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Informativo 240 – Aquífero, pegadas fósseis e aventura nos trópicos

1 – Aquífero descoberto no Norte seria maior que Guarani

2 – Calçamento na região de Araraquara revela pegadas fósseis de dinossauros

3 – Aventura nos trópicos

 

1 – Aquífero descoberto no Norte seria maior que Guarani

Reserva, sob Amazonas, Amapá e Pará, permitiria acesso mais fácil à água por ser mais espessa e menos profunda
Pesquisadores da Universidade Federal do Pará (UFPA) divulgarão oficialmente na semana que vem a descoberta do que afirmam ser o maior aquífero do mundo. A imensa reserva subterrânea sob os Estados do Pará, Amazonas e Amapá tem o nome provisório de Aquífero Alter do Chão – em referência à cidade de mesmo nome, centro turístico perto de Santarém.
“Temos estudos pontuais e vários dados coletados ao longo de mais de 30 anos que nos permitem dizer que se trata da maior reserva de água doce subterrânea do planeta. É maior em espessura que o Aquífero Guarani, considerado pela comunidade científica o maior do mundo”, assegura Milton Matta, geólogo da UFPA.
A capacidade do aquífero não foi estabelecida. Os dados preliminares indicam que ele possui uma área de 437,5 mil quilômetros quadrados e espessura média de 545 metros. “É menor em extensão, mas maior em espessura do que o Guarani.”
Matta cita a porosidade da rocha em que a água está depositada como um dos indícios do potencial do reservatório. “A rocha é muito porosa, o que indica grande capacidade de reserva de água. Além do mais, a permeabilidade – a conexão entre os poros da rocha – também é grande.”
Segundo ele, apesar de as dimensões da reserva não terem sido mapeadas, sai do aquífero a água que abastece 100% de Santarém e quase toda Manaus. “A vazão dos poços perfurados na região do aquífero é outro indício de que sua reserva é muito grande”, afirma Matta.
Para o geólogo Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, a comparação com o Guarani é interessante como referência, mas complicada. “O Guarani é um aquífero extremamente importante para o Brasil e para a América Latina, mas não é o maior do mundo. Há pelo menos um aquífero, na Austrália, que é maior que o Guarani”, contesta
Para Hirata, também se deve levar em conta a localização das reservas ao se comparar as duas. “Pela alta demanda e pela baixa disponibilidade de água que temos nas Regiões Sudeste e Sul, podemos dizer que o Guarani é estrategicamente muito mais importante do que um aquífero no Norte, mesmo que imenso.”
Matta afirma categoricamente que o Aquífero Alter do Chão pode abastecer toda a população do mundo por centenas de anos. Afirma também que o acesso à água da reserva nortista é fácil. “Aqui, o sujeito encontra água a uma profundidade de 300, 350 metros. Para chegar até a reserva do Guarani, às vezes é preciso cavar mais de mil metros.”
O próximo passo do pesquisador é conseguir financiamento para um estudo sistemático da reserva subterrânea. Matta já concluiu um projeto para pedir recursos ao Banco Mundial. (Karina Ninni). (O Estado de SP, 11/4)

 

2 – Calçamento na região de Araraquara revela pegadas fósseis de dinossauros

Animais deixaram vestígios na areia há 140 milhões de anos; paleontólogo da Ufscar reuniu mais de mil lajes de arenito com rastros
Há um mês, Valéria Ribeiro comprou uma lanchonete na Rua Itália, em Araraquara, interior de São Paulo. Do antigo dono, ouviu histórias sobre pegadas de dinossauro na calçada. Sozinha, não encontrou nada. Precisou da ajuda do paleontólogo Marcelo Adorna Fernandes para identificar, em uma laje do calçamento, a pegada do réptil de três dedos que viveu há 140 milhões de anos na região.
Valéria não sabia que os pavimentos da cidade – retirados de pedreiras de arenito, hoje desativadas – guardam memórias jurássicas. A região já esteve na borda de um imenso deserto: um cenário desolador que se estendia por 1,3 milhões de quilômetros quadrados até o Uruguai.
Nos oásis de Araraquara, os animais matavam a sede e deixavam seus rastros sobre a areia molhada. O vento cobriu as pegadas com o pó das dunas e o tempo se encarregou de transformar a areia em rocha (mais informações nesta página).
As condições geológicas e de umidade não conservaram as ossadas fósseis dos dinossauros. Contudo, foram perfeitas para preservar seus rastros.
Martelo e cinzel
Em 1984, Fernandes gastou 4 mil cruzeiros – R$ 15, em valores corrigidos – para comprar a edição de novembro da revista Ciência Hoje. O título “Dinossauros do Brasil” despertou o interesse do rapaz de 15 anos quando passava pela banca de jornais. Ao ler a revista, descobriu que Araraquara, sua cidade, tinha pegadas pré-históricas.
Hoje, Fernandes trabalha na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Cuida da maior coleção de pegadas fósseis do Brasil, com quase mil peças. Parte do acervo ocupa dois ambientes do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da universidade. Também há muitas pedras encostadas nas paredes da casa do pesquisador, esperando um abrigo definitivo.
A joia do acervo – uma trilha com cerca de 4 metros – está guardada em um galpão emprestado da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). O rastro pertenceu a um ornitópode, dinossauro herbívoro e bípede, que tinha 5 metros de comprimento – do focinho à ponta da cauda -, 3 metros de altura e pesava 2 toneladas.
A peça foi achada na pedreira São Bento, a 15 quilômetros do centro de Araraquara, e valeu uma conferência no Congresso Brasileiro de Paleontologia, em 2007.
Fernandes passava horas nas pedreiras – origem de boa parte do calçamento da região -, acompanhado da mulher, a bióloga Luciana, parceira nas pesquisas e na busca das pegadas.
Com martelo e cinzel, funcionários desprendiam lajes de arenito como se destacam folhas de um livro ancestral. O pesquisador ensinou-os a procurar nas páginas da rocha vestígios da pré-história. Diante de uma irregularidade na superfície, chamavam Fernandes. Se ele confirmasse a descoberta, embarcavam a peça no Ford Courier do casal.
Precursores
Mas o primeiro registro fóssil da região de Araraquara não foi identificado nas pedreiras. Estava exposto em uma calçada da vizinha São Carlos. Em 1911, o engenheiro de minas Joviano Pacheco ficou intrigado com as pegadas no arenito cor-de-rosa do passeio público. Hoje, a pista fóssil descansa nas coleções do antigo Instituto Geográfico e Geológico, na capital.
Durante décadas, os fósseis urbanos permaneceram esquecidos. Em 1976, um evento casual tirou-os da escuridão. O padre italiano Giuseppe Leonardi viajava para o norte do Estado. No caminho, sofreu uma incômoda dor de dente. Resolveu descer na Rodovia Washington Luís para se tratar na Faculdade de Odontologia da Unesp de Araraquara. No caminho, olhava para o chão.
Apaixonado pela paleontologia, percebeu o tesouro que tinha debaixo dos pés. Em 1983, solicitou a retirada de duas toneladas de lajes das ruas, levadas aos galpões do Departamento Nacional de Produção Mineral.
Intercâmbio
O artigo de Ciência Hoje lido por Fernandes foi escrito pelo padre Leonardi. Em 1989, o missionário deixou o Brasil e hoje vive em Kinshasa, no Congo. Continua pesquisando e publica artigos científicos. Mereceu uma breve biografia na Enciclopédia dos Dinossauros, do Museu Americano de História Natural: “(Leonardi) sistematizou informações sobre pegadas fossilizadas em escala continental.”
Fernandes só conheceu pessoalmente padre Leonardi quando começou a participar de congressos científicos. Em uma caixa na estante, ele guarda recordações do seu precursor na paleontologia: cadernos de folhas quadriculadas que o padre usava para anotações de campo. Em um dos blocos, há desenhos de rastros deixados por galinhas nas dunas de Salvador, na Bahia, um termo de comparação para pegadas de dinossauros bípedes.
O pesquisador brasileiro seguiu os passos do mestre italiano. Diante de um provável registro fóssil de urina, procurou um animal que, em condições análogas, poderia deixar um vestígio semelhante. Em vez de galinhas, usou o avestruz, uma das poucas aves que expelem líquidos. O trabalho foi publicado em 2004 na Revista Brasileira de Paleontologia. Representa o primeiro registro oficial de urólito – como foi batizado – da história.
Fauna antiga. As calçadas de Araraquara também contêm inúmeros registros de pequenos mamíferos que viviam à sombra dos dinossauros: na maioria das vezes, com o tamanho de um camundongo e sempre menores que um gato. Fernandes aponta uma razão simples para dimensões tão discretas: “Serviriam de banquete.” O império dos mamíferos só começou depois da extinção dos répteis gigantes.
Em 1981, padre Leonardi atribuiu um nome científico aos rastros de mamíferos gravados no arenito: Brasilichnium elusivum, pegadas normalmente bem definidas com quatro pequenos dedos. É impossível concluir se pertencem à mesma espécie ou – com maior probabilidade – a animais parecidos.
Artrópodes completam a fauna antiga. Uma bela laje apresenta com nitidez os círculos produzidos pelas patas de um escorpião pré-histórico. Um risco entre as pegadas denuncia a cauda com o ferrão que o animal arrastava atrás de si. Besouros e vermes de areia também deixaram suas marcas fósseis.
Cena insólita
Em um texto de março de 2006, o escritor Ignácio de Loyola Brandão recordou que jogava bolinha de gude nos “buraquinhos e sulcos” das calçadas da sua Araraquara natal. Só quando visitou a exposição Dinos, na Oca, no Parque do Ibirapuera, descobriu que a brincadeira ocorria sobre rastros de bichos pré-históricos.
Mas algumas crianças aprendem cedo a história escondida no passeio público. Quando lecionava no ensino fundamental, Fernandes costumava levar os alunos para um passeio nas ruas e avenidas da cidade.
Sob o olhar atento dos estudantes, desvendava a cena insólita testemunhada pelas pedras. Pequenos mamíferos alimentam-se de insetos da areia e servem de cardápio para celurossauros – ancestrais das aves – que bebiam água nos oásis do deserto. Ao lado, ornitópodes comem a vegetação na borda da lagoa.
Na praça do Parque Infantil de Araraquara, há uma laje com vestígios de gotas d”água. Lembram a areia da praia quando cai a chuva. Na verdade, registram outra tempestade, muito mais antiga. Um provável prenúncio das mudanças geoclimáticas que decretaram o fim do deserto pré-histórico e de seus habitantes.
(Alexandre Gonçalves). (O Estado de SP, 11/4)

 

3 – Aventura nos trópicos

Exposição traz trabalhos inéditos no Brasil da expedição de naturalistas liderada por Langsdorff no século XIX
As expedições estrangeiras que aportavam em terras brasileiras desde o descobrimento nunca foram exatamente uma novidade, mas sempre foram celebradas pelos historiadores.
Afinal, foram graças a estas missões – integradas por cartógrafos, artistas, cientistas, antropólogos, entre outros pesquisadores estrangeiros – que temos hoje boa parte das imagens e dos estudos de costumes de nossas origens como colônia, império e jovem república.
Uma dessas preciosidades,” A Expedição Langsdorff”, está em exibição no Centro Cultural do Banco do Brasil de São Paulo e chega ao Rio em agosto.
Um desejo do czar
Entre 1821 e 1829, como parte de um esforço do czar Alexandre I para estimular as relações entre a Rússia e o Brasil (no início colônia e logo depois independente), ainda isolado do resto do mundo, uma expedição de cerca de 40 pessoas comandada pelo barão alemão naturalizado russo Georg Heinrich von Langsdorff viajou 17 mil quilômetros pelas então províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso e Pará.
– Esta foi a primeira e maior expedição de cientistas e artistas russos ao Brasil, um esforço acalentado com tanto interesse pelo czarismo russo e por D. Pedro I que o custo da expedição chegou a atingir o equivalente hoje a US$ 10 milhões, o que, naquela época, equivalia a dois anos de orçamento da Academia de Ciências da Rússia – conta um dos curadores da exibição, Rodolfo de Atahyde.  – Foram produzidos 380 trabalhos e decidimos trazer ao Brasil os 120 mais expressivos, incluindo 36 mapas elaborados pelo cartógrafo Néster Gavrílovitch Rubtsov, cujas imagens do Brasil Império, feitas já em 1822, são tão próximas da realidade que decidimos compará-las às mesmas imagens recolhidas por satélite através do Google Earth. São todas obras inéditas no Brasil.
A missão tinha como objetivo oficial promover descobertas científicas, mapeamento, realização de estatísticas, inventários de costumes e – para justificar a injeção de dinheiro czarista – o estudo de produtos desconhecidos no comércio.
Segundo Athayde, a despeito da falta de costume dos pesquisadores russos com o clima e as doenças tropicais, a expedição produziu mais de duas mil páginas de manuscritos, registros cartográficos, desenhos e aquarelas, elaboradas por artistas como o alemão Johan Moritz Rugendas e os franceses Aimé-Adrien Taunay e Hercules Florence.
– No final da viagem, Langsdorff adquiriu uma virose, que se acreditava ser um “mal tropical”, e perdeu a consciência. A sua doença, somada ao fato de que a Rússia demorou a estreitar relações com o Brasil independente, acabaram levando este material a desaparecer nos porões do Museu do Jardim Botânico de São Petersburgo, onde sobreviveu às guerras mundiais, à Revolução Russa, ao stalinismo e todas as fases do comunismo soviético.
Trinta anos de preparativos
Em 1930, o material foi redescoberto por pesquisadores russos, que iniciaram a tradução de anotações, além da catalogação no Arquivo da Academia de Ciências de São Petersburgo, no Museu de Antropologia de São Petersburgo e no Arquivo da Academia Naval Russa.
– Há 30 anos, o historiador Boris Komissarov, profundo conhecedor da cultura brasileira, começou a reunir os trabalhos pensando justamente numa exposição sobre a expedição e na divulgação desta aventura brasileira do império czarista, da qual quase nada se sabia – diz Athayde.
A exposição inclui cenários do interior brasileiro pintados por Rugendas, as vestimentas dos moradores paulistanos, descritas com vivacidade por Taunay, bem como um rio Cubatão límpido. No Rio, Rugendas pintou o morro do Corcovado sem o Cristo, sem falar na rica flora e fauna na região de Mato Grosso, revelada por Florence, e do Pará, além dos índios da região, como fez Florence no Tapajós.
(Gilberto Scofield Jr.). (O Globo, 10/4)