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Informativo 456 – Impasse; Amazônia Azul e Marsupial

1 – Impasse na floresta

2 – Brasil reivindica extensão maior da Amazônia Azul

3 – Fósseis de marsupial marcam descoberta de nova espécie brasileira

 

1 – Impasse na floresta

Desde que o governo federal decretou a Medida Provisória 2186/16 com regras para o acesso aos recursos genéticos, há exatos dez anos, o número anual de pedidos de patentes de biotecnologia no Brasil despencou quase 70%. Passou de 1.030 depósitos, em 2001, para 356, no ano passado.
A queda é sintomática, diante do atual cenário de riscos e incertezas sem a existência de um marco legal abrangente para o uso econômico da biodiversidade. “A agenda está travada em função da insegurança jurídica que afasta investimentos”, avalia Jorge Ávila, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).

Além da complexidade para a prospecção e transformação do potencial da fauna e flora em produtos, as normas são “excessivamente restritivas”. Tanto assim, diz Ávila, que a redução das patentes na área biológica contrasta com crescimento de registros nos demais setores produtivos. Entre 2010 e 2011, o total de patentes no País aumentou de 30 mil para 35 mil, refletindo a evolução da economia.

A lei brasileira não permite patentear organismos vivos ou suas moléculas, protegendo apenas o processo tecnológico que gera substâncias a partir deles. “O ambiente de restrições surgiu no passado em função das ameaças da biopirataria, mas hoje o foco está na promoção de negócios sustentáveis como estratégia de conservação dos recursos naturais”, diz Ávila.

“É urgente simplificar e criar condições para que as empresas se regularizem e voltem a investir”, ressalta. Neste trabalho de adequação, o Inpi está revendo 5,5 mil pedidos de patente de biotecnologia registrados desde 2001. A instituição enviou questionário aos depositantes para saber se houve acesso a recursos genéticos. A patente pode ser cancelada, caso não exista autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) para o projeto.

O impasse freia o ritmo de inovação de indústrias e centros tecnológicos, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), instituição não acadêmica que mais registra patentes no País. Até 2010 foram 258 registros, sem contar a proteção pelo desenvolvimento de cultivares – novas variedades de plantas -, que somam mais de 400, rendendo US$ 16,4 milhões por ano em royalties.

Entre os produtos que correm risco de não chegar ao mercado por conta dos atropelos legais, está uma proteína extraída de aranhas, associada à sua capacidade de construir teias. O insumo conferiria maior resistência e elasticidade às fibras de algodão para a indústria têxtil. Mas a pesquisa foi interrompida após multa de R$ 100 mil aplicada pelo Ibama, sob alegação de que a Embrapa teria ido além do autorizado. Em operações feitas em outubro de 2010 e março deste ano, os fiscais notificaram cerca de cem empresas consideradas irregulares no uso dos recursos genéticos, totalizando R$ 120 milhões em multas.

O episódio desencadeou o debate para a revisão do marco legal. “A atual regra é imprecisa e dá margem a interpretações subjetivas”, critica Felipe Teixeira, chefe de inovação tecnológica da Embrapa, para quem a legislação não deve só punir, mas incentivar. Em busca de produtos inovadores, várias empresas e centros de pesquisa prospectaram a floresta no período entre a decretação da MP e, dois anos depois, a criação do CGEN, responsável pelas autorizações. “Muitos poderão ter patentes negadas e serão prejudicados”, afirma Teixeira. Para ele, a autorização de pesquisa deve ser simplificada. “Enquanto o problema não for resolvido, evitamos prospecção que envolva repartição de benefícios econômicos com comunidades nativas, base da atual legislação de acesso à biodiversidade”, diz.

Por segurança, as empresas migram para o uso de espécies vegetais não nativas, trazidas de outros países. “É uma pena, mas os riscos são muito altos”, lamenta Vânia Rudge, diretora da Centroflora, empresa que hoje produz cerca de 200 extratos vegetais sob encomenda de clientes de grande porte, principalmente externos. “Muitos temem a perda de patentes e deixam de investir”, conta. A orientação é não acessar o conhecimento tradicional. “Falta clareza sobre a amplitude da repartição de benefícios, que pode ser reivindicada por mais de uma comunidade”, justifica.

A conservação da natureza depende de seu valor econômico. Vânia cita o caso do jaborandi, planta nativa explorada pela empresa no Piauí, Ceará e Maranhão para produção de pilocarpina – substância usada no tratamento de glaucoma, distribuída mundialmente pela indústria farmacêutica Boehringer Ingelheim. Os produtores locais triplicaram a renda com a venda das folhas, mas similares sintéticos estão levando o produto natural à decadência. “É preciso encontrar novas plantas medicinais para reduzir a dependência da população em relação ao jaborandi, mas as regras atuais inibem o processo”, diz Vânia.

Ela sugere uma nova lei capaz de caminhar na velocidade da inovação e de atrair negócios: “É importante termos vantagem competitiva, pois os países concorrentes também estão criando incentivos e regulamentações após o Protocolo de Nagoya, assinado no ano passado”.

Para Marcelo Cardoso, vice-presidente de sustentabilidade da Natura, “a situação atual limita a inovação e a transformação da biodiversidade em ativo para o País reduzir a dependência das commodities”. Apesar das indefinições, a empresa investe em um centro tecnológico em Manaus para desenvolver cadeias produtivas a partir dos recursos florestais, movimentando investimentos de cerca de R$ 1 bilhão até 2020 na Amazônia. “O uso sustentável do patrimônio genético exige a criação de escala pelos diversos segmentos do mercado, incluindo a indústria farmacêutica e alimentícia”, afirma o executivo, confiante em mudanças. “É apenas uma questão de tempo, porque o governo tem uma nova percepção sobre o tema.”

A grosso modo, considerando a existência de 1,8 milhões de espécies no país e o atual ritmo das autorizações do governo para prospecção, seriam necessários 72 mil anos para o País conhecer o seu patrimônio genético. A conta é do Movimento Empresarial pela Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, que reúne 61 empresas e dez organizações, e lidera um plano para mudar os rumos do setor até 2020. “Há uma forte pressão contra a inércia, inclusive por segmentos da economia que não atuam diretamente no uso da biodiversidade”, confirma Cristiane de Moraes, do Union for Ethical Biotrade no Brasil. (Valor Econômico)

 

2 – Brasil reivindica extensão maior da Amazônia Azul

São 3,5 milhões de quilômetros quadrados, aos quais o Brasil quer somar mais 960 mil quilômetros quadrados de área em águas internacionais, que seriam extensão da plataforma continental brasileira.
Um território pouco explorado, com a mesma extensão de área da Amazônia Legal, rico em biodiversidade e recursos naturais. Um mundo submarino com vastas reservas de ouro, diamante, fosfatos, cobalto, entre outras riquezas repousam nesse local. É a Amazônia Azul, assim batizada pela Marinha Brasileira, e que inclui o mar territorial e a Zona Econômica Exclusiva da plataforma continental jurídica brasileira, somando 200 milhas a partir da costa. São 3,5 milhões de quilômetros quadrados, aos quais o Brasil quer somar mais 960 mil quilômetros quadrados de área em águas internacionais, que seriam extensão da plataforma continental brasileira.

Para isso, o País pediu em 2004 a extensão de seus direitos econômicos sobre essa área, de acordo com a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar. Do total pleiteado, 190 mil quilômetros quadrados não foram concedidos pela ONU, que alegou inconsistências no pedido brasileiro. O Brasil agora realiza novos estudos para reapresentar o pleito e conseguir a totalidade da área junto às Nações Unidas.

O que esconde o subsolo marinho da Amazônia Azul? Começando pelo básico, areia e cascalho para construção civil e reconstrução de praias. Depois, matéria-prima para insumos agrícolas, como carbonatos, fosforitas e sais de potássio. “O potencial nessa área é grande e o Brasil importa 90% dos fertilizantes usados na agricultura”, destaca Kaiser de Souza, chefe da divisão de geologia marinha do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Também há possibilidade de se explorar ouro e diamante na foz de rios que cruzam províncias auríferas e diamantíferas. “Especialmente na Foz do Jequitinhonha, na Bahia, e do Rio Gurupi, entre o Maranhão e o Pará.”

Outra riqueza potencial da Amazônia Azul são as crostas cobaltíferas, ricas em minerais metálicos, como cobalto, manganês, níquel, cobre e terras raras. “A China, que controla o mercado mundial de terras raras, hoje pesquisa sua plataforma continental e também áreas internacionais do Atlântico Sul”, diz Kaiser. O mapa também aponta reservas de sulfetos polimetálicos, ricos em zinco, ouro e platina, associados à Cordilheira Meso-Oceânica, no Atlântico Sul. “Há ainda petróleo e minerais fósseis, como o carvão no litoral do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina”, afirma Kaiser. “Ou dos hidratos de gás, que são bolsões de gás natural congelados sob a pressão do subsolo, presentes no litoral da Amazônia e do Rio Grande do Sul.”

O Brasil não deve esperar um desfecho para seu pedido de extensão dos direitos de exploração marinha para começar sua jornada na Amazônia Azul. Segundo Kaiser, o Brasil está atrasado na corrida internacional pela mineração submarina. “China, Japão, Coreia, Índia, França, Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra estão desenvolvendo tecnologia para isso. A Austrália explora sulfetos polimetálicos a 1,6 mil metros de profundidade.”

Para acelerar o ritmo, é necessário intensificar as pesquisas iniciadas na última década e investir em tecnologia, bem como criar um marco regulatório adequado para a exploração mineral submarina. “É preciso que tudo isso aconteça simultaneamente”, diz Kaiser. Ele lembra que o Brasil começou a pesquisar a tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas há quase quatro décadas e hoje é líder nessa área. “Naquela época, a exploração não era comercialmente viável, exatamente como as reservas minerais da Amazônia Azul, hoje.”

Enquanto o governo não avança na regulamentação da exploração na Amazônia Azul, algumas empresas dão os primeiros passos nessa área, explorando algas calcárias do tipo lithotamnium para uso na agricultura e pecuária. É o caso da Dragamar, criada em 2006, para explorar reservas desse material na região de Tutóia, no litoral do Maranhão. No fim de 2010, o Ibama liberou uma licença para a exploração de 500 toneladas do produto por mês. Paulo Wetzel, diretor da empresa, considera o volume pouco atraente do ponto de vista comercial e diz que a empresa entrou com um pedido de aumento nesse limite.

Enquanto aguarda a ampliação do limite, a Dragamar investiu de R$ 15 milhões em uma planta industrial na região para processar o material in natura retirado da jazida de Tutóia. “O mercado potencial para o litothamnium é muito promissor”, diz Wetzel. “Estudos realizados por nós, ao longo dos últimos quatro anos, demonstram ganhos expressivos de produtividade tanto na agricultura, como na pecuária, confirmando as enormes vantagens do material, difundido na Europa há séculos. Sendo assim, o mercado exterior também se mostra muito atrativo, principalmente em função da larga utilização que o produto já experimenta nos mercado europeu, asiático e americano.”

Outra pioneira da mineração na Amazônia Azul é a TWB Mineração. A empresa, que realiza pesquisas na área há duas décadas, vinha prospectando algas calcárias na região entre o Arquipélago de Trindade e o Espírito Santo. Segundo o gerente-executivo da empresa, Luiz Eduardo Anchieta da Silva, trata-se de uma outra variedade de lithotamniun, mais leve e rica em minerais do que as espécies similares encontradas perto do litoral. “Nossas pesquisas apontam excelentes resultados do produto na fruticultura, na soja e especialmente na cana-de-açúcar.”

Apesar do resultado promissor, a TWB amargou um revés. A empresa teve seus alvarás cassados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DPNM), porque o governo considerou que a atividade estava sendo em áreas internacionais. (Valor Econômico)

 

3 – Fósseis de marsupial marcam descoberta de nova espécie brasileira

Visitadas pela primeira vez por paleontólogos, as cavernas de Aurora guardam inúmeros fósseis além dos do Sairadelphys.
O mais recente achado da equipe de paleontologia do Laboratório de Mastozoologia, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio) não mede mais do que 1mm. Sua importância, porém, é inversamente proporcional ao tamanho. Os minúsculos dentes de marsupial encontrados no final de 2010 em cavernas do estado do Tocantins marcam um golpe de sorte dos especialistas: a análise do material mostra a descoberta de um novo gênero e uma nova espécie de gambá fóssil. Batizado como Sairadelphys, o pequeno mamífero é objeto do artigo de uma das mais importantes publicações internacionais sobre o tema, a Zootaxa.

“Foi a primeira vez que as cavernas do município de Aurora do Tocantins, no Tocantins, foram visitadas por paleontólogos. Fomos convidados a fazer a primeira incursão científica ao local, o que terminou nos levando a um tipo de descoberta bastante raro, já que significa um novo gênero desse grupo de mamíferos”, entusiasma-se o paleontólogo Leonardo Avilla. Segundo afirma, há mais de 50 anos não se descobria um novo gênero de marsupial.

Pelas análises feitas até agora, já é possível dizer que o animal pesava menos de 40 gramas. “Não temos estimativas de seu tamanho, mas podemos afirmar que era bem pequeno, e devia ser bastante parecido com o Hyladelphys kalinowskii, que pode ser encontrado ainda hoje, apenas na Amazônia brasileira e peruana”, fala Leonardo. Ele enfatiza que a identificação foi feita por sua aluna de graduação em Ciências Biológicas na UniRio, Patrícia Villa Nova, que também é autora da publicação. “A descoberta foi fruto de um trabalho de equipe e não teria sido possível sem a participação do paleontólogo Edison Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que trabalha com mamíferos fósseis, e de Francisco Goin, paleontólogo do Museo de La Plata e um dos maiores especialistas em marsupiais da América do Sul”, cita Leonardo.

Embora se trate apenas de dentes fossilizados, mesmo assim é possível depreender muito das características do animal, que viveu entre 15 a 10 mil anos atrás e agora começa a ser estudado mais profundamente. “Ao analisarmos sua morfologia dentária, observamos que o tamanho das cúspides é maior do que de outros marsupiais da espécie, e as entradas labiais são mais bem marcadas, únicas, o que também os distingue de outros marsupiais”, explica Leonardo. As cúspides altas, segundo o pesquisador indicam ainda que o animal tinha hábitos alimentares diferentes do Hyladelphys. “Enquanto o Hyladelphys é frugívoro, ou seja, come apenas frutas, a morfologia dentária do Sairadelphys sugere que, além de frugívoro, ele possivelmente se alimentava mais de insetos.”

O processo de identificação exigiu determinação e empenho: foi preciso fazer moldes em resina e compará-los a fósseis de espécies semelhantes, integrantes no acervo de outras instituições não apenas da América do Sul, mas em diversos outros países da Europa e nos Estados Unidos. “Visitamos todas as coleções da América do Sul e houve uma grande troca de correspondência e moldes entre um lado e outro do Atlântico. Mas, afinal, conseguimos comparar os fósseis encontrados a todas as espécies conhecidas até o momento”, relata o pesquisador.

Pelo que acreditam os pesquisadores, no período em que o Sairadelphys viveu, o clima daquela área era bem mais seco do que é hoje. E como os marsupiais não são habitantes de cavernas, os paleontólogos acham que os restos encontrados devem ter sido levados por enxurradas até lá. “Como as cavernas de Aurora nunca foram alvo de pesquisas, há ainda no local um grande número de fósseis, tanto de outros marsupiais quanto de outros mamíferos. Vimos, por exemplo, que há ali uma onça fossilizada e até mesmo pinturas rupestres.”

Área nova na paleontologia, a região de Aurora do Tocantins, a apenas quatro horas de distância de Brasília, vem se revelando rica para estudos paleontológicos. Tanto que a equipe deve voltar ao local para dar continuidade às pesquisas. “Nossas expedições contam com recursos do APQ 1, da FAPERJ, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da UniRio. Também tivemos apoio da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), da prefeitura do município e da ONG Grupo Dolina, sob a coordenação de Anselmo Rodrigues, que nos garantiram hospedagem e parte da logística da expedição”, afirma o pesquisador. Animada com a descoberta, a equipe viajou para a Argentina, onde está apresentando os fósseis e suas análises no 4º Congresso Latinoamericano de Paleontologia de Vertebrados, na cidade de San Juan. “Esta é a edição do congresso que conta com a maior participação de brasileiros, muitos deles do Rio de Janeiro. Isso mostra o quanto a paleontologia do nosso estado vem crescendo nos últimos anos.” (Agência Faperj)