro. Diante das mudanças climáticas, das regulações internacionais e da busca por produção sustentável, surge uma questão-chave: como transformar o patrimônio natural em diferencial na economia de baixo carbono?

“Esta terra me parece que da ponta que mais contra o Sul vimos até à outra ponta que contra o Norte vem será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque não podíamos ver senão arvoredos. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira (a terra) é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo”.

 

O interesse pelos estoques naturais do Brasil já constava na carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal em 1 de maio de 1500. Pau-brasil, ouro, cana-de-açúcar e depois café, cultivados à base da derrubada de floresta, abasteceram os cofres da corte. Financiaram a ocupação do território e, mais tarde, o nascimento das primeiras indústrias.

 

A vitrine brasileira ganha visibilidade no Dia Mundial do Meio Ambiente, data para a qual a ONU definiu o tema “Economia Verde: Ela te inclui?” e escolheu o País como sede das comemorações – poucos dias antes da Rio+20, o encontro global no Rio de Janeiro que poderá apontar os rumos do desenvolvimento sustentável. O País tem dimensões continentais e é dono da sexta maior economia do mundo. E também de um terço das florestas tropicais, 20% das espécies da fauna e flora, 17% da água doce e 8 mil km de mar, além do potencial de ventos e insolação para gerar energia limpa.

 

“Temos vantagem comparativa, mas não competitiva, sendo urgente precificar os ativos desse patrimônio, para que esses recursos, assim valorados, sejam incorporados pelo sistema econômico e pelos processos de decisão, regulação e incentivos”, afirma a economista Clarissa Lins, da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS).

 

“Na universidade aprendi que recursos naturais são infinitos e por isso não têm preço, mas hoje a percepção da escassez é muito clara”, diz. Ela afirma que a pressão é crescente para a inserção dos serviços ecossistêmicos nas contas, base para a criação de novos mercados, como já ocorre com o carbono. “O atual aparato de leis e indicadores não é seguro o suficiente para pesquisas e investimentos no capital natural.”

 

Estão em jogo vantagens no cenário global, onde nos próximos 25 anos perto de três bilhões de novos consumidores de classe média pressionarão com mais intensidade os recursos do planeta, já exauridos a uma taxa 50% superior à sua capacidade de renovação natural, segundo a ONU. Dados de uma recente pesquisa mundial da consultoria McKinsey indicam que o consumo de aço deverá aumentar 80% até 2030, o que significa necessidade de mais áreas de mineração e de carvão para o ferro-gusa. Cerca de US$ 1,1 trilhão já é dispensado anualmente como subsídio para a extração de recursos e, segundo o estudo, será necessário mais US$ 1 trilhão por ano de investimentos adicionais na busca de matéria-prima para atender a demanda.

 

Se por um lado há oportunidades no horizonte, por outro existem riscos de perdas de capital natural nos países com economia baseada em produtos primários, como o Brasil, onde a destruição ambiental está associada aos preços das commodities, que desde a virada do século subiram no mundo 147% – consequência do apetite dos emergentes, de acordo com o relatório. Melhorias de produtividade, utilizando a tecnologia existente, poderiam satisfazer um terço da demanda em 2030, significando que o mundo precisará aumentar a escala da extração de insumos naturais.

 

Estima-se que o capital necessário a cada ano para o financiamento de uma revolução tecnológica verde, incluindo a urgência climática, passará de US$ 3 trilhões. Nos próximos 20 anos, conclui o estudo, o acesso aos recursos naturais será o centro das políticas públicas e na estratégia dos negócios – e quem guardar estoques estará na linha de frente.

 

“Mas a vantagem brasileira não deve ser justificativa para a inércia”, adverte o economista José Eli da Veiga, da Universidade de São Paulo. Em sua análise, o Brasil está entre os países de maior “biocapacidade”, situação de conforto que tem levado a “pouco esforço em inovar e à demora na busca por soluções, diferentemente do que acontece em países pressionados pelo risco da escassez”. Ele cita o exemplo do Japão e da Coreia do Sul, que investem em educação e usaram a crise financeira internacional para uma guinada na direção da economia verde. Nos Estados Unidos, o presidente Barak Obama condicionou o apoio financeiro às montadoras ao aumento da eficiência dos motores. “No Brasil, a visão é imediatista e pacotes de incentivos ao crédito e ao consumo não incluem itens de sustentabilidade”, critica Veiga.

 

“Trabalhamos um novo marco legal com incentivo explícito à bioprospecção”, anuncia Roberto Cavalcanti, secretário de biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente. Ele diz que o acesso ao patrimônio genético deve ser transparente, claro e simplificado e que estão em curso consultas dentro e fora do governo para mudanças das atuais normas, definidas pelo Decreto 3.945, de 2001, que também aborda a repartição de benefícios econômicos junto às comunidades detentoras do conhecimento tradicional sobre o uso da floresta. Haverá ênfase em programas de Pagamento por Serviços Ambientais, com remuneração de produtores pela conservação dos recursos naturais – da fixação de carbono à produção de água. “O plano é fomentar arranjos produtivos locais para agregação de valor a partir da biodiversidade”, afirma Cavalcanti.

 

Produtos da biodiversidade respondem por 31% das exportações brasileiras. O setor florestal representa 4% do PIB brasileiro; a pesca, 1%. “A Rio+20 é o grande momento para o setor produtivo se engajar como agente de transformações, porque o patrimônio natural não é um problema apenas do governo ou das organizações ambientalistas”, diz Cavalcanti.

Lição de casa – Para o economista Sérgio Besserman, que está à frente das atividades da prefeitura do Rio de Janeiro no processo preparatório da Rio+20, o Brasil tem muita lição de casa a fazer. Entre as mudanças necessárias, diz Besserman, está adaptar as obras públicas e a expansão da infraestrutura produtiva brasileira à economia de baixo carbono, o que consequentemente contribuiria para poupar o capital natural. “Mas só chegaremos a avanços importantes quando os custos ambientais forem absorvidos pelo mercado e o sistema global de preços relativos refletir a necessidade da transição para uma nova economia”, explica o economista.

 

Trunfo brasileiro é a matriz energética limpa, somando 80% em fontes renováveis, liderada de longe pela hidroeletricidade, gerada pela vazão dos rios. As fontes solar, eólica e biomassa somam 6,45% da energia do País. “Deveríamos manter esse caminho, mas sujaremos a matriz com os investimentos no petróleo do pré-sal”, diz Besserman.

 

“Os atuais subsídios para combustíveis fósseis se justificam no longo prazo?”, pergunta Carlos Rittl, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil. Ele lembra que até 2020 “a tendência é a energia substituir o desmatamento e uso da terra como principal fonte de emissões de carbono no Brasil”. Ter extensas florestas tropicais significa para o Brasil exigir menos das indústrias em relação ao corte de gases do efeito-estufa, com reflexos na competitividade. “Ao contrário de muitos países, apenas o combate à derrubada de árvores já cobre em grande parte as metas brasileiras sobre clima”, ressalta Silneiton Favero, da Fundação Getúlio Vargas, coordenador dos estudos que balizarão os planos setoriais para o corte de emissões que serão divulgados neste ano pelo governo.

 

“Mas é preciso saber de que forma o País mantém e valoriza seu patrimônio natural”, observa João Paulo Capobianco, presidente do conselho do Instituto Democracia e Sustentabilidade. Ele adverte que o País vive momento contraditório no setor ambiental, como demonstrou o debate sobre o Código Florestal. “Temos as maiores reservas hídricas do planeta, mas há grande desigualdade no acesso à água, resultante da degradação dos solos, desmatamento e poluição”, ressalta Capobianco, informando que há três anos o governo não cria novas reservas ecológicas e outras áreas protegidas. (Valor Econômico)

 

2 – Custo do aquecimento global na América Latina é de US$ 100 bi ao ano, diz BID

 

Estudo adverte que região sofrerá prejuízos anuais até 2050 se medidas preventivas não forem tomadas.

Os países da América Latina e o Caribe enfrentarão prejuízos anuais de US$ 100 bilhões até 2050, caso não adotem medidas para tentar conter os danos em decorrência do aquecimento global.

 

O alarme vem de um levantamento feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em conjunto com a Comissão Econômica da América Latina e o Caribe (Cepal) e a World Wildlife Fund (WWF), que será apresentado nesta terça-feira (5), em Washington e no dia 20 na Rio+20, no Rio de Janeiro.

 

Para chegar ao número estimado do prejuízo, o relatório avaliou a literatura que identificou os diferentes impactos físicos e também fez cálculos próprios. “A novidade é que, pela primeira vez, temos um cálculo dos impactos físicos, utilizando uma metodologia similar e colocando custos financeiros em uma moeda que possa ser comparativa, no caso, o dólar”, declarou Walter Vergara, chefe da Divisão de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do BID.

 

De acordo com Vergara, os impactos físicos podem ser reduzidos com investimentos em adaptação. Ele cita que os problemas de perda de capacidade dos reservatórios hidroelétricos no Brasil, por exemplo, podem ser compensados com ações de reflorestamento.

 

“Uma medida de adaptação muito simples para o Brasil é trabalhar em bacias altas, acima dos reservatórios, fazer reflorestamento e conservar os bosques para que eles consigam reter a água e diminuir o impacto físico da perda de energia. Assim você consegue diminuir a velocidade de escoamento das águas e aumentar o armazenamento no solo”, explicou Vergara.

 

O aumento do nível do mar também é outro impacto importante do aquecimento global. Para isso, o relatório aponta a necessidade de planejamento de infraestrutura urbana e também a construção de barreiras físicas.

 

O relatório ainda aponta os prejuízos nas lavouras agrícolas na América Tropical, Brasil, Bolívia e norte da Argentina em decorrência das condições climáticas. “Nas áreas onde era possível plantar soja, por exemplo, será necessário encontrar sementes que consigam se adaptar às mudanças de temperatura.”

 

Segundo Vergara, o relatório ainda faz os cálculos do custo financeiro associado à diminuição rápida de emissões de gases na América Latina. “A gente calcula que será necessário investir outros US$ 110 bilhões por ano para reduzir as emissões do estágio de hoje para duas toneladas per capita para o ano 2050. Essa é a única forma para que o planeta não esquente mais do que 2ºC neste século”, finalizou.

 

Confira a entrevista com Walter Vergara.

 

O relatório aponta as perdas de US$ 100 bilhões por ano. De que forma chegaram a essa conclusão?

O relatório fez uma avaliação da literatura científica que identificou os diferentes impactos físicos. E conseguimos também na literatura fazer uma relação entre os impactos físicos e custos associados. Para alguns impactos conseguimos as informações na literatura, para outros nós fizemos os cálculos. A novidade do estudo consiste em que pela primeira vez temos feito um cálculo de muitos impactos físicos, utilizando uma metodologia similar e colocando os custos financeiros em uma moeda que possa ser comparativo. Os custos foram calculados para dólares. Em resumo, fizemos uma avaliação de todo impacto físico com base na literatura e colocamos tudo em uma forma que fosse compatível para toda região.

 

Quanto tempo demorou o levantamento?

Não demorou muito. O relatório começou a ser feito em dezembro de 2011 e conseguimos finalizá-lo agora, no início de junho.

 

Os dados serão apresentados na Rio+20?

Sim, será apresentado no dia 20 de junho na Rio+20, num evento especial no Hotel Barra Windsor, às 9h.

 

O relatório aponta que os investimentos em adaptação significariam 10% dos prejuízos de US$ 100 bilhões ao ano. Que tipo de ações seriam necessárias para reduzir os impactos ambientais?

Depende dos impactos. Por exemplo: o derretimento dos glaciares, nos Andes, trazem um prejuízo financeiro muito alto para as populações locais. Mas o derretimento pode ser compensado com algumas ações de adaptação para conservar a retenção da água no solo, nas montanhas, e também a construção de reservatórios de altura para aumentar a capacidade de armazenamento dessa água. No Brasil, temos um problema muito grave que é a perda de capacidade dos reservatórios hidroelétricos.

 

O estudo inclui uma avaliação dessa perda, e haverá uma perda da capacidade de geração de eletricidade. O que pode ser feito?

Se você não faz adaptação, os impactos físicos vão repercutir num prejuízo de disponibilidade de energia elétrica no Brasil. Nesse caso, uma medida de adaptação muito simples é trabalhar em bacias altas, acima dos reservatórios, fazer reflorestamento, conservar os bosques nessas áreas para que eles consigam reter a água e diminuir o impacto físico da perda de energia firme. Se você consegue conservar os bosques e reflorestar nas partes altas, você consegue diminuir a velocidade de escoamento das águas. Quando chove muito forte a água vai transbordar, não vai ter capacidade de armazenamento adequada, e com a conservação dos bosques você consegue diminuir o escoamento e armazenar no solo. Isso aumenta a capacidade dos reservatórios de manter a água para geração de eletricidade. Com a mudança climática, tem chuvas muito intensas. Essa água escorre e chega no mar rapidamente.

 

Esse tipo de ação é suficiente para diminuir o impacto do aquecimento?

O aquecimento vai acontecer. O que você precisa é se adaptar com medidas de ação para diminuir o impacto físico. Tem outras medidas de adaptação que talvez sejam mais fáceis de discutir. O aumento do nível do mar, por exemplo, vai ter um impacto em toda a costa do Brasil e da América Latina porque vai atingir cidades costeiras e estradas que ficam ao lado do mar. Muitas áreas poderão ser inundadas. O que fazer? São duas opções: você pode planejar a longo prazo e fazer novas obras de infraestrutura terra adentro, mais longe do mar. É uma medida de adaptação que vai prevenir prejuízos futuros. Mas você pode dizer que não pode mudar uma cidade, nem mudar o local de uma rodovia. Outra medida seria construir uma defesa física para que essas cidades ou essas rodovias não sejam afetadas pelo aumento do nível do mar.

 

Que tipo de defesa física, por exemplo?

Bom, a rodovia poderia ser levantada. Ficar mais alta. A cidade é muito mais complexa e vai precisar de defesas físicas como está acontecendo na Holanda, por exemplo, onde temos barreiras de contenção para impedir a entrada do mar na cidade. Isso possivelmente vai ser necessário por aqui.

 

Se a América Latina e o Caribe contribuem só com 11% das emissões, por que são regiões tão vulneráveis?

Porque o aquecimento é um fenômeno global. Se um país produz muitas emissões, essas emissões vão afetar todo o planeta, não importa se estamos no Brasil ou no Vietnã.

 

Quais são os principais prejuízos para esses países?

Um bom exemplo é a produção agrícola na América Tropical, Brasil, Bolívia, norte da Argentina. Todos eles vão sofrer com o aquecimento porque por um lado as condições climáticas mudam e a lavoura agrícola terá de se adaptar. Naquela área onde era possível plantar soja, por exemplo, terá de mudar e encontrar sementes que consigam se acomodar às mudanças de temperatura e umidade que vão ser resultado das novas condições climáticas. Os prejuízos são muitos e o relatório aponta essa queda de produção agrícola, queda da produção de energia elétrica, inundação das áreas costeiras, branqueamento dos corais, o derretimento dos glaciais. Muitos impactos físicos.

 

Em quanto tempo acredita-se que haverá esse aumento do nível do mar?

A literatura científica conclui que nesse século o nível do mar pode aumentar mais de um metro, quase dois metros. Essa é a literatura mais recente. Então, quando vai acontecer ninguém sabe, mas nós esperamos o aumento de um metro ainda neste século.

 

Em quanto tempo o senhor acha que esse investimento deveria ser feito para reduzir os danos?

A minha sugestão é que esses investimentos em adaptação têm de ser feitos o mais cedo possível porque o processo de adaptação toma muito tempo. Imagine um país como a Guiana, em que a capital está um pouco abaixo do nível do mar. Imagine que o nível do mar vai aumentar e se as pessoas que moram na área costeira desse país não se prepararem com antecipação, vão sofrer muito com as consequências. Os países têm de iniciar os processos de adaptação agora mesmo. Já. Ontem. Precisam planejar com muito tempo e identificar quais são as ações mais efetivas para reduzir os danos da mudança climática.

 

Mas esses países são mais pobres, estão em desenvolvimento. Como adequar esse tipo de investimento à realidade de cada país?

Os países da América do Sul e da América Latina em geral são países que têm muitas prioridades de investimento em saúde, educação, habitação, todas as coisas essenciais para o desenvolvimento. Esses países têm muitas necessidades nessas áreas. Os prejuízos da mudança climática serão uma demanda adicional para os poucos recursos financeiros que esses países têm hoje. Por isso esse é um desafio muito importante para o desenvolvimento futuro. Como colocar o dinheiro que tem muitos usos básicos nessas ações, o que podemos fazer? Eu não sei a resposta para essa questão, mas o que eu posso dizer é que sem o processo de adaptação os prejuízos serão ainda maiores.

 

Uma coisa muito importante para evitar prejuízos ainda maiores ao planeta como um todo é reduzir as emissões rapidamente. O relatório faz um cálculo dos custos financeiros associados à diminuição rápida de emissões na América Latina. E a gente calcula que será necessário investir outros US$ 110 bilhões por ano para reduzir as emissões da América Latina do estágio de hoje para duas toneladas per capita para o ano 2050. O cálculo que a gente fez é a única forma para ter uma chance de manter a temperatura para não mais de 2º para cima da temperatura normal. Para que o planeta não se esquente mais do que 2º neste século. Para fazer esse esforço, para reduzir as emissões, a gente fez o cálculo e os países da América Latina teriam de investir US$ 110 bilhões ao ano – coincidentemente a mesma figura do prejuízo estimado, de ao redor de US$ 100 bilhões ao ano. (O Estado de São Paulo)