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Informativo 454 – DNA e Metais pesados

1 – O DNA da Biodiversidade

2 – Levantamento revela contaminação de pescados do Rio por metais pesados

 

1 – O DNA da Biodiversidade

Avanço das técnicas de estudo molecular mostra que a diversidade na Terra é ainda maior do que se pensava. Com base em análises genéticas, cientistas estão aprendendo a diferenciar espécies com mais precisão e rapidez, ajudando a tornar as estratégias de conservação mais eficientes.
Não faz muito tempo, pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e do Instituto Max Planck, na Alemanha, revelaram que os elefantes das savanas e das florestas africanas são duas espécies distintas e não duas variedades de uma mesma espécie, como se pensava. O estudo foi baseado em evidências genéticas, comparando amostras do DNA de elefantes modernos da África e da Ásia com as de seus parentes extintos, mamutes e mastodontes, extraídas de fósseis.

Os resultados, publicados em dezembro na revista PLoS Biology, mostraram que os dois elefantes da África, apesar de muito semelhantes morfologicamente, são tão diferentes geneticamente entre si quanto os elefantes modernos da Ásia são dos extintos mamutes, por exemplo. Só assim foi possível resolver um longo debate sobre a história evolutiva desses animais e colocar cada elefante no seu devido galho da árvore genealógica da vida.

Agora, se foi tão difícil fazer essa diferenciação entre dois elefantes de vários metros e várias toneladas, imagine fazer o mesmo entre dois peixinhos de alguns centímetros e alguns gramas que vivem enfiados em recifes de corais, vários metros abaixo da superfície, espalhados por centenas de ilhas e separados por milhares de quilômetros de oceano. Esse é o tamanho do desafio que cientistas enfrentam para tentar entender e classificar a gigantesca biodiversidade de pequenos organismos que habitam as águas salgadas do Triângulo dos Corais, no Sudeste Asiático.

A região abriga mais espécies de vida marinha que qualquer outro lugar do planeta. Os cientistas já sabem disso há algum tempo, mas ainda estão longe de conseguir descrever ou explicar essa biodiversidade em detalhes. Onde termina uma espécie e onde começa outra? Aquele peixinho de uma ilha na Indonésia que parece com aquele outro peixinho de uma ilha nas Filipinas, mas que tem uma coloração um pouco diferente, é uma outra espécie, ou apenas uma variação morfológica da mesma espécie – a exemplo dos seres humanos, que, apesar de serem todos da mesma espécie (Homosapiens), podem ser morfologicamente tão variados quanto um aborígene australiano e uma modelo alemã?

Historicamente, a ciência de descrever e classificar espécies (chamada taxonomia) foi baseada quase que exclusivamente na morfologia – ou seja, na análise e comparação de características físicas dos organismos. O que já não era fácil. Agora, com o avanço das técnicas de estudo molecular, cientistas estão descobrindo que a diversidade da vida na Terra é ainda maior do que se pensava.

O DNA funciona como um híbrido de máquina do tempo e microscópio, permitindo aos pesquisadores enxergar diferenças (ou semelhanças) evolutivas que não são perceptíveis a olho nu. O que parecia ser apenas uma espécie revela ser duas, três ou até mais. Na taxonomia moderna, as aparências enganam. E muito. “A morfologia levanta uma série de questões e possibilidades, mas nem sempre é capaz de resolvê-las sozinha”, diz o professor Paul Barber, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que trabalha com essas questões no Triângulo dos Corais há mais de dez anos. “Muitas coisas que parecem iguais são, na verdade, diferentes. Assim como muitas coisas que parecem diferentes são iguais, do ponto de vista genético.”

São as chamadas espécies “crípticas”, que vivem escondidas geneticamente dentro da variabilidade morfológica de outras espécies. Um problema do tamanho de um elefante no caso de organismos marinhos, em que indivíduos de uma mesma espécie podem apresentar uma variabilidade enorme de cores, formatos e tamanhos. É aí que a genética começa a fazer a diferença.

O Estado acompanhou durante dois meses o esforço de um grupo de professores e estudantes do Centro de Estudos sobre Biodiversidade da Indonésia (IBRC, em inglês) para extrair, seqüenciar e comparar amostras de DNA de vários peixes do triângulo. Alguns considerados da mesma espécie e outros, de espécies diferentes. Em todos os casos, as perguntas eram as mesmas: o que é diferente e o que é igual?

Na hora de apresentar os resultados, surpresas. Um dos grupos encontrou uma diferença genética de 3% entre dois peixes da espécie Pseudochromis perspicillatus – um da ilha de Morotai, com a coloração branca típica da espécie, e outro da ilha de Komodo, com uma coloração amarelada. Com base numa diferença tão pequena, os alunos concluíram: “São a mesma espécie.”

Até que o professor Barber levantou o braço e explicou que 3% pode ser uma diferença enorme do ponto de vista evolutivo, dependendo do gene estudado. Três vezes maior que a diferença acumulada entre homens e chimpanzés, por exemplo. “É muito provável que sejam espécies diferentes”, declarou Barber, para a felicidade e surpresa dos alunos. A diferença genética entre indivíduos de uma mesma espécie, tipicamente, é menor que 1% (mesmo entre um aborígene australiano e uma modelo alemã).

Aplicabilidade – Não se trata só de uma curiosidade científica. A capacidade de diferenciar espécies tem implicações diretas no gerenciamento de estoques pesqueiros e na elaboração de estratégias eficientes para a conservação da biodiversidade. Especialmente na hora de argumentar a favor da criação de áreas protegidas ou contra a implementação de empreendimentos potencialmente nocivos àquelas espécies. “As informações genéticas são absolutamente cruciais para entendermos o que está acontecendo debaixo d’água”, diz o biólogo MarkErdmann, da ONG Conservação Internacional (CI), que trabalha no triângulo há 20 anos e foi quem coletou os espécimes usados pelo IBRC.

Além de diferenciar espécies, as técnicas moleculares permitem calcular níveis de diversidade genética e mapear rotas de fluxo gênico entre populações de uma mesma espécie, igualmente essenciais para a sustentabilidade dos esforços de conservação.”A diversidade é a força motriz da evolução. Quanto menor a variabilidade genética, menor é a capacidade de uma espécie se adaptar a mudanças ambientais e maior a probabilidade de ela ser extinta”, explica o professor Barber.

Uma técnica curiosa usada nesse tipo de pesquisa é a amostragem genética de plâncton, o estágio larval pelo qual a maioria dos organismos marinhos inicia sua vida. Analisando o DNA do plâncton que flui pelas correntes marinhas e comparando-o com o DNA de organismos adultos de diferentes regiões, é possível traçar mapas de onde essas larvas (e a diversidade genética contida nelas) estão sendo geradas, para onde elas estão indo e as rotas que utilizam para chegar lá.

“Sabendo disso, podemos planejar a localização das áreas protegidas com muito mais eficácia, garantindo a conectividade entre elas”, afirma Muhammad Erdi Lazuardi, aluno do IBRC e coordenador de Ciência e Monitoramento da CI na Indonésia. Os pontos cruciais para a conservação são os de origem da diversidade. Caso contrário, seria como tentar preservar a espécie humana protegendo só os hospitais e não as maternidades.

Fazer esse rastreamento do plâncton pela taxonomia clássica seria inviável, já que as larvas, além de minúsculas, geralmente não se parecem em nada morfologicamente com suas formas adultas. Em vez disso, é possível identificar as larvas somente pelos seus genes. Nesse processo, Barber já “descobriu” várias espécies que nunca viu na vida. São sequências de DNA não identificadas, que não se encaixam com as de nenhuma espécie descrita pela ciência. “Não sabemos como são essas espécies na vida adulta, mas sabemos que elas existem, porque suas larvas estão no plâncton”, diz o biólogo. “Elas estão por aí, em algum lugar, esperando para serem descobertas.”

“Talvez não sejamos capazes de descrever tudo, mas com a genética temos uma visão muito mais completa da real biodiversidade dos oceanos”, resume o biólogo Chris Meyer, do Instituto Smithsonian. (O Estado de São Paulo – 28/8)

 

2 – Levantamento revela contaminação de pescados do Rio por metais pesados

Estudo realizado pela bióloga Rachel Ann Hauser Davis, aluna de doutorado em Química Analítica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio).
Os olhos podem não ver, mas o corpo certamente vai sentir o seu peso. Levantamento realizado pela bióloga Rachel Ann Hauser Davis, aluna de doutorado em Química Analítica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), revela que alguns dos peixes mais comuns pescados, e consumidos, em diversos locais do Rio de Janeiro apresentam altos níveis de contaminação por metais pesados. Acumulados no organismo, estes elementos podem provocar sérios problemas de saúde, como câncer, danos celulares, mal de Parkinson, impotência, alucinações, insônia, anorexia e dificuldades de memória, entre outros.

Rachel recolheu amostras de mais de cem tainhas e tilápias capturadas nas lagoas Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio, do Ipiranga, em Magé, de Itaipu, em Niterói, de Jacarepaguá, na Zona Oeste, e no mar em frente à Praia de Copacabana, além de exemplares vendidos em feiras e supermercados. Utilizando métodos de espectroscopia e espectrometria, a bióloga mediu a presença de cromo, cádmio, manganês, níquel, cobre, zinco e chumbo nos peixes, constatando que muitos deles tinham níveis de contaminação pelos três primeiros metais muito além do limite recomendado.

“Mais de 50% dos peixes ficaram bem acima do recomendável. O mais preocupante é que a população não sabe que isso está acontecendo. Nem o consumidor final, nem o feirante nem o pescador têm a mínima ideia do problema. O pescador vende o que não vê e o consumidor compra o que não sabe”, conta.

No levantamento mais completo, feito em Ipiranga e Itaipu – e que será apresentado no 37º Colóquio Internacional de Espectroscopia (Colloquium Spectroscopicum Internationale), promovido pelo CTC-PUC-Rio a partir de domingo em Búzios – Rachel verificou que 43% das tainhas capturadas em Itaipu e 23% das pescadas em Ipiranga tinham níveis de cromo acima do limite estabelecido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é de 0,1 parte por milhão (ppm), sendo que em alguns casos eles chegavam a 2,5 ppm. Já para o cádmio, a proporção de peixes contaminados além do limite de 0,05 ppm foi bem menor, 10% em Itaipu e 5% em Ipiranga, mas alcançando concentrações de até 10 ppm. Para o manganês, cujo limite é de 1 ppm, as tainhas de Itaipu tiveram o pior resultado da pesquisa, com 79% deles com níveis do elemento bem acima do recomendado, chegando a 3,7 ppm, contra novamente apenas 5% em Ipiranga, com uma máxima de 1,2 ppm. A grande contaminação dos peixes de Itaipu surpreendeu a bióloga.

“Em Ipiranga isso até era esperado em razão da grande poluição da Baía de Guanabara. Mas o mais preocupante é ver estes dados de Itaipu, pois é lá que muita gente vai para comprar peixe acreditando que são frescos e de águas limpas. Tanto que nas pesquisas que fiz na literatura científica Itaipu muitas vezes é citada como local de referência de baixa contaminação”, explica.

Já para os outros locais, Rachel admite que a quantidade de amostras avaliadas não é estatisticamente significativa para render um artigo científico formal. Ainda assim, uma grande proporção dos peixes apresentou problemas. Na Lagoa Rodrigo de Freitas, duas das 15 tilápias tinham mais cromo que o recomendado, enquanto três superavam o limite para cádmio. E das dez tainhas retiradas do mar em Copacabana, três tinham níveis altos de cromo, que variaram de 3 ppm a 6 ppm.

“Embora sejam poucos peixes, a contaminação é alta. Os valores de Copacabana são maiores até do que os de peixes pegos na baía, num forte sinal de alerta de que é grande a contaminação por metais pesados na costa do estado do Rio”, alerta.

Segundo o químico Reinaldo Calixto de Campos, decano do CTC/PUC-Rio e orientador da pesquisa de Rachel, as fontes de contaminação são variadas. Ele lembra que a Baía de Guanabara recebe efluentes de centenas e até milhares de indústrias no seu entorno, além de esgoto não tratado, lixo jogado diretamente nela ou trazido pelos rios e é vítima de repetidos vazamentos e derrames de óleo.

“Esta poluição vem se acumulando ao longo de anos na baía e no seu entorno, pois há também uma troca constante de água com o oceano”, comenta, acrescentando que também ficou surpreendido com os valores da contaminação dos peixes de Itaipu.

Para os cientistas, no entanto, os altos níveis de contaminação por metal pesado de alguns peixes não deve ser motivo de alarme. Segundo eles, os dados da pesquisa devem ser usados para orientar ações de prevenção e monitoramento ambiental que ajudem a enfrentar o problema, além de educação e conscientização tanto de pescadores quanto de consumidores, que não devem capturar e comprar, respectivamente, peixes em áreas onde é sabido que a poluição é grande.

“Além dos níveis de metais acima do limite, encontrei muitos peixes infestados com tumores e parasitas. Esses são indícios de contaminação que os pescadores e consumidores devem estar atentos. Quando o peixe está na feira, muitas vezes já está limpo, o que apaga esses indícios”, conta Rachel.

Calixto, por sua vez, cobra ações integradas dos órgãos estaduais de meio ambiente para ajudar a monitorar e, quem sabe, reverter a situação. “Temos que ter cuidado para não sermos alarmistas, mas a luz amarela está acesa. Isso significa que temos que criar sistemas de monitoramento de longo prazo para poder identificar as fontes de contaminação e tomar as medidas cabíveis para enfrentar o problema. E medidas de controle não são tão difíceis de implementar. Afinal, saneamento básico é uma tecnologia que tem mais de 150 anos. A sociedade tem que entender que a saúde é influenciada por muitos fatores e o custo de não cuidar disso é muito maior do que o de cuidar”. (O Globo – 26/8)