1 – Miúdos de porco e esterco viram energia em cidade sueca
2 – Áreas degradadas têm novos anfíbios
3 – Caça que afeta a flora
4 – EUA querem bunkers para salvar morcegos
1 – Miúdos de porco e esterco viram energia em cidade sueca
Era uma meta ambiciosa quando, há uma década, esta cidade prometeu se livrar dos combustíveis fósseis
Mas, hoje em dia, o município de Kristianstad, com 80 mil habitantes, praticamente não usa mais petróleo, gás natural ou carvão para aquecer lares e empresas. Só que este lugar do sul da Suécia não adotou a energia solar ou a eólica. Como convém a uma região voltada para a agricultura e o processamento de alimentos, ela aproveita ingredientes como cascas de batatas, esterco, óleo de cozinha usado ou tripas de porcos.
Uma usina existente, há dez anos, usa um processo biológico para transformar os detritos em biogás, uma forma de metano. O gás é queimado para gerar calor e eletricidade ou é refinado e vira combustível para carros.
A cidade também queima o gás que emana de um antigo lixão e de tanques de esgoto e aproveita os restos de madeira da poda de árvores e das fábricas de pisos.
Nos últimos cinco anos, muitos países europeus passaram a usar mais a energia renovável. Só na Alemanha, há cerca de 5.000 sistemas de biogás gerando energia.
O uso do biogás em Kristianstad é parte de uma reformulação da matriz energética que levou a cidade a reduzir pela metade seu consumo de combustíveis fósseis e a cortar um quarto das suas emissões de dióxido de carbono.
O biogás gera emissões quando é queimado, mas menos do que o carvão e petróleo. E o biogás é renovável: é feito de dejetos biológicos que de outra forma seriam decompostos em lavouras e lixões, liberando metano (gás do efeito estufa), poluindo o ar e, possivelmente, afetando os mananciais.
Os gastos iniciais em Kristianstad, cobertos pela prefeitura e por repasses do governo sueco, foram consideráveis: o sistema centralizado de calefação por biomassa custou US$ 144 milhões, incluindo a construção de uma usina de incineração, a instalação dos dutos, a substituição de fornalhas e a instalação de geradores.
Mas as autoridades dizem que o retorno é significativo: Kristianstad gasta hoje cerca de US$ 3,2 milhões por ano para aquecer seus prédios públicos, em vez dos US$ 7 milhões que gastaria com petróleo e eletricidade. O biogás abastece carros, ônibus e caminhões da prefeitura.
As operações com biogás geram renda, pois fazendas e fábricas pagam para eliminar seus dejetos, e as usinas vendem calor, eletricidade e combustível para veículos.
Desde a década de 1980, a cidade possui dutos subterrâneos que distribuem vapor para aquecer as residências. O sistema, inicialmente, usava combustível fóssil. Mas, depois que a Suécia se tornou o primeiro país a impor um imposto sobre as emissões de dióxido de carbono por combustíveis fósseis em 1991, a cidade passou a procurar alternativas.
Em 1993, já estava queimando restos de madeira e, em 1999, começou a usar o calor gerado pela nova usina de biogás.
Alguns prédios foram adaptados com fornalhas individuais que usam “pellets” (cilindros granulados) feitos com sobras de madeira.
Queimar madeira dessa forma é mais eficiente e produz menos dióxido de carbono do que a queima da lenha; esse tipo de calefação deu origem a um setor de produção de “pellets” no norte da Europa. Fornalhas para “pellets” recebem subsídios governamentais, e abastecê-las sai por metade do preço em relação ao petróleo, segundo o engenheiro Erfors.
As autoridades de Kristianstad esperam que até 2020 as emissões locais sejam 40% inferiores às de 1990, e que a administração municipal abandone totalmente os combustíveis fósseis e pare de emitir gases do efeito estufa.
O transporte responde por 60% do uso de combustíveis fósseis na cidade. As autoridades querem que os motoristas usem carros abastecidos com biogás local. Isso exigirá aumentar a produção.
Embora o combustível de biogás custe cerca de 20% menos que a gasolina, os consumidores relutam em pagar US$ 32 mil (cerca de US$ 4.000 a mais do que um carro convencional) por um veículo a biogás ou bicombustível, pois querem ter certeza de que a rede de abastecimento continuará crescendo, e que haverá mais postos disponíveis.
O engenheiro Martin Risberg é favorável a tal expansão. “Um tanque é suficiente para você andar o dia todo pela região”, disse Risberg abastecendo seu Volvo com biogás. “Mas é preciso planejar com antecedência.” (Elisabeth Rosenthal, do New York Times) (Folha de SP, 27/12)
2 – Áreas degradadas têm novos anfíbios
Cientistas encontraram novas espécies em “ilhas” que concentram o que sobrou de vegetação da mata atlântica
Antonio de Pádua Almeida, do Projeto Tamar, nem tenta ser diplomático ao falar da região onde ele e seus colegas identificaram duas novas espécies de anfíbios.
“Chamar a área de degradada é pouco. Os cenários são desoladores. Quilômetros de pastagem sem uma única árvore”, afirma ele, referindo-se a um trecho da zona rural de Mucurici (ES).
Mesmo assim, Almeida e dois outros pesquisadores conseguiram identificar o Sphaenorhynchus botocudo e o Sphaenorhynchus mirim, ambos cantando na vegetação de uma lagoa.
Especialistas em anfíbios andam mostrando que o município capixaba não é exceção. Embora a mata atlântica tenha sido reduzida a apenas 7% de sua área original, sendo oficialmente o bioma mais sofrido do país, as descobertas de novas espécies continuam acontecendo nos lugares mais improváveis e até têm se intensificado.
Um dos levantamentos mais recentes, divulgado em março deste ano pela Sociedade Brasileira de Herpetologia (que reúne especialistas em anfíbios e répteis), mostra que o país pulou de 751 espécies de anfíbios para 875 espécies de 2004 para cá.
O Brasil já é o campeão mundial de diversidade do grupo. Centenas desses bichos são endêmicos da mata atlântica. Isso significa que eles só existem ali, e em nenhum outro lugar do mundo.
Os sapinhos do gênero Brachycephalus talvez sejam um dos exemplos mais emblemáticos do endemismo que ainda caracteriza a mata.
Uma equipe integrada pelo biólogo Célio Haddad, do Departamento de Zoologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, descreveu recentemente o Brachycephalus pitanga, de pouco mais de um centímetro e caracterizado pela cor vermelho-alaranjada da fruta de mesmo nome.
Haddad e colegas, aliás, já estão com outra espécie nova do gênero na manga.
O especialista explica por que a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) está financiando o estudo dos bichinhos: eles ajudam a entender como surgem as espécies de anfíbios em ambientes de altitude elevada.
“Várias espécies de Brachycephalus vêm sofrendo perdas de habitat por desmatamento e deverão enfrentar sérios problemas com as mudanças climáticas”, explica ele. É comum que eles estejam restritos a áreas com elevação entre 900 m e 1.100 m, associadas a matas nebulares nas quais nuvens baixas e bruma recobrem a floresta com sequência.
Para esses bichos, é como se cada pico fosse uma ilha, que isolou as populações deles no passado (já que, em ambientes mais baixos e sem nuvens, eles não sobreviveriam) e levou ao surgimento de novas espécies.
“O aumento de temperatura, previsto para as próximas décadas, deverá empurrar as nuvens para cima. Em diversos locais, particularmente na região Sul do Brasil, a previsão é que as matas nebulares desapareçam, e com elas desaparecerão as espécies endêmicas de Brachycephalus”, diz Haddad.
Se o sumiço se confirmar, perdem-se, entre outras coisas, alguns dos poucos anfíbios que trocam a noite pelo dia. Mais de 90% das espécies desses bichos são noturnas, porque precisam conservar a umidade da pele, que os ajuda na respiração debaixo da luz solar, a pele resseca mais fácil.
Mas, como os sapinhos Brachycephalus vivem num ambiente super-úmido, podem se dar ao luxo de ter hábitos diurnos, em meio a folhas caídas no chão da floresta ou na beira de riachos.
Ninguém sabe muito bem para que servem as estranhas ossificações na pele dos sapinhos. “Alguns falam em proteção, mas isso não foi demonstrado. Elas são comuns em espécies miniaturizadas, mas também ocorrem no sapo-intanha, que chega a 20 cm. Ou seja, essas estruturas ósseas na pele estão aparecendo nos extremos de tamanho”, diz Haddad.
O declínio de anfíbios, um fenômeno mundial, tem causas múltiplas. Além da perda de habitat e das mudanças climáticas, os bichos são particularmente vulneráveis a doenças infecciosas e também à poluição excessiva.
Esses bichos desempenham papel ecológico importante, controlando a população de insetos. E representam uma promessa biomédica também, explica Haddad. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 25/12)
3 – Caça que afeta a flora
Estudos indicam que redução de mamíferos e aves em decorrência da caça aumenta predação de sementes, afetando a distribuição das plantas
Uma série de estudos realizados na Mata Atlântica indica que a defaunação – perda de mamíferos e aves devido à caça -, ao modificar as forças seletivas, pode desencadear rápidas mudanças evolucionárias. As pesquisas demonstraram que o processo gera novos impedimentos ecológicos para a população de plantas, afetando sua demografia ao aumentar a predação de sementes.
Os estudos estão relacionados ao Projeto Temático “Efeitos de um gradiente de defaunação na herbivoria, predação e dispersão de sementes: uma perspectiva na Mata Atlântica”, financiado pela Fapesp e coordenado por Mauro Galetti, professor do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Galetti, que pesquisa o tema há cerca de 20 anos, apresentou alguns dos resultados do Projeto Temático durante a conferência internacional Getting Post 2010 – Biodiversity Targets Right realizada este mês pelo Programa Biota-Fapesp em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
De acordo com Galetti, o Brasil tem 35% das espécies ameaçadas de mamíferos no mundo. A perda de habitat e a fragmentação da floresta são os principais fatores de ameaça, mas metade das espécies sofre com a caça. O tamanho do corpo é um dos preditores de ameaça de extinção. Segundo o cientista, a escala de defaunação é gigantesca em todo o mundo, chegando a 20 milhões de animais mortos por ano em regiões como a África central.
“Verificamos que na Mata Atlântica do Estado de São Paulo há muita caça também. Um de nossos mestrandos entrevistou caçadores por um ano no Parque Estadual da Serra do Mar e constatou que 96 mamíferos haviam sido abatidos”, disse Galetti.
É um número alto, considerando as características da região, segundo ele. Em um Projeto Temático anterior coordenado por Galetti, sobre a conservação de grandes mamíferos, os dados da Mata Atlântica foram comparados com os da Amazônia, indicando a abundância no número de espécies de mamíferos no primeiro bioma.
A abundância de mamíferos na floresta contínua com pouca caça na Mata Atlântica é muito maior do que em locais com caça. No caso da queixada (Tayassu pecari), por exemplo, a abundância é 30 vezes menor em áreas com caça.
Os mamíferos são responsáveis por pelo menos 30% da dispersão das cerca de 2,5 mil espécies de plantas na Mata Atlântica. Mas isso corresponde a um processo complexo que envolve os efeitos da presença de animais de diversos tamanhos com inúmeras relações com as espécies vegetais.
“Desenvolvemos um modelo de redução de megaherbívoros para estudar esses efeitos. Conforme aumentamos a perturbação no modelo, as populações de grandes mamíferos entraram em colapso. Mas, por outro lado, as populações de mamíferos de médio porte chegam a aumentar em áreas perturbadas”, disse.
O modelo, segundo ele, aponta um aumento quase linear na abundância de roedores quando há uma perturbação que leva as populações de grandes mamíferos ao colapso. “Esse modelo já foi testado experimentalmente na savana africana, na observação da abundância de ratos em áreas com e sem elefantes. Quando não há elefantes, a população de ratos aumenta muito”, contou.
Na savana africana, no entanto, há apenas um roedor. Na floresta tropical, com diversidade muito maior de pequenos mamíferos, os processos são mais complexos.
O grupo de Galetti realizou um estudo comparando a abundância de pequenos mamíferos em duas áreas separadas por uma distância de 15 quilômetros. Ambas apresentavam uma diferença considerável quanto à biomassa de mamíferos.
“A riqueza de espécies nas duas áreas era exatamente igual. Mas há uma estrada que passa entre as duas áreas e, de um lado, o ambiente é dominado por queixadas, enquanto do outro lado predominam os esquilos. Com exceção dessa característica, que resulta em uma diferença na biomassa dos mamíferos, as populações de animais nas duas são muito semelhantes”, explicou.
Duas tecnologias foram usadas para avaliar os mamíferos: as armadilhas de interceptação e queda conhecidas como pitfall traps e as armadilhas do tipo live trap. A primeira mostrou mais eficiência para registrar as diferenças na abundância dos animais.
“Avaliamos se a diferença de abundância das duas espécies nas duas áreas poderia ser decorrência da abundância de cobras, mesopredadores, limitação de recursos e de microhabitat. Mas tudo isso foi rejeitado como hipótese alternativa. A hipótese que estamos aceitando é que a presença da queixada afeta a abundância de pequenos roedores”, disse Galetti.
Dispersão modificada
De acordo com o coordenador do Projeto Temático, espera-se que a predação de sementes seja maior em uma floresta com mais presença de roedores.
“Testamos isso em um estudo com a palmeira Euterpe edulis, que é usada na produção de palmito. Ela tem suas sementes predadas por aves e muitas espécies de mamíferos. Escolhemos quatro áreas sem queixadas e três com queixadas para fazer o estudo”, contou Galetti.
Os pesquisadores instalaram, nas áreas escolhidas, câmeras que permitem calcular o número de sementes predadas. “Nas áreas defaunadas, sem as queixadas, a predação de sementes por roedores cresce consideravelmente. Nos fragmentos defaunados só os roedores predam as sementes da palmeira, mas a proporção dessa predação é aumentada em seis vezes”, disse.
Além do aumento na predação, as áreas defaunadas sofrem com maior dificuldade de dispersão das sementes, que é feita principalmente por animais que as ingerem e as regurgitam em outras partes da floresta.
Em áreas não defaunadas, segundo Galetti, o maior dispersor das sementes do palmito é o tucano. Quando a área é defaunada, o maior dispersor são aves do gênero Turdus, que inclui o sabiá. O problema é que sua capacidade de dispersão não é a mesma, pois trata-se de uma ave sete vezes menor que o tucano.
“As aves grandes consomem sementes maiores. Testamos isso com aves em cativeiro. Na área defaunada, há uma redução do tamanho das sementes dispersas. As plântulas que se originam das sementes grandes têm mais vigor e podem sobreviver mesmo depois de ser parcialmente predadas”, disse.
Os estudos mostraram também que, nas áreas defaunadas, as sementes maiores apresentam maior chance de escapar da predação, devido à ausência de predadores de médio e grande porte. “Sementes menores sofrem maior pressão de predação”, disse Galetti. (Fábio de Castro) (Agência Fapesp, 27/12)
4 – EUA querem bunkers para salvar morcegos
Ideia é conter doença fatal nesses bichos
Biólogos dos EUA estão estudando bunkers de guerra abandonados, hoje usados por várias espécies de morcegos para hibernação durante os meses de inverno.
O objetivo dos cientistas é mapear as condições desses bunkers- como temperatura e umidade- e atrair os bichos para esses espaços, numa tentativa de controlar a síndrome do nariz branco.
A doença, notificada pela primeira vez em 2006, é causada por um fungo que se desenvolve em torno do focinho, orelhas e membranas das asas desses animais.
Mais de um milhão de morcegos já morreram no nordeste dos EUA por causa da síndrome, que se espalhou para 11 estados do país e chegou ao Canadá.
Algumas cavernas foram fechadas à visitação para evitar a propagação da doença entre os bichos (o fungo pode ser carregado nas roupas dos humanos).
A ideia é criar nos bunkers uma espécie de “cenário artificial” para hibernação, não contaminado pelo fungo.
“Nós podemos manter um espaço livre da doença onde esses morcegos possam hibernar”, disse Susi von Oettingen, bióloga do Serviço de Peixes e Vida Selvagem.
Como os morcegos se alimentam principalmente de insetos, a morte desses bichos pode levar ao aumento de pragas e, consequentemente, trazer danos à agricultura e as florestas dos Estados Unidos e região. (Folha de SP, 27/12)