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Informativo 336 – Brócolis; Superbactérias e Dino com concorva

1 – “A guerra do brócolis” na Europa

2 – O nascimento das superbactérias

3 – Achado fóssil completo de dino com corcova

 

1 – “A guerra do brócolis” na Europa

Decisão sobre patentes de tomate sem água e brócolis anticâncer pode mudar regra de proteção para melhoramento convencional
O Escritório de Patentes Europeu (EPO, na sigla em inglês) deverá decidir até o final de 2010 se processos de melhoramento convencional de plantas que envolvam etapas consideradas tecnicamente inovadoras podem ou não ser patenteados.
De acordo com a diretiva europeia 98/44/EC, “um processo para a produção de plantas ou animais é essencialmente biológico se consiste inteiramente de fenômenos naturais, tais como cruzamento ou seleção”. Agora, uma das câmaras de apelação do EPO se prepara para definir se é ou não “essencialmente biológico” o cruzamento ou seleção em que intervêm marcadores genéticos.
A controvérsia surgiu em razão da patente concedida pelo EPO à companhia britânica Plant Bioscience em 2002, que protege o método desenvolvido pela empresa para obter uma variedade de brócolis com maior concentração da substância anticancerígena presente naturalmente na planta.
Em 2003, a multinacional suíça Syngenta, juntamente com a cooperativa francesa de sementes Limagrain, recorreu ao EPO para contestar a patente sob a alegação de que o melhoramento era um “processo biológico convencional” – portanto, não patenteável. A Plant Bioscience argumenta que seu novo sistema de produção de brócolis por meio da seleção assistida por marcadores é uma inovação tecnológica.
A seleção por marcador molecular é uma técnica de análise de DNA que permite localizar variações no genoma associadas a determinadas características – por exemplo, a resistência à seca ou a suscetibilidade a doenças. Com marcadores moleculares, é possível mapear no genoma de diferentes “indivíduos” da mesma espécie vegetal – ou seja, em exemplares diferentes de uma certa planta –  os genes responsáveis por uma característica desejada.
O método de seleção da Plant Bioscience para aumentar a produção de glucosinolato nos brócolis, resumidamente, consiste em várias etapas de cruzamento e seleção entre variedades selvagens – Brassica villosa e Brassica drepanensis – com linhagens de brócolis chamadas de duplo haplóide. Essas linhagens são originadas por reprodução assexuada a partir de um indivíduo que detenha as características desejadas – neste caso, o maior teor de glucosinolato -, mas que se tornam inférteis no processo por possuir apenas metade do material genético da espécie – chamadas de haplóide.
Para duplicar o material genético e permitir que esses indivíduos com características especiais sejam novamente férteis e possam ser cruzados sexuadamente, são empregadas técnicas em laboratório. A identificação da maior concentração do anticancerígeno nas gerações originadas por esses cruzamentos entre as selvagens e as linhagens duplo haplóide é feita com marcadores moleculares.
A alegação da Syngenta na comissão técnica de apelação é de que o uso de marcadores moleculares na etapa de seleção não é motivo suficiente para excluir o método da categoria de “processo essencialmente biológico”.
Já a empresa britânica diz que o fato de haver “intervenção humana” em algumas das etapas – entre elas, a análise in vitro de tecidos da planta para a identificação dos marcadores moleculares – exclui o processo do conceito de “essencialmente biológico”.
Audiências preliminares e o caso dos tomates de Israel
No final de julho, em Munique, na Alemanha, a comissão técnica de apelação do EPO se reuniu em audiências preliminares para discutir o caso. A decisão não virá antes do final de 2010.
Outro caso está sendo avaliado conjuntamente pela comissão: em 2000, o Ministério da Agricultura de Israel depositou um pedido de patente de um método para produzir tomates com baixo teor de água desenvolvido pela Organização de Pesquisa Agrícola – vinculado ao governo israelense -, o que reduz os custos de produção de ketchup.
Em 2004, a holandesa Unilever – uma das grandes fabricantes mundiais de ketchup – pediu ao EPO o cancelamento da patente com base na mesma justificativa apresentada no caso dos brócolis.
A patente dos tomates não envolve marcadores moleculares nem qualquer técnica de engenharia genética. O método consiste, basicamente, em promover cruzamentos de uma variedade de tomate que naturalmente produz pouca água com outra selvagem para obter a variedade que já nasce com teor hídrico ainda menor.
O processo prevê uma etapa final – a colheita só é feita depois do ponto de maturação “convencional”, de maneira a permitir a identificação dos tomates mais desidratados. Na apelação no EPO, a Unilever alegou que “diferentemente do processo reivindicado no caso T 83/05 [referente à patente dos brócolis da Plant Bioscience], que exige o uso de marcadores moleculares, o método no presente caso não exige qualquer intervenção humana a não ser cruzamento e seleção”.
Os advogados da Unilever escreveram na apelação: “Todas as etapas citadas do processo são claramente parte do cruzamento e seleção realizados por uma pessoa especializada em processo de melhoramento convencional”.
Segundo petição apresentada pela defesa do Ministério da Agricultura de Israel, “enquanto variedades de plantas podem pelo menos ser protegidas pelos direitos de melhoristas, nenhum sistema de proteção sui generis [categoria da propriedade intelectual que abrange os cultivares, ou novas variedades de vegetais resultantes do trabalho de melhoristas, e que possui características diferenciadas daquelas relacionadas à propriedade industrial. Uma interpretação ampla do processo de exclusão no artigo 53 (b) da EPC poderia ampliar a brecha na proteção”.
O artigo 53, alínea b, da European Patent Convention (EPC) – ou Convenção Europeia de Patentes, um tratado multilateral assinado em 1973 – é o que exclui do direito de patenteamento os “processos essencialmente biológicos para a produção de plantas e animais”.
Para os israelenses, qualquer “etapa técnica” que exerça um impacto no resultado final do processo de seleção é suficiente para tirar o processo da categoria “essencialmente biológico” e torná-lo patenteável sob as leis europeias. “Um processo que contenha pelo menos um aspecto técnico que não possa ser executado sem a intervenção humana e que tenha um impacto no produto do processo não se enquadra no termo ‘processo essencialmente biológico'”, argumenta o governo israelense.
Disputas de interesses
“Pela primeira vez na sua história, o EPO vai emitir uma decisão de abrangência ampla sobre a patenteabilidade de processos de seleção convencional de sementes e plantas”, lê-se na introdução do estudo “The future of seeds and food under the growing threat of patents and market concentration” (O futuro das sementes e dos alimentos sob a crescente ameaça das patentes e da concentração de mercado), do grupo de origem alemã “No patents on seeds”.
O documento reúne dados e argumentos que informam as posições contrárias ao patenteamento de genes e de seres vivos e é um indicador da importância da decisão que a câmara de apelação da EPO deverá tomar. A organização enviou em julho um abaixo-assinado para o EPO com 55 mil assinaturas, coletadas – de acordo com a própria coalizão – por 50 entidades que representam produtores agrícolas e uma centena de ONGs de várias partes do mundo.
O documento pede: o fim das patentes sobre sementes e animais em âmbito mundial; uma ação das autoridades políticas e dos escritórios de patentes pela não concessão de patentes relacionadas a processos de melhoramento convencional; e a não concessão de patentes para sequências de DNA empregadas em melhoramento convencional, como no caso da seleção assistida por marcadores.
No debate internacional e europeu sobre propriedade intelectual, modelo de agricultura e produção de alimentos alinham-se grupos, organizações e pessoas contrários também ao uso de produtos intensivos em biotecnologia, como sementes transgênicas.
No dia 22 de julho, o colunista Paul Betts publicou no Financial Times um texto sobre a “guerra do brócolis”, como o caso está sendo chamado. De acordo com Betts, o principal temor manifestado por esses grupos, é que, caso sejam mantidas, as patentes poderão aumentar a concentração no mercado agrícola e elevar os preços dos produtos.
O texto também registra uma suspeita dos grupos contrários à extensão da proteção a técnicas mistas de melhoramento: a de que o desafio da Unilever e da Syngenta à patente do tomate desidratado e dos brócolis anticâncer tenham como objetivo forçar e fortalecer a decisão pró-patenteamento de variedades obtidas por inovações introduzidas no melhoramento convencional – para estender o direito de patente, e não para derrubar a proteção já conquistada pela Plant Bioscience e por Israel.
A estratégia consistiria em recorrer à comissão técnica de apelação para, caso a decisão seja em favor da manutenção das patentes, abrir caminho para proteções similares de seus próprios processos biológicos e sementes.
O documento do “No patents on seeds”
O documento de 2009, que Inovação publica nas íntegras desta edição , é assinado por Cristoph Then e Ruth Tippe. Uma pesquisa no Google leva à página de uma organização alemã denominada “TestBiotech” (Instituto para Avaliação Independente de Biotecnologia), em que ambos são apresentados. Then é cirurgião veterinário e, de 1999 a 2007, foi consultor especialista em agricultura e engenharia genética para o Greenpeace. Tippe tem o título de doutora e aparece como pertencente ao grupo alemão “No patents on life” – contra patenteamento “da vida”.
O estudo detecta, com base nos dados do EPO, o crescimento de pedidos de patentes sobre variedades obtidas por melhoramento clássico: em 2008, registra, quase 25% de todos os depósitos de patentes relacionados com plantas eram ligados ao que, para a organização não governamental, é melhoramento convencional; em 2000, esse número não chegava a 5%.
Nas patentes dos tomates e dos brócolis, diz o texto, houve “emprego de ferramentas no processo de reprodução”. Em ambos os casos, prosseguem os autores, “os detentores das patentes alegam que esses instrumentos técnicos garantem motivos suficientes para configurar o processo inteiro de melhoramento convencional como um processo inventivo para a produção de plantas”.
O documento ressalta que os titulares das patentes exigem ainda que “sementes, plantas resultantes e suas partes comestíveis” também sejam incluídas no escopo de proteção das patentes.
A conclusão da “No patents on seeds” é que, se a decisão da agência europeia for pela manutenção das patentes, qualquer avanço técnico no melhoramento de plantas poderá ser suficiente para as empresas requererem o direito sobre a propriedade intelectual do processo – e por causa dele, de seus produtos -, como já acontece com as sementes geneticamente modificadas.
Indicadores sobre melhoramentos convencionais
“The future of seeds and food” se detém na análise de levantamento feito no EPO que mostra o crescimento das patentes de melhoramento convencional na Europa.  Na página 14, o estudo diz que nos últimos anos há uma tendência de reutilização dos processos de melhoramento convencional, com o emprego de novas ferramentas, em lugar da engenharia genética.
Entre essas ferramentas está a seleção assistida por marcadores moleculares, “que está permitindo uma abordagem mais eficiente para vários objetivos do melhoramento de plantas em comparação com os métodos usados em sementes geneticamente engenheiradas”.
O documento traz um histórico recente de questões em discussão no EPO nos últimos anos – como a PI sobre melhoramento convencional -, aborda a concentração no mercado de sementes – o texto cita um estudo da ONG ETC Group, baseada no Canadá, que afirma que dez empresas concentram dois terços das vendas de sementes no mundo -, e apresenta exemplos de patentes concedidas para melhoramentos convencionais na Europa.
“The future of seeds and food” também discute tópicos relacionados à atual situação legal da PI na União Europeia e sugere ações a serem tomadas em âmbito continental e mundial, como a revisão da legislação de patentes da Europa e do Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, na sigla em inglês). (Guilherme Gorgulho, do Inovação Unicamp, 6/9)

 

2 – O nascimento das superbactérias

Cientistas descobrem que, ao contrário do que se imaginava, esses micro-organismos unicelulares ganham resistência contra medicamentos não por mutações genéticas, mas por uma espécie de “suicídio altruísta”
Inimigas letais dos seres humanos, as bactérias são de um altruísmo invejável entre si. Levando a sério o termo trabalho em grupo, esses micro-organismos são capazes de se autodestruir em prol da sobrevivência de uma colônia.
A descoberta, feita por pesquisadores do Howard Hughes Medical Institute (HHMI), na Inglaterra, surpreendeu os cientistas e pode ajudar a desenvolver novas drogas que combatam uma das características mais desafiadoras desses seres unicelulares: a resistência que criam contra os medicamentos.
A pesquisa, que foi publicada pela revista especializada “Nature”, mostra que, quando o grupo está ameaçado, as bactérias mais fortes se sacrificam em prol das outras, ao contrário do que se imaginava previamente. Até agora, os cientistas pensavam que a resistência aos antibióticos acontecia quando uma bactéria sofria mutações genéticas, tornando-se indiferente à ação do remédio. Como esses micro-organismos se dividem para criar novos exemplares, achava-se que a superbactéria disseminava a mutação para suas descendentes.
O novo estudo, porém, provou que as bactérias trabalham de uma forma diferente. Quando defrontadas com um ataque violento de antibióticos, a mais resistente Escherichia coli produz – ao custo da própria energia – uma proteína que desencadeia um mecanismo de proteção às vizinhas mais fracas.
Nos últimos anos, o crescimento alarmante das superbugs, como são chamadas as cepas hiper-resistentes, têm despertado a preocupação de hospitais, que temem uma onda de contaminações. Uma das mais temidas é o estafilococo áureo resistente à meticilina (MRSA, sigla em inglês), que provocou um surto de infecções nos Estados Unidos, em 2005, matando 19 mil pessoas.
Para estudar a resistência das bactérias, o pesquisador James J. Collins e seus colegas da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, cultivaram um micro-organismo em um biorreator – equipamento que permite controlar o ambiente ao qual os bugs estão expostos.
Ainda acreditando que o que fazia os patógenos se tornarem super-resistentes eram as supostas mutações, eles adicionaram no biorreator doses do antibiótico norfloxacina. A ideia era medir, periodicamente, a concentração inibitória mínima (CIM), método que permite verificar o nível de crescimento de uma colônia. Quanto maior o CIM, mais resistente é o micro-organismo.
“Foi quando ficamos completamente paralisados”, conta Collins. Para a surpresa dos cientistas, o CIM de algumas amostras era muito mais baixo do que o da população como um todo. Além disso, a quantidade desses patógenos na colônia era muito pequena – representavam menos de 1% do total.
A equipe, então, analisou as proteínas produzidas pelas bactérias com alto CIM em contato com o antibiótico. Eles descobriram que a triptofanase era abundante. Essa enzima tem como função quebrar o aminoácido tripnofano em pequenos pedaços, sendo que um dos produtos da degradação é o indol, um composto orgânico que fortalece as bactérias vizinhas, à custa de muito gasto energético da superbactéria que o produz.
O indol atua de duas maneiras. Uma delas é estimular as células a expulsar o antibiótico de dentro delas, como se estivessem expelindo um veneno. Como se não bastasse, ele protege as bactérias contra os radicais livres, que levam à oxidação. Há alguns anos, a equipe de Collins já havia descoberto que os antibióticos funcionavam justamente bombardeando as bactérias com radicais livres. “Agora, nós vimos que o indol bloqueia esse efeito”, diz.
Todo esse mecanismo custa a energia e a vida da superbactéria. Ao comparar o crescimento dos micro-organismos, os cientistas notaram que a produção do indol “suga as forças” da bactéria generosa. “Ela não cresce tanto quanto podia, porque passa a produzir indol para todas as outras”, explica o pesquisador.
De acordo com ele, esse comportamento “altruísta” – que ocorre em diversas espécies do mundo animal, incluindo os humanos – representa um já conhecido paradoxo para os biólogos evolucionistas: se a evolução favorece o mais forte, porque um indivíduo iria sacrificar sua própria força pelo restante do grupo?
Herança
A descoberta de Collin reforça a teoria da seleção de parentesco, formulada na década de 1969 pelo cientista britânico W.D. Hamilton. De acordo com ele, os organismos precisam se comportar de maneira altruísta com aqueles que compartilham seus genes. Mesmo que esse indivíduo “especial” não sobreviva, ele está passando suas características às futuras gerações, que vão desempenhar o papel evolutivo.
No caso da pesquisa de Collins, as bactérias estudadas pertenciam a uma mesma colônia. Então, ao produzir o indol, os bugs mutantes estavam protegendo sua própria herança genética.
Apesar de as descobertas flutuarem pelo ramo da biologia evolutiva, Collins acredita que as principais implicações do estudo referem-se à saúde pública. De acordo com ele, novas pesquisas sobre antibióticos devem se focar no padrão de produção do indol, de forma a bloquear a habilidade da superbactéria de compartilhar com as outras sua resistência.
“Acredito que nosso trabalho demonstra a necessidade premente de se investir no desenvolvimento de novos medicamentos”, diz. “A chance de termos novos e perigosos superbugs emergindo são bastante grandes, e estou preocupado que nosso arsenal de antibióticos não dê conta deles. Ainda temos tempo de oferecer uma resposta, mas, para isso, precisamos nos empenhar para expandir as pesquisas e a fabricação de novas drogas”, afirma o cientista.
O antibiótico dos núbios
Dois mil anos antes que Alexandre Fleming descobrisse a penicilina, os núbios, povo que habitou uma região próxima ao Egito, já se protegiam contra bactérias consumindo, regularmente, a tetraciclina, substância utilizada no tratamento de infecções. Porém, em vez de tomá-la em forma de pílulas ou injeções, tinham um modo bem mais palatável de se proteger: bebendo cerveja.
Uma análise química de ossos de antigos núbios mostrou que eles já dominavam a arte de fabricar antibióticos. A descoberta foi descrita no “Jornal Americano de Antropologia Física” e é fruto de uma pesquisa feita pelo bioarqueólogo e especialista em dietas ancestrais e pré-históricas George Armelagos, ao lado do químico Mark Nelson.
Na década de 1980, Armelagos descobriu traços de tetraciclina em ossos de núbios datados entre 350 a.C. e 550 a.C. Uma das dificuldades em estudar o antigo Reino da Núbia, onde se localiza hoje o atual Sudão, é que essa civilização não deixou registros históricos escritos.
Mais tarde, Armelagos conseguiu desvendar como o antibiótico aparecia na cerveja dos núbios. O grão usado por eles para fermentar a cevada era contaminado pela bactéria Streptomyces scabies, micro-organismo que costuma atacar plantas. Ao ser fermentada, a cevada produz a tetraciclina. O que eles ainda não haviam descoberto era se apenas alguns lotes da antiga cerveja núbia continham a substância antibiótica, o que poderia indicar uma contaminação acidental.
Especialista em tetraciclina e outros antibióticos, Mark Nelson se interessou pela pesquisa depois de ouvir uma palestra de Armelagos. “Pedi que ele me mandasse alguns ossos mumificados, porque eu tinha as ferramentas e a técnica para extrair deles a tetraciclina”, contou ao Correio. “É um processo repugnante e perigoso. Tive de dissolver os ossos no fluoreto de hidrogênio, o mais perigoso ácido do planeta.”
Saturação
O resultado valeu o risco corrido. “Os ossos dos indivíduos dessa população ancestral estavam saturados de tetraciclina, mostrando que eles tomavam a substância por um longo período. Estou convencido de que eles tinham o conhecimento científico de que a fermentação produzia o antibiótico e o fabricavam propositadamente”, afirma.
No estudo, Armelagos lembra: “Temos a tendência de associar drogas que curam doenças à medicina moderna. Mas está ficando cada vez mais claro que a população pré-histórica usava provas empíricas para desenvolver agentes terapêuticos. Não tenho dúvidas de que os núbios sabiam o que estavam fazendo”.
A tetraciclina foi encontrada até mesmo na tíbia de um garoto de 4 anos, sugerindo que os núbios prescreviam grandes doses da substância para as crianças, na tentativa de curá-los de doenças. 
A confirmação química de que a tetraciclina estava mesmo presente em ossos ancestrais não põe fim ao projeto de pesquisa de Armelagos. Ele continua entusiasmado, depois de mais de três décadas investigando o assunto. “Isso abre uma nova área de pesquisa. Agora, vamos comparar a quantidade de tetraciclina nos ossos e a formação dos ossos com o passar dos tempos, para determinar a dosagem que os antigos núbios conseguiam obter.” (Paloma Oliveto) (Correio Braziliense, 8/9)

 

3 – Achado fóssil completo de dino com corcova

Nova espécie indica que as penas das aves podem ter surgido antes do imaginado
Uma nova espécie de dinossauro descoberta na Espanha indica que as penas podem ter surgido bem antes do que se pensava no processo evolutivo. Chamado de Concavenator corcovatus, o animal de cerca de seis metros do focinho à ponta do rabo viveu há 130 milhões.
O fóssil tem duas características que chamaram a atenção dos pesquisadores: uma corcova nas costas e estruturas nos membros superiores que parecem ser locais onde se encaixariam proto-penas.
Um dos mais bem conservados e completos fósseis de dinossauros carnívoros já encontrados, o do Concavenator corcovatus foi retirado de um sítio na região de Cuenca, daí seu nome, que significa “o caçador corcunda de Cuenca”.
Fósseis de dinossauros com penas já foram encontrados antes, todos da família dos coelurossauros, que os cientistas acreditam ter dado origem às aves atuais e da qual fazem parte “estrelas” da paleontologia como o Tiranossauro Rex e o Velociraptor.
Como outras características do fóssil apontam que o Concavenator pertenceria à família vizinha de dinossauros carnívoros conhecidos como alossauros, os estudiosos deverão buscar num ancestral comum a ambas para a origem das penas. O candidato mais provável vem da infraordem Tetanurae, surgida cerca de 50 milhões de anos antes dos coelurossauros e dos alossauros.
– Estamos empurrando para trás a época em que estruturas parecidas com as de pássaros começaram a aparecer – diz o biólogo Francisco Ortega, da Universidade Nacional de Ensino a Distância de Madri e líder da equipe que identificou a nova espécie em artigo publicado na edição desta semana da revista “Nature”.
– Vamos ter que imaginar mais dinossauros como tendo sido parecidos com as aves. A maioria dos alossauros é mostrada como animais pesados, distantes dos pássaros. Isso nos mostra que alguns também devem ser incluídos entre as espécies parecidas com aves.
Segundo Ortega, a corcova podia ser usada para estocar gordura ou regular a temperatura corporal, mas há uma grande possibilidade de que ela na verdade servia para os espécimes se diferenciarem e se comunicarem. Mas, com apenas um exemplar descoberto, tudo não passa de especulação, destacou. 
No entanto, o paleontólogo Paul Sereno, da Universidade de Chicago e que não fez parte da equipe descobridora, acredita que a única função concebível é mesmo a de “propaganda”, já que a corcunda se assemelha a outras estruturas similares encontradas em outras espécies de dinossauros.
– É uma crista ornamental que ajuda a distinguir os indivíduos. Talvez ela tivesse cores fortes, ou fosse grande e bem formada em espécimes fortes e saudáveis – diz Sereno. (O Globo, 9/9)