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Informativo 475 – Clima; Durban e Uma hora e 17 minutos de aula

1 – Clima – para onde vamos só com boas intenções?

2 – A conferência de Durban2 – A conferência de Durban

3 – Uma hora e 17 minutos de aula

 

1 – Clima – para onde vamos só com boas intenções?

Artigo de Washington Novaes publicado no jornal O Estado de São Paulo de hoje (16).
O mundo das palavras é sempre muito fértil, costuma permitir interpretações diferentes para o mesmo objeto descrito – às vezes, até contraditórias entre elas. Quando esse mundo das palavras adentra o território da diplomacia, os resultados podem ser ainda mais surpreendentes – e este é o caso do desfecho da reunião da Convenção do Clima, no último domingo, em Durban. Como as negociações continuavam emperradas, a linguagem diplomática encarregou-se de superar as últimas resistências a uma declaração de intenções, considerada por muitos participantes e representantes de governos – inclusive o brasileiro – como um “documento histórico”, em que “todos os países convergiram para o mesmo objetivo”.

E aonde se chegou, afinal? Exatamente ao que estava previsto há meses e foi registrado em artigo neste espaço: por falta de consenso entre os participantes – que impossibilita aprovar documentos que tornem obrigatórias as decisões -, ficar-se-ia apenas numa declaração de intenções, em que os países anunciariam o desejo de chegar até 2015 (ou 2020) a um documento “vinculante” (obrigatório), com os signatários se comprometendo a reduzir, a partir daí, suas emissões de gases poluentes que intensificam mudanças climáticas. A declaração de Durban foi mais longe ao não estabelecer sanções para quem não cumprir o prometido.

Paralelamente, aprovou-se uma prorrogação, até 2017 (como queriam os países-ilhas, União Europeia e Brasil propunham 2020) do Protocolo de Kyoto, pelo qual, em 1997, se estabeleceu que os países industrializados reduziriam suas emissões em 5,2%, calculadas sobre as de 1990. Até hoje essa decisão não foi cumprida, os países industrializados aumentaram suas emissões. Mas era importante ter em vigor um documento como o de Kyoto, porque a ele está vinculado o Mecanismo do Desenvolvimento Limpo, pelo qual um país industrializado (ou uma de suas empresas) pode financiar em outro país projeto que leve à redução de emissões e contabilizar essa redução em seu balanço próprio. E hoje há um “mercado mundial de carbono” que já envolve muitos bilhões de dólares; como ficaria sem o protocolo? Então, Kyoto continua. E com todos fechando os olhos para a ausência de Japão, Rússia, Canadá e para a falta de consenso.

Será cumprida a intenção aprovada nesse roteiro de Durban? Os antecedentes não levam a muito otimismo. Em 2008, na Indonésia, aprovou-se o chamado “roteiro de Bali”, pelo qual se desenhou o caminho que deveria levar em 2009, na reunião da convenção em Copenhague, a um acordo com obrigações de redução de emissões. Mas na Dinamarca a diferença de posições entre EUA e países industrializados, de um lado, e os “emergentes”, de outro, fechou as portas a um acordo – com os emergentes lembrando que a obrigação mais antiga e maior de reduzir emissões era dos industrializados e os industrializados dizendo que sem os emergentes de nada adiantaria a decisão, já que estes são hoje os maiores emissores (China, Índia e Brasil estão entre os cinco maiores). Com o impasse em Copenhague, transferiu-se a decisão para 2010 em Cancún. Mas ali o impasse também persistiu.

Agora, aprovada a declaração de Durban, incluídos os emergentes, pergunta-se: o Congresso dos EUA aprovará a redução de emissões no país, desbloqueando o caminho – ao contrário do que tem feito até agora? E se os EUA ou outro país não cumprirem, o que acontecerá? Não há sanções previstas. A primeira proposta de texto dizia que ele teria força legal, mas o impasse levou a uma redação que tornou tudo mais vago, ao ser modificada para “um resultado acordado, com força legal”, que possa ser aprovado em 2015 e entre em vigor em 2020, com metas obrigatórias de redução de emissões para todos os países. Também se aprovou a criação do fundo que porá US$ 100 bilhões anuais de contribuintes industrializados à disposição de outros países para enfrentarem os problemas do clima. Mas não se definiu quem contribuirá e com quanto. Nem com que tecnologias.

Curiosamente, o Brasil, depois de receber de ambientalistas o troféu “Fóssil do Dia”, pela proposta de novo Código Florestal, recebeu também elogios do secretário-geral do Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Achim Steiner, pois, a seu ver, o País não deve ser criticado por causa desse projeto, “porque nenhum país fez o que o Brasil fez para combater emissões nos últimos dois anos”. É discutível, se considerados os compromissos de redução como “voluntários” e verificáveis só quando possível confrontá-la com o que seriam esses poluentes em 2020.

Além disso, há outros estudos a demonstrar que o País continua emitindo acima de dez toneladas anuais de carbono por habitante, segundo estudo do renomado Nicholas Stern, ex-economista-chefe do Banco Mundial. A própria redução de emissões na área do desmatamento precisa ser encarada com cautela, uma vez que tomou como base de comparação anos de desmatamento muito mais alto e grande parte da redução coincidiu com a crise econômica de 2008-2009 e queda das vendas de produtos amazônicos. De qualquer forma, ainda é um desmatamento alto, acima de seis mil quilômetros quadrados anuais, sem levar em consideração áreas cobertas por nuvens (que impedem o registro por satélites) ou onde o desmatamento é seletivo, sem corte raso de toda a vegetação.

Para completar: cientistas dizem que para não haver uma expansão dramática nos “eventos climáticos extremos” não se devem ultrapassar 2 graus Celsius no aumento da temperatura da Terra (já subiu 0,8 grau) – e para isso as emissões não podem superar 32 bilhões de toneladas anuais de carbono (mas com aumento de 6%, em 2010 elas já chegaram a 30,6 bilhões de toneladas). Superado esse ponto, a temperatura poderá aumentar entre 3,5 e 5 graus neste século. Iniciar só em 2020 o cumprimento das intenções de Durban é compatível com essa advertência? Washington Novaes é jornalista e escreve às sextas-feiras.

 

2 – A conferência de Durban

Artigo de José Goldemberg no jornal O Estado de São Paulo de hoje (19).
“Guerras são decididas no campo de batalha, e não nas conferências de paz” – frase atribuída a Stalin, que sabia do que estava falando. O que ocorreu na conferência sobre o clima em Durban, no começo do mês, é um bom exemplo de situação parecida. Batalhas estão sendo travadas em inúmeros países, onde não só os ambientalistas, mas os melhores dos cientistas têm alertado continuamente seus governos a respeito das consequências nefastas da emissão de gases que estão aquecendo a Terra e mudando o clima.

A conferência sobre o clima no Rio de Janeiro em 1992 reconheceu, pela primeira vez na História, a gravidade do problema e a necessidade de tomar medidas para evitar um aumento da temperatura do planeta que tivesse consequências catastróficas. Mas entre reconhecer o problema e atuar efetivamente para evitá-lo há uma grande diferença, e as negociações sobre o clima nos últimos 20 anos mostram bem qual é ela.

Todos os anos os países que aderiram à Convenção do Clima – hoje são 194 -, adotada em 1992, se reúnem numa chamada Conferência das Partes em alguma cidade do mundo. Este ano a reunião, a 17.ª, foi em Durban, na África do Sul. Daí o nome COP-17.

A última vez que se chegou a um acordo sobre o que fazer foi em 1997, quando se adotou o Protocolo de Kyoto, pelo qual os países industrializados se comprometeram a reduzir as suas emissões até 2012 e os demais países (em desenvolvimento) foram isentos desses compromissos. Esse acordo foi rejeitado logo no ano seguinte pelo Senado dos Estados Unidos. O motivo alegado foi o de que era injusto, para os Estados Unidos, adotar mudanças para reduzir as suas emissões enquanto outros grandes emissores, entre os países em desenvolvimento, como a China, a Índia e o Brasil, ficaram livres da obrigação de reduzi-las. As reduções fixadas pelo Protocolo de Kyoto são mandatórias, isto é, obrigatórias. Porém somente os países da União Europeia – que representam cerca de 15% das emissões globais – aderiram plenamente a ele.

Durante estes 20 anos desde a Rio-92, os cientistas e ambientalistas de muitos países se esforçam para convencer os seus governos de que mais precisa ser feito. Com a eleição do presidente Barack Obama, em 2008, surgiram expectativas de que os Estados Unidos viessem a adotar medidas sérias de redução de suas emissões e eventualmente aderissem ao protocolo. A Câmara dos Deputados daquele país aprovou uma lei que levava a esse resultado, mas as mudanças políticas naquele país em 2010 impediram que a lei fosse submetida ao Senado.

Em outros países, como o Brasil, houve também um grande esforço no mesmo sentido. As expectativas de se chegar a um novo acordo que estendesse o Protocolo de Kyoto, com a ampliação do número de países que aceitassem reduções, acabariam na COP-15, em Copenhague, no ano de 2009. No texto do acordo, “reduções obrigatórias” das emissões pelos países foram substituídas por “reduções voluntárias”, o que desfigurou completamente o processo.

O estado de São Paulo adotou leis adequadas, mas o governo federal preferiu optar por metas voluntárias, que são até difíceis de entender, ainda mais num país onde leis ambientais mandatórias relativas às áreas de preservação permanente das florestas não são obedecidas. Globalmente, as emissões já aumentaram 50% desde 1992, e as emissões da China já superaram as dos Estados Unidos.

Em Durban, a China e o Brasil evoluíram para uma posição na qual reconhecem que todos os países – e não somente os industrializados – precisam reduzir suas emissões, a única que o bom senso recomenda. A Índia resistiu, argumentando que tem muita pobreza e “450 milhões de pessoas ainda não têm acesso à energia”. Esse argumento, que era usado até agora por todos os países em desenvolvimento, não se sustentou justamente porque a China e o Brasil estão resolvendo os problemas da pobreza e o acesso dos mais pobres à energia. Além disso, a economia chinesa e a brasileira, mesmo em etapa de crescimento, estão se tornando mais eficientes, exigindo menos combustíveis fósseis e ampliando o uso de energias renováveis. Melhor governança e tecnologias mais eficientes são o exemplo dado pela China e pelo Brasil.

O resultado é que, em Durban, ficou decidido que será negociado um novo protocolo, que deverá ser adotado até 2015, para entrar em vigor em 2020, pelo qual todos os países, industrializados e não industrializados, assumirão compromissos obrigatórios – “instrumentos com força legal”, na linguagem dos negociadores. A linguagem dúbia do Protocolo de Kyoto, que fala de “responsabilidades comuns, mas diferenciadas” (e sempre foi usada pela China, pela Índia e pelo Brasil para não assumirem responsabilidade alguma), foi eliminada.

Apesar das suas limitações, o Protocolo de Kyoto foi prorrogado até ser substituído por outro mais abrangente. Em outras palavras, o problema foi jogado dez anos para a frente, o que é claramente inadequado, porque muito carbono que poderia ser evitado será lançado na atmosfera durante os próximos nove anos (até 2020).

O fundamental, contudo, é que o problema das emissões de carbono, daqui para a frente, é claramente de todos, e não somente dos países industrializados. Se há algo que não tem fronteiras são as emissões de carbono, bem como suas consequências. Essa decisão vai reforçar a posição daqueles que em seus países têm proposto políticas públicas com força de lei para reduzir as emissões, para o que já existem tecnologias disponíveis.

Após Durban, a luta contra o aquecimento global volta aos campos de batalha em cada um dos países, que montarão suas estratégias para cumprir as metas que serão negociadas até 2015.

José Goldemberg é físico, professor da USP, foi secretário do Meio Ambiente da Presidência da República e do Governo do Estado de São Paulo.

 

3 – Uma hora e 17 minutos de aula

Artigo de Naercio Menezes Filho no Valor Econômico de hoje (16).
Está em discussão no Congresso Nacional o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que deverá vigorar entre 2012 e 2020. Um dos pontos mais polêmicos do plano é a expansão do gasto público com educação para 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2009 o valor foi de 5,7%. O relator acaba de defender o aumento dessa meta para 8%, enquanto movimentos sociais e entidades sindicais defendem uma meta de 10% do PIB. Por outro lado, alguns especialistas acham que é possível utilizar melhor os recursos já disponíveis, pois existem sérios problemas no uso desse dinheiro. Quem tem razão nesse debate?

Uma pesquisa importante, realizada recentemente pelo Ibope-Inteligência em parceria com o Instituto Unibanco, ajuda a jogar luz nessa questão. A pesquisa acompanhou 60 turmas do Ensino Médio em 18 escolas, monitorando as aulas por meio do preenchimento diário de carga horária e fazendo uma pesquisa com os alunos para examinar o número de horas que eles se dedicam ao estudo dentro e fora da escola. Os resultados são surpreendentes.

A pesquisa dividiu a escola em três grupos, de acordo com grau de efetividade do uso do tempo. Primeiramente, a pesquisa se concentrou no lado da oferta. Ou seja, se todos os alunos da escola estivessem presentes e quisessem aprender, quantas aulas eles efetivamente teriam? No grupo das escolas mais problemáticas, apenas 63% das aulas previstas foram dadas, nas escolas intermediárias 78% e no grupo das melhores escolas, 93%. No primeiro grupo, 20% das aulas não foram dadas porque o professor não estava presente! Nos restante dos dias não houve aulas devido a passeios, falta coletiva dos alunos etc.

Vale ressaltar que nas escolas problemáticas, apenas 61% das aulas efetivamente oferecidas foram ministradas pelo professor responsável pela disciplina prevista. Além disso, a pesquisa mediu o tempo efetivo de aula, descontando os atrasos etc. A conclusão é que nas escolas mais problemáticas cada turma perdeu 19 dias letivos dos 48 que foram monitorados pela pesquisa. A pesquisa conclui que “os alunos desse grupo deixaram de ter acesso a 40% das potenciais oportunidades de ensinar previstas”.

E com relação às faltas dos alunos? A pesquisa mostra que dos 41 alunos matriculados nas escolas mais problemáticas, somente 24 (em média) estavam presentes nas aulas monitoradas, ou seja, uma frequência de 55%. Nas melhores escolas, a taxa de frequência não foi tão melhor assim, atingindo 66% dos alunos. A pesquisa então combina as oportunidades de ensinar com as oportunidades de aprender e conclui que apenas 32% do tempo previsto para aquisição de conhecimento foi efetivamente utilizado pelos alunos com esse fim.

Ou seja, das 4 horas de aula previstas por dia, apenas 1 hora e 17 minutos foi efetivamente utilizada pelos alunos para aprender nas escolas mais problemáticas. Mesmo nas melhores escolas, o tempo de aula efetivo foi de apenas 2 horas e 13 minutos. Assim, fica claro porque nossos alunos têm um desempenho pífio nos exames internacionais. Eles simplesmente não têm aulas. Será que dobrando os gastos educacionais com relação ao PIB nós conseguiríamos resolver esse problema?

Uma pesquisa parecida, organizada pela pesquisadora Barbara Bruns do Banco Mundial, mediu o tempo da classe efetivamente utilizado para transmitir conhecimento em uma amostra de escolas públicas do Rio de Janeiro, Pernambuco e Minas Gerais. Os resultados mostraram que nessas escolas (em média), apenas 62% do tempo total de uma aula são usados para ensino, em comparação com 85% nos países mais bem-sucedidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Assim, quase 40% do tempo de aula é utilizado para organizar a sala, fazer a chamada, manter a classe em silêncio ou o professor está fora da sala. Isso significa que, se o tempo de aula fosse mais bem utilizado nas escolas mais problemáticas, elas teriam 88 dias a mais de aulas (num total de 200), sem gastar um centavo a mais.

Por fim, uma pesquisa recente realizada por professores de Harvard investigou os fatores que fazem com que as escolas “charter” americanas sejam mais efetivas, ou seja, que seus alunos aprendam mais. Essas escolas atendem alunos da rede pública, mas são geridas pelo setor privado. Os resultados mostram que aspectos relacionados a aumento de gastos, como tamanho da classe, gastos por aluno e escolaridade dos professores não aumentam a qualidade da escola. Os fatores que tiveram maior impacto foram “feedbacks” constantes para os professores, tutorias, mais horas efetivas de aula e foco constante no aprendizado dos alunos.

Em suma, as evidências de que um simples aumento dos gastos não vai melhorar a qualidade do ensino no Brasil estão se acumulando por todos os cantos. Medidas simples de gestão teriam impactos significativos no aprendizado do aluno, sem aumento de custos. Enquanto isso, o debate na sociedade e no Congresso passa ao largo das evidências, concentrando-se no aumento dos gastos, que implicaria aumento de impostos sem contrapartida para a melhoria do ensino. Em 2012 será preciso mudar a agenda da educação no Brasil. Boas festas!

Naercio Menezes Filho é professor titular da Cátedra IFB, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras.