1 – Cenários da biodiversidade
2 – Um vírus que faz parte de nosso corpo
3 – Pesquisador admite falha em estudo sobre clima
4 – Amazônia terá torre de pesquisa de 320 m
1 – Cenários da biodiversidade
Pesquisadores do Cria, da USP e do Inpe concluem projeto de desenvolvimento do openModeller, ambiente computacional que permite modelar a distribuição de espécies biológicas em diferentes cenários
Depois de quatro anos de trabalho, um grupo de cientistas brasileiros concluiu o desenvolvimento de um ambiente computacional que, por meio de softwares livres de código aberto, permite modelar e estudar a distribuição de espécies biológicas em diferentes cenários.
Denominado openModeller, a novidade foi desenvolvida pelo Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), no âmbito de um Projeto Temático apoiado pela Fapesp. O trabalho foi feito em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com Vanderlei Perez Canhos, coordenador do Temático e diretor-presidente do Cria, o openModeller foi concebido inicialmente para facilitar o acesso aos dados da rede Species Link – um sistema distribuído de informação que integra, em tempo real, dados primários de coleções científicas e conta com cerca de 180 coleções e 3,5 milhões de registros.
O Species Link foi desenvolvido pelo Cria entre 2001 e 2005, no âmbito do Biota-Fapesp, e se comunica com outras redes do Programa, como o Sistema de Informação Ambiental (SinBiota). Isso permite que o openModeller realize modelagens integrando o conjunto de dados disponíveis em diferentes redes.
“É um ambiente computacional de acesso gratuito, com interface amigável, que possibilita a modelagem da distribuição de espécies e dados ambientais com uso de diferentes algoritmos, projetando os modelos em diversos cenários e utilizando diferentes plataformas”, disse Canhos à Agência Fapesp.
O conceito por trás do openModeller é a disponibilização de um ambiente computacional que permita selecionar diferentes camadas de dados e algoritmos e, por meio desse ambiente, obter acesso a mecanismos capazes de analisar dados antes e depois do processamento. “A partir daí, podemos construir modelos e visualizá-los em uma escala espacial”, explicou.
Os resultados do projeto, incluindo todos os detalhes do desenvolvimento do openModeller, foram publicados em agosto de 2009 na revista GeoInformatica, em artigo de autoria de pesquisadores do Cria e de parceiros internacionais. O projeto temático foi concluído no início de fevereiro de 2010.
Segundo Canhos, a modelagem de distribuição potencial consiste em definir os pré-requisitos ecológicos fundamentais para a ocorrência de uma espécie, extrapolando-os para uma região geográfica. Os dados sobre ocorrências de espécies são fundamentais não só para construir cenários voltados para a conservação da biodiversidade, mas também para desenhar estratégias para o controle de doenças infecciosas, por exemplo.
“Se quisermos analisar como se espalha a leishmaniose em função da perda de cobertura vegetal, precisamos de dados de ocorrência do vetor e do hospedeiro, além de dados abióticos como pluviosidade e mudanças climáticas. A partir daí, é preciso que toda essa infraestrutura de dados possa ser acessada de forma transparente, com ferramentas que permitam sua visualização e análise. Essa é a proposta do openModeller”, disse.
Além de indicar estratégias para a conservação da biodiversidade – apontando áreas prioritárias com ocorrência de espécies raras, por exemplo – e de controle de doenças infecciosas, a modelagem pode ser útil também para previsão de impactos das mudanças climáticas globais e das atividades humanas sobre a biodiversidade e para a prevenção e controle de espécies invasoras.
De acordo com Canhos, enquanto o Cria contribuiu com a experiência no desenvolvimento de sistemas on-line e na concepção da infraestrutura computacional, o Inpe trabalhou no desenvolvimento das camadas de dados ambientais e na integração do sistema ao sistema TerraLib – tecnologia para desenvolvimento de aplicativos geográficos com base no conceito de serviços SOA (Service Oriented Architecture, na sigla em inglês), no qual um serviço tem caráter de funcionalidade independente.
Já a Escola Politécnica (Poli) da USP atendeu à demanda de construção de modelos de várias espécies simultâneas com uso de diferentes camadas ambientais e contribuiu com tecnologia adaptativa, computação paralela e desenvolvimento de algoritmos.
“O ambiente computacional que desenvolvemos tem uma computação muito pesada. Foi preciso comprar um cluster de computadores de alto desempenho, que ficou alocado na Poli”, disse Canhos.
Species Link
O diretor-presidente do Cria destaca que, além do desenvolvimento do ambiente computacional, o projeto gerou grande retorno acadêmico, envolvendo expressivo número de pós-graduandos tanto na USP como no Inpe. O projeto gerou, até o momento, 12 artigos científicos e 49 apresentações em conferências.
“Tivemos nove doutorandos, cinco mestrandos e sete estudantes de graduação, além de seis bolsistas de treinamento técnico envolvidos com o projeto. Muitos pesquisadores do Cria, da Poli e do Inpe também tiveram envolvimento direto. O resultado é que o projeto rendeu um programa de capacitação muito abrangente, gerando várias teses e dissertações”, disse.
O projeto do openModeller nasceu no contexto da contínua expansão da rede Species Link. “Concluída em novembro de 2005, a rede continuou evoluindo e aumentando não apenas no número de provedores, mas também na melhor qualidade de dados. Quando concluímos o projeto, a rede contava com 700 mil registros de cerca de 40 coleções biológicas brasileiras. Agora, temos cerca de 3,5 milhões de registros em 180 coleções”, disse.
A rede Species Link é fundamentada na concepção de acesso livre e aberto. O openModeller herdou essa premissa e, além disso, roda em sistemas operacionais Linux, Windows e Mac OS.
“Tudo foi desenvolvido em código aberto: os algoritmos e as ferramentas para verificar qualidade dos dados, integrá-los e visualizá-los. Tudo está disponível para que o usuário possa modificar da maneira que lhe for mais conveniente. Essa estratégia foi muito importante para que pudéssemos contar com a colaboração de especialistas estrangeiros, além do pessoal do Cria, da Poli e do Inpe”, explicou.
Agora que o projeto foi concluído, de acordo com Canhos, o Cria continuará focado em trabalhos relacionados à infraestrutura de dados. “Apesar da grande quantidade de coleções incluída no Species Link, essa dimensão ainda é minúscula em relação à megadiversidade brasileira. Essa infraestrutura ainda deverá crescer muito, com o desenvolvimento de várias sub-redes temáticas, como na área de coleções zoológicas”, disse. (Fábio de Castro, Agência Fapesp, 19/2)
2 – Um vírus que faz parte de nosso corpo
“Existem outras fontes de variabilidade genética além da simples mutação dos genes herdados de nossos ancestrais”
Fernando Reinach é biólogo. Artigo publicado no “Estado de SP”:
Em 1885 uma nova doença se espalhou pelos regimentos de cavalaria do exército alemão. A doença, altamente contagiosa, matou grande parte dos cavalos. Como atacou primeiro as cavalariças da pequena vila de Borna, o vírus responsável foi batizado de Bornavírus. Recentemente, o ciclo de vida desse vírus foi estudado e seu genoma decifrado.
Conhecida a sequência de seu DNA, os cientistas decidiram verificar se existiam sequências semelhantes nos bancos de dados. A surpresa é que foram encontradas quatro cópias de um dos genes do Bornavírus no genoma humano.
O mais impressionante é que uma dessas cópias produz uma proteína que, até agora, era considerada uma constituinte legítima de nosso corpo. Tudo indica que, após ter sido incorporado ao nosso genoma, esse gene do Bornavírus sofreu mutações e passou a ter um papel ativo no corpo humano.
A maneira como fragmentos de DNA de origem viral são incorporados no genoma de outros animais é bem conhecida. Imagine que durante a epidemia nos cavalos de Borna um animal tenha sido infectado pelo vírus e sobrevivido. Imagine agora que o vírus tenha infectado as células do testículo desse animal e um pedaço de seu DNA tenha se integrado no genoma de uma célula germinativa.
Imagine que, meses depois, essa célula tenha se transformado em um espermatozoide, fecundado um óvulo e formado um lindo potrinho. Esse potro terá o gene do Bornavírus em todas as suas células e vai transmiti-lo para seus descendentes, iniciando uma linhagem de cavalos com o vírus em seu genoma.
É assim que genes de vírus acabam alojados no genoma das espécies que infectam. No caso dos seres humanos, sabemos que 8% de nosso genoma é composto por milhares de cópias de retrovírus, um grupo de vírus ao qual pertence o HIV, causador da aids.
Quando os cientistas procuraram cópias do gene do Bornavírus no genoma de diversos animais, descobriram que não somos os únicos animais que possuem esse gene. Grande parte dos primatas, como gorilas, orangotangos e chimpanzés carregam o gene, que também foi encontrado em elefantes, ratos, camundongos e até mesmo em um esquilo.
Comparando as sequências dos genes presentes nos diversos primatas foi possível descobrir que o gene que compartilhamos como os chimpanzés e gorilas entrou na nossa linhagem há mais de 40 milhões de anos. A cópia presente nos seres humanos é mais parecida com a presente nos macacos do que com a presente no próprio vírus. No caso do porco-da-índia, que também possui uma cópia desse gene, o evento de incorporação é bem mais recente e o gene ainda é muito parecido com a cópia existente nos Bornavírus.
A incorporação do gene na linhagem dos primatas deve ter ocorrido quando um Bornavírus causou uma epidemia da doença na população do primata ancestral que deu origem aos primatas modernos. Quando esse ancestral originou as linhagens que deram origem ao chimpanzé, ao orangotango e ao Homo sapiens, ele transmitiu a cada uma dessas linhagens uma cópia do gene.
Em outras palavras, carregamos esse pedaço de Bornavírus desde antes do surgimento do Homo sapiens. Após ter sido incorporado no genoma dos primatas, esse gene passou por muitas modificações antes de assumir sua função atual.
Essa descoberta demonstra que os mamíferos incorporaram em seu genoma genes provenientes de diferentes vírus e que alguns deles foram cooptados e passaram exercer novas funções. A conclusão é que existem outras fontes de variabilidade genética além da simples mutação dos genes herdados de nossos ancestrais. (O Estado de SP, 18/2)
3 – Pesquisador admite falha em estudo sobre clima
Diretor de Pesquisa Climática de East Anglia afirma que não foram utilizadas “melhores práticas”
O climatologista Phil Jones admitiu à revista Nature que não foram utilizadas “as melhores práticas” científicas em uma pesquisa publicada no periódico sobre mudanças climáticas em que ele foi o autor principal. Jones era diretor da Unidade de Pesquisa Climática da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, quando estourou o “climagate”: e-mails roubados da universidade foram colocados na internet, em novembro de 2009. Depois, céticos do clima argumentaram que os climatologistas manipulavam dados para provar que o aquecimento global é provocado pela ação do homem. Jones está afastado do cargo.
Um dos estudos colocados em dúvida – publicado na revista Nature – separava as estações meteorológicas conforme a localização (zona rural ou urbana). Porém, há a suspeita de que não existiam dados para realizar a separação. O trabalho serviu como base para o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluir que o aquecimento causado pela urbanização tem um efeito pequeno quando comparado ao aquecimento causado pelo gás carbônico.
Na pesquisa, os autores usaram dados de estações em todo o mundo. Em 2007, porém, o analista de dados de clima amador Doug Keenan criticou o resultado, citando que estações da China haviam sido movidas durante o estudo. Os dados foram obtidos com um contato chinês de um dos coautores de Jones, Wei-Chyung Wang, da Universidade de Albany, em Nova York, e posteriormente foram perdidos. Por isso, não havia nenhuma maneira de verificar alegação de Keenan.
Jones afirmou que não sabia que os locais das estações eram questionáveis quando foram incluídos na pesquisa, mas como autor principal reconhece ter responsabilidade. Ele afirmou que precisa pensar se apresentará uma correção à revista.
O IPCC já assumiu o erro de falar que o derretimento do Himalaia poderia ocorrer até 2035. Agora, o governo holandês reclama que o dado usado pelo painel de que 55% do território da Holanda já está abaixo do nível do mar não está certo. (O Estado de SP, 16/2)
4 – Amazônia terá torre de pesquisa de 320 m
Observatório atmosférico de R$ 24 milhões estudará clima da floresta tropical e sua relação com o aquecimento global
Uma torre de 320 metros de altura (quase o dobro do Edifício Itália, um dos mais altos de São Paulo) será construída na Amazônia para monitorar a atmosfera e os gases-estufa.
Com a torre, os cientistas esperam ter condições de fazer projeções mais confiáveis sobre os impactos das mudanças climáticas globais na Amazônia para os próximos 30 anos.
A construção da estação de pesquisa, uma parceria entre Brasil e Alemanha, deve terminar no final do próximo ano e terá investimentos de R$ 24 milhões. No projeto Atto (sigla em inglês para Observatório Amazônico de Torre Alta), os cientistas farão as pesquisas 270 metros acima das copas das árvores. Hoje, as maiores torres usadas para pesquisas na região têm 67 metros.
“A grande função das torres será mostrar com dados científicos a importância da floresta amazônica em termos de serviços ambientais e, com isso, incentivar as políticas públicas e desenvolver instrumentos para combater o desmatamento”, diz Jochen Schöngart, pesquisador do Instituto Max Planck de Química, da Alemanha, que participa do projeto. Pelo Brasil, coordenam o projeto o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e a Universidade Estadual do Amazonas.
O Atto terá a maior torre de observação atmosférica da América Latina. Outras quatro torres de 80 metros serão erguidas no entorno da principal.
O complexo será construído dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã, em Presidente Figueiredo (133 km de Manaus). A comunidade ribeirinha que mora na reserva autorizou o projeto.
Segundo o físico Antônio Manzi, do Inpa, as torres serão erguidas sem derrubar árvores.
“A floresta sempre tem uma série de clareiras naturais. A ideia é identificarmos o lugar menos perturbado possível.”
Ao longo da torre maior serão instalados radares e perfiladores atmosféricos de temperatura, umidade, aerossóis e sensores de medidas de concentração e fluxos de gases. Do alto, cientistas de diversas áreas vão monitorar fenômenos a mais de 1.000 km -usando equipamentos como um sensor que mede a concentração de gás carbônico no ar.
“Em campanhas intensivas de coleta de dados, que deveremos organizar, poderemos ter algumas dezenas de pesquisadores trabalhando ao mesmo tempo no sítio experimental, ou seja, estarão por perto dos equipamentos”, explica Manzi. (Kátia Brasil). (Folha de SP, 13/2)