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Informativo 256 – Luzes de alerta e A origem da vida

1 – Luzes de alerta

2 – A origem da vida

 

1 – Luzes de alerta

 

 

Desaparecimento de várias espécies de vaga-lumes no Planalto Central indica grau de degradação do Cerrado, aponta pesquisa feita por grupo da UFSCar

Milhares de minúsculos pontos de luz brilhavam sobre dezenas de cupinzeiros que cobriam a pastagem, aparentando ser uma cidade à noite, em um espetáculo luminoso em meio à escuridão da noite do Cerrado.

Tais luzes, comuns há alguns anos no Planalto Central, desapareceram quase que totalmente. Plantações de soja tomaram conta dos pastos e eliminaram os cupinzeiros, que ficaram restritos às áreas de preservação do Parque Nacional das Emas, onde são mais raros e estão encobertos pela vegetação. Mas o mais grave é que a fonte das luzes, larvas de espécies de vaga-lumes, tem desaparecido ao longo dos anos, e tamanho dano se estende até o norte de Tocantins.

A constatação é do professor Vadim Viviani, coordenador do grupo de Bioluminescência e Biofotônica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) no campus de Sorocaba, que há mais de 20 anos visita a região do Parque Nacional das Emas, no sudoeste do Estado de Goiás, para estudar os pirilampos.

“Visitamos regularmente a região na década de 1990. Depois, nas recentes expedições de 2008 e 2009, para nossa surpresa não encontramos mais várias espécies de vaga-lumes. De maneira geral, todas as populações desses insetos diminuíram drasticamente na região”, disse à Agência Fapesp.

Há pouco mais de uma década, era possível apreciar os cupinzeiros luminescentes na região do entorno do parque. O fenômeno tem como causa uma relação de mutualismo entre espécies específicas de cupins e de vaga-lumes da espécie Pyrearinus termitilluminans. As luzes são emitidas pelas larvas dos vaga-lumes em túneis na superfície do cupinzeiro.

“É um espetáculo único no mundo, só visto no Planalto Central e em algumas regiões da Amazônia, e possui um grande potencial turístico”, aponta Viviani. O pesquisador cita exemplos de faunas bioluminescentes que movimentam a indústria do turismo em outras regiões, como a Nova Zelândia, que promove excursões a grutas forradas de larvas que emitem uma luz azulada, ou o Caribe, cujas algas luminosas atraem mergulhadores.

“Os cupinzeiros luminescentes do Brasil são mais conhecidos no exterior. As emissoras BBC, do Reino Unido, e NHK, do Japão, por exemplo, já fizeram especiais sobre o assunto. Por aqui, a Rede Globo chegou a fazer também”, disse Viviani.

Além dos montes luminosos, o avanço das plantações sobre as pastagens também vitimou espécies raras de vaga-lumes, como as da família Phengodidae, conhecida popularmente como “trenzinhos”, por emitir luzes de cores diferentes ao longo do corpo, similarmente a um trem visto à noite.

“O professor Etelvino José Henriques Bechara [do Instituto de Química da Universidade de São Paulo] participou ativamente do esforço de alertar as autoridades sobre o assunto na década de 1980 e 1990, quando ainda existiam cupinzeiros fora da área do parque”, disse.

“A Mastinomorphus, uma das espécies mais raras dessa família, emite uma luz laranja no corpo inteiro, como uma verdadeira lagarta de fogo”, disse o pesquisador da UFSCar. Nenhum exemplar dessa família foi detectado nos dois últimos anos por seu grupo.

Perdas maiores

Viviani, que também é coordenador do projeto “Coleópteros bioluminescentes da Mata Atlântica: biodiversidade e uso como bioindicadores de impacto ambiental”, ligado ao programa Biota-Fapesp, afirma que o desaparecimento dos vaga-lumes é sintoma de uma degradação ambiental muito mais ampla.

“Também pudemos perceber que nascentes de rios importantes localizadas no Planalto Central não estão dentro de áreas de proteção. Muitas foram desmatadas e pelo menos em uma vimos que o solo erodiu”, disse. As nascentes deveriam estar em áreas de proteção ambiental.

Segundo o pesquisador, a redução da biodiversidade também traz prejuízos financeiros ao país, que perde um patrimônio importante composto por substâncias presentes em espécies animais e vegetais que podem ser úteis em várias aplicações.

Os vaga-lumes são responsáveis por patentes registradas no Brasil e no Japão de produtos desenvolvidos pelo grupo de Viviani a partir do estudo com os insetos bioluminescentes.

Um dos mais interessantes é o da utilização da enzima luciferase, responsável pela luz dos pirilampos, como biossensor para a detecção de agentes microbicidas e toxicidade. Esse projeto contou com apoio da FAPESP por meio do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI).

A luciferase é capaz de detectar substâncias tóxicas e apresentar uma resposta visual na análise feita. “Se a luciferase se apaga é sinal da presença de uma toxina”, disse Viviani, que ressaltou que a patente resultante desse projeto gerou o depósito de outras duas.

A aplicação mais promissora da enzima luminosa é o acompanhamento do crescimento celular e a detecção de metástases. Por ela também é possível o estudo de expressão dos genes no interior celular. “É possível ver quais genes estão ligados e quais estão desligados em funções ocorridas dentro da célula. Já existem kits que fazem uso das luciferases para essa finalidade”, disse.

Um dos objetivos atuais da equipe de Viviani é aperfeiçoar a luciferase tornando-a mais utilizável para fins biotecnológicos. O professor da UFSCar explica que nos insetos as enzimas trabalham em temperaturas em torno de 20º C, enquanto que as células de mamíferos atuam na faixa dos 37º C. Por conta disso, a enzima deve ser estabilizada e ter cores modificadas a fim de responder adequadamente dentro do novo organismo.

A redução das populações de vaga-lumes é um obstáculo a essas pesquisas e um empecilho a novas descobertas. Viviani lembra ainda que esses insetos têm sofrido os efeitos da iluminação artificial que vem se espalhando pelo planeta desde o século 19.

“O ambiente noturno iluminado artificialmente causa impactos ecológicos sutis e os vaga-lumes são os primeiros a senti-los”, disse, citando a contribuição para o tema do livro Antes que os vaga-lumes desapareçam – A influência da iluminação artificial sobre o ambiente, de Alessandro Barghini, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia e do Laboratório de Estudos Evolutivos do Instituto de Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), lançado recentemente.

As pesquisas realizadas no entorno de cidades também indicam a redução das populações de vaga-lumes. De cerca de 20 espécies encontradas há poucos anos nas áreas de Campinas e Sorocaba, hoje os pesquisadores da UFSCar só identificam duas.

Com o crescimento das cidades, sobraram aos vaga-lumes as áreas rurais, que também vêm sendo degradadas. “Há anos estamos dizendo que a ocupação desorganizada do campo está afetando dramaticamente a natureza.”

“Se nenhuma atitude séria for tomada, ninguém conseguirá aproveitar mais esses recursos naturais importantes”, alertou o pesquisador. Viviani estima que existam mais de 2 mil espécies de vaga-lumes no Brasil, das quais somente cerca de 500 estão catalogadas e talvez muitas já tenham desaparecido.

“O mais grave é que o desaparecimento dessas espécies representa um desastre ambiental silencioso. Poucos sabem da importância das moléculas de vaga-lumes em biomedicina e em biotecnologia nos dias de hoje”, afirmou o pesquisador.

(Fábio Reynol, Agência Fapesp, 6/5)

 

2 – A origem da vida

Descoberta de gelo e de compostos orgânicos em asteroide reforça a teoria de que os oceanos se formaram a partir do choque de corpos espaciais com a Terra
Quando a Terra foi formada, há cerca de 4,5 bilhões de anos, sua temperatura era muito alta para que abrigasse água. O planeta só começaria a se tornar azul mais tarde, com a diminuição do calor. Mas de onde teria vindo a água que formou os oceanos e permitiu a existência de vida? Uma das teorias – considerada bastante plausível por um grande número de cientistas – diz que o líquido surgiu, pelo menos em parte, a partir da queda na superfície terrestre de meteoros e asteroides cobertos de gelo.
Até a semana passada, essa era uma ideia que precisava de evidências mais consistentes. Daí a importância de dois estudos publicados simultaneamente na revista especializada Nature, realizados por grupos de cientistas de diversos países, incluindo o Brasil. As duas pesquisas constataram evidências de gelo e material orgânico (no caso, hidrocarbonetos) no 24 Themis, um dos maiores corpos que compõem o cinturão de asteroides localizado entre Marte e Júpiter.
“Essa descoberta é muito importante, pois reforça a teoria de que a água dos oceanos e o material orgânico encontrado, dois pré-requisitos fundamentais para a geração da vida, podem ter vindo de cometas e, talvez, de asteroides”, explica ao Correio Thais Mothé Diniz, pesquisadora do Observatório de Valongo, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela é única brasileira participante de um dos estudos, coordenado pelo norte-americano Humberto Campins, da Universidade da Flórida Central.
Em outras palavras, a descoberta colocou o homem mais perto de entender um evento fundamental para a sua própria existência: o início das condições propícias ao desenvolvimento da vida na Terra. Segundo o professor do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Alvaro Crósta, a Terra vem sofrendo bombardeios realizados por asteroides desde a sua criação. “Portanto, a hipótese de que a água teria sido trazida de fora e introduzida na Terra por asteroides em um período intermediário da história do planeta, quando as condições já permitiam a existência de água, é plausível. Faltava constatar a ocorrência de água em asteroides, o que foi conseguido agora”, afirma.
Para chegar a essa conclusão, os dois grupos de cientistas contaram com a ajuda do telescópio de infravermelho pertencente à Agência Espacial Norte Americana (Nasa), localizado em Mauna Kea, no Havaí. “Com a ajuda do equipamento, conseguimos estudar a luz do Sol refletida pela superfície do 24 Themis”, conta Thais.
Joshua Emery, professor da Universidade do Tenessi, nos Estados Unidos, – integrante da equipe que realizou a outra pesquisa que chegou às mesmas conclusões, coordenada por Andrew Rivkin, da Universidade Johns Hopkins, também nos EUA – explica que a necessidade de utilizar um telescópio de infravermelho se deve ao fato de os asteroides não emitirem luz própria. “Esses corpos refletem cerca de 5% da luz que atinge sua superfície. Essa reflexividade é semelhante à do carvão. Aos nossos olhos, o 24 Themis parece muito escuro”, conta, por e-mail.
De acordo com ele, o telescópio possui um espelho primário de 3m de diâmetro e um espectrógrafo (equipamento que realiza um registro fotográfico de um espectro luminoso) ligado a ele. “O espectrógrafo tem a luz coletada pelo telescópio e a divide em diferentes comprimentos de onda (cores). Em seguida, é medido o brilho da luz em cada comprimento. Nesse caso, estávamos procurando a parte infravermelha do espectro de luz solar refletida da superfície do asteroide”, enfatiza.
Próximos passos
Alguns estudos, porém, ainda são necessários. Segundo Humberto Campins, não foi possível precisar a quantidade de água congelada na superfície do 24 Themis. “Estamos estudando outros membros da mesma família de asteroides e também outros candidatos que possam conter gelo e material orgânico”, revela o pesquisador da Universidade da Flórida Central, em entrevista por e-mail.
Apesar de não saberem ao certo a quantidade de água na superfície, os cientistas especulam sobre a existência de um reservatório escondido no interior do asteroide. “Ele forneceria com regularidade a matéria-prima para a formação da crosta de gelo”, diz Thais. (Gisela Cabral) (Correio Braziliense, 7/5)