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Informativo 227 – Água poluída, problema de volume e desequilíbrio das águas

1 – Água poluída mata mais do que todos os tipos de violência, alerta ONU

2 – Problema de volume

3 – Desequilíbrio das águas

 

1 – Água poluída mata mais do que todos os tipos de violência, alerta ONU

 

Estudo afirma que pelo menos 1,8 bilhão de crianças com menos de 5 anos de idade morrem por ano em decorrência da “água doente”

O consumo e a uso de água não tratada e poluída matam mais do que todas as formas de violência, segundo relatório divulgado nesta segunda-feira (22/3), no Dia Mundial da Água, em Nairóbi, no Quênia, na África.

O documento intitulado “Água Doente” foi elaborado pelo Programa para o Meio Ambiente da das Nações Unidas (Unep, na sigla em inglês). O estudo afirma que pelo menos 1,8 bilhão de crianças com menos de 5 anos de idade morrem por ano em decorrência da “água doente” – o que representa uma morte a cada 20 segundos. Por isso, alerta para a necessidade de adoção de medidas urgentes.

De acordo com o relatório, as populações urbanas deverão dobrar de tamanho nas próximas quatro décadas. A projeção é que os números subam dos atuais 3,4 bilhões para mais de 6 bilhões de pessoas. Nas grandes cidades já há carência de gestão adequada das águas residuais em decorrência do envelhecimento do sistema, de falhas na infraestrutura ou de esgoto insuficiente.

“Isso significa que mais pessoas agora morrem [por causa] de água contaminada e poluída do que de todas as formas de violência, inclusive guerras. A água contaminada é também um fator chave no aumento de vidas vegetais e animais mortas em mares e oceanos de todo o mundo”, diz o documento, informando que 2 bilhões de toneladas de resíduos são jogados em águas de todo o mundo por ano.

Segundo o documento, substâncias que compõem um poluente de águas residuais, como nitrogênio e fósforo, podem ser úteis na produção de fertilizantes para a agricultura. O alerta é acompanhado pela informação de que 10% da população mundial consomem alimentos alimentos cultivados com águas residuais para irrigação e adubação.

“É um desafio que vai aumentar, pois o mundo sofre rápida urbanização e industrialização, além de crescente demanda por carnes e outros alimentos, a não ser que se tomem medidas decisivas”, adverte o estudo.(Renata Giraldi)

Desafio é garantir a qualidade da água, avalia diretor da ANA

Mais de 17 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável. Apesar do déficit, o principal desafio do país é a qualidade e não a quantidade, avalia o diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo Varella, no Dia Mundial da Água, comemorado nesta segunda-feira pela Organização das Nações Unidas (ONU).

“A questão da quantidade tem sido mais bem enfrentada. Mesmo no Semiárido, hoje os problemas estão sendo resolvidos, com grandes canais, grandes açudes. No Sul e Sudeste, a questão da qualidade sempre apareceu como o grande problema e no Nordeste começa a preocupar. Os açudes começam a eutrofizar [quando plantas aquáticas crescem excessivamente, comprometendo o uso da água] um pouco mais, começam a ter problemas”, aponta.

Levantamento da agência realizado em mais de 2 mil pontos de monitoramento em 17 unidades da Federação revela resultado ótimo em apenas 9% dos pontos. Cerca de 70% têm Índice de Qualidade da Água (IQA) considerado bom; 14%, razoável; 5%, ruim; e 2%, péssimo.

O IQA considera níveis de coliformes fecais, temperatura, resíduos e outros aspectos. “Junto das grandes metrópoles, onde há gente demais, mesmo onde tem água, a situação fica complicada. É preciso ter investimentos e uma gestão muito adequada”, avalia o diretor.

Entre as áreas críticas estão a Bacia do Alto Tietê (SP), o Rio São Francisco e o Rio das Velhas (MG) e as bacias dos rios Jaguaribe, Cuiá, Cabocó, Mussure (PB).

Além do IQA, o monitoramento da agência mede a qualidade de água pelo Índice de Estado Trófico (IET) e pela estimativa da capacidade de assimilação das cargas de esgotos.

O diretor da ANA calcula que sejam necessários cerca de R$ 20 bilhões para investir na proteção dos mananciais que abastecem os centros urbanos.

“É um esforço possível de ser atingido até num prazo de tempo relativamente curto. Não é a ANA que vai fazer isso, repassamos as informações aos executores. Mas acredito que o país hoje tenha condições de enfrentar cifras dessa natureza. E muito disso já está sendo executado.”

Para o diretor da agência, a gestão de águas no Brasil – que tem 12% do potencial hídrico do planeta – deveria ter metas e prazos mais claros para acelerar a melhoria no acesso e a conservação dos mananciais.

“É preciso ter metas institucionais: em x anos, é preciso que todos os estados tenham seus conselhos [para a gestão dos recursos hídricos] ou em tantos anos temos que chegar a determinado percentual de abastecimento. A lei não precisa ser mudada para isso. O que é necessário é um grande pacto federativo.”

Varella também defende mais mobilização da sociedade em favor da conservação e do uso consciente da água. “Os grandes gerentes da água somos nós mesmos. Se todos nos colocarmos como espectadores, não há lei, não há gestão que resolva. Temos que nos transformar em atores e agir no dia a dia, com mais economia na hora de tomar banho, de lavar o carro”, sugere. (Luana Lourenço) (Agência Brasil, 22/3)

 

2 – Problema de volume

 

Recursos hídricos ganham status de bens econômicos

“O dia, a água, o sol, a lua, a noite não se compram com dinheiro”, dizia o dramaturgo romano Titus Maccius Plautus (250-184 AC). Afinal, quem pagaria por coisas tão abundantes? Mas Roma cresceu. O mundo também. E vai continuar aumentado – a população global, atualmente em torno de 6,7 bilhões, deve ganhar mais quase 3 bilhões de habitantes até 2050, segundo projeções da ONU.

Junte a isso a crescente urbanização e expansão da atividade econômica, a poluição de rios e mananciais e as mudanças climáticas, causadoras de secas, enchentes e alterações no fluxo dos rios. O resultado é escassez de água.

Atualmente, 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água doce de qualidade e até 2025 cerca de dois terços da população mundial viverão em regiões carentes do recurso. Em 2030, a oferta hídrica global pode ficar 40% abaixo da demanda, caso não haja alterações no abastecimento e na eficiência do uso, segundo estudo realizado pela McKinsey, em parceria com o IFC (International Finance Corporation, braço do Banco Mundial para o financiamento do setor privado) e um consórcio global de empresas, entre elas Nestlé e Coca-Cola.

Nesse cenário, tão diferente da fartura hídrica dos tempos de Plautus, a água, insumo estratégico na produção de bens e serviços, ganha status de bem econômico. No Brasil, não há por que ser diferente. Apesar de ter 12% das reservas do planeta, sua distribuição é desigual: 80% do volume fica na Bacia Amazônica. Os 20% restantes têm de garantir o abastecimento de 93% dos brasileiros e da economia em crescimento.

Para complicar, de cada 100 litros captados pelas companhias de distribuição, somente 40 chegam a seu destino – resultado da má conservação das redes. Diante do quadro, no Estado de São Paulo, o déficit de água chegaria a 14% em 2030, se não houver investimentos para aumentar o abastecimento e racionalizar o consumo, aponta o estudo realizado da McKinsey.

A busca pelo aumento da oferta em geral prevalece sobre os esforços para a redução da demanda com o ganho de eficiência do consumo, diz Mike Kerlin, gerente de projetos da consultoria. O ganho médio global na eficiência do consumo de água é de apenas 1% ao ano tanto na indústria como na agricultura – sinal de que muito pode ser feito para reduzir o consumo, diz o especialista.

Na agricultura, o setor campeão em consumo, chega a quase 50% a perda da água utilizada para irrigação – que responde por 69% da demanda brasileira, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA). O problema resulta de vazamentos, utilização de equipamentos obsoletos, falta de assistência e de técnicas apropriadas de plantio para, entre outras coisas, evitar a evaporação ou utilização exagerada da água.

No setor industrial, com 7% da demanda nacional, ainda é tímida a adoção de sistemas de reúso, uma das principais formas de racionalização do consumo. Apenas algo entre 20% e 30% das indústrias brasileiras recorrem à prática, em comparação com cerca de 80% das americanas, segundo Ivanildo Hespanhol, diretor do Centro Internacional de Referência em Reúso da Água (CIRR), vinculado à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

Para quem adere ao sistema, porém, os resultados podem ser significativos. Nas cinco fábricas da Amanco, a prática permitiu redução superior a 75% no consumo da água utilizada na fabricação de tubos e conexões. Na indústria paulista, o ganho médio costuma variar entre 40% e 80%, nas estimativas de Hespanhol – economia que, segundo ele, permite o retorno do investimento realizado na adoção do sistema num período entre 18 meses e três anos.

Pouco a pouco, algumas companhias ganham mais um incentivo financeiro para ganhar eficiência no consumo. Atualmente cerca de 2,5 mil delas pagam pelo uso da água captada diretamente de rios ou poços e também pela quantidade de poluentes despejados – até 2003, no Brasil o pagamento se limitava à captação e distribuição e tratamento feitos pelas companhias de abastecimento.

“A cobrança tem a finalidade de emitir sinal econômico do valor da água e da bacia”, diz o diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu. A arrecadação tem como destino investimentos nas bacias de origem.

Embora ainda tenha alcance limitado, a iniciativa está em sintonia com duas de três tendências mundiais para preservação dos mananciais e combate ao desperdícios: as cobranças pelo uso da água e pela descarga de poluentes, conforme avalia o hidrólogo José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia e professor da Universidade Federal de São Carlos.

A terceira tendência que ele aponta é o pagamento a proprietários de terra em troca da preservação de rios, represas e nascentes. No país, oito programas beneficiam 212 produtores, remunerados para conservar zonas de mata e regiões dos Estados de São Paulo, Rio, Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo. Os números são de levantamento realizado pela ONG internacional The Nature Conservancy (TNC), parceira de alguns desses projetos.

A lógica é simples: a conservação das matas evita erosão e o aumento da infiltração das chuvas no solo – medida que reduz a quantidade de sedimentos acumulados em rios e represas e, consequentemente, o custo do tratamento. “Sai mais barato remunerar os proprietários rurais do que despoluir os reservatórios”, diz Fernando Veiga, gerente da TNC. (Carin Homonnay Petti) (Valor Econômico, 22/3)

 

3 – Desequilíbrio das águas

 

O desmatado Cerrado é o maior responsável pelo abastecimento do país

Considerado por muitos, erroneamente, como um ambiente seco e sem vida, o Cerrado está longe de ser um estranho na celebração do Dia Mundial da Água, que ocorre nesta segunda-feira (22/3).

Um dos maiores ecossistemas do país e também um dos mais agredidos – já teve 48,2% de sua vegetação original destruída – ele possui as nascentes de rios que percorrem estados das cinco regiões e abastecem as três maiores bacias do Brasil. Segundo especialistas, sua preservação é fundamental para garantir água para a vida nas cidades, a prosperidade da agricultura e o funcionamento das hidrelétricas.

– O Cerrado possui uma importância enorme para o abastecimento de água no país – garante Rubens Coelho, professor de Engenharia de Irrigação da USP. – Basta lembrarmos que o Rio São Francisco fica dentro dos seus limites.

De acordo com a ONG SOS Cerrado, 78% da água que abastece a Bacia Amazônica vem de rios que nascem no Cerrado e 50% das águas da bacia do São Francisco têm origem nas suas nascentes. Trata-se, portanto, da maior fonte geradora de água doce no país que tem a maior riqueza hídrica do planeta.

Tamanho tesouro, porém, não tem sido bem tratado: o Cerrado tem apenas 2,8% de seu território protegido de forma efetiva. O desmatamento corre acelerado, enquanto o governo só agora anuncia o lançamento de um plano para conter sua devastação.

– Trata-se de um ecossistema que, diferente da região amazônica, não possui muitas proteções naturais, favorecendo a ocupação desordenada. Isso tem causado, por exemplo, o assoreamento dos seus rios – afirma Leide Takahashi, gerente de projetos da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que desde 2007 mantém uma unidade de conservação no local.

Especialista cobra política nacional

Quando o assunto é água, o Brasil poderia estar deitado em leito esplêndido. O país, onde vive apenas 3% da população mundial, detém cerca de 13% da água do planeta – 74% desse percentual, porém, está na pouco povoada região amazônica.

– Temos uma quantidade invejável de água, mas não em cada ponto do Brasil que dela precisa – conta Paulo Canedo, coordenador do laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ. – Na região amazônica, temos mais água do que precisamos. Já no semiárido, temos menos água do que é necessário. Além disso, tratamos muito mal essa nossa riqueza natural.

Uma das maiores causas de mortandade no país é a diarreia, que é o resultado da contaminação da água. O tratamento de esgoto no país é um caso de saúde pública.

De acordo com um relatório das Nações Unidas, divulgado esta semana, uma entre cada seis pessoas no planeta não tem acesso à água potável. Até 2025, a estimativa da ONU é que dois terços da população vão sofrer com a escassez de água.

– Poderíamos estar numa situação muito melhor se tivéssemos uma administração eficiente das nossas águas – afirma Canedo. – Falta uma política nacional desse recurso. Sem isso, seguiremos desperdiçando o que a natureza nos deu (Carlos Albuquerque) (O Globo, 22/3)