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Informativo 175 – Caribe, extinções, aves e bactéria

1 – Recifes do Caribe, cada dia mais ameaçados

2 – Aquecimento e acidificação da água elevam risco de extinções em massa

3 – Grupo vê nova espécie surgir na Antártida

4 – Cientistas fazem primeiro mapa geral de um ser vivo

 

1 – Recifes do Caribe, cada dia mais ameaçados

 

Efeitos da degradação ambiental são visíveis até nas áreas mais protegidas

As águas transparentes do Caribe não conseguem mais esconder a tragédia ambiental que se passa dentro delas. Poucos metros abaixo da superfície, os recifes de coral da região – assim como os do resto do mundo – estão cada vez mais ameaçados.

Estudos indicam que quase 20% dos ecossistemas recifais do mundo já foram exterminados nas últimas décadas pela poluição, pesca predatória e outros impactos trazidos pelo homem. Outros 15% correm sério risco de morrer nos próximos 10 a 20 anos, segundo o último relatório sobre o Estado dos Recifes de Coral do Mundo, produzido em 2008.

O Caribe é a região mais impactada, com 14% de seus recifes já mortos e outros dois terços ameaçados de alguma forma por atividades humanas.

No lugar de ecossistemas altamente dinâmicos e diversificados, repletos de vida multicolorida, o que se vê hoje em muitos mergulhos são paisagens moribundas, delineadas por esqueletos de calcário em que pequenas “manchas” de coral vivo lutam para sobreviver em meio a uma invasão de algas e outros organismos oportunistas. Entre os sobreviventes, muitos estão doentes. E as coisas só devem piorar daqui para frente com o aumento da temperatura e a acidificação da água, efeitos do aquecimento global.

“Estamos numa emergência. A situação, que já era crítica sem as mudanças climáticas, tende a ficar muito pior”, diz a especialista em biologia marinha Nancy Knowlton, do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsonian, em Washington. A perda global de cobertura coralínea (porcentual de coral vivo sobre os recifes) nos últimos 30 anos, segundo ela, foi de 60%. No Caribe a redução chega a 80%.

Mesmo em lugares considerados “de baixo risco”, os sinais de degradação são evidentes. A reportagem do Estado visitou a ilha de Bonaire, parte das Antilhas Holandesas, no sul do Caribe, onde supostamente estão alguns dos recifes de coral mais bem preservados da região. O que se vê debaixo d”água é uma mistura de beleza e destruição. Um ecossistema sufocado. Corais mortos e doentes por todos os lados. Paredões inteiros cobertos por algas. E quase nenhum grande peixe à vista.

Inventários locais indicam que mais da metade da cobertura coralínea de Bonaire já desapareceu nos últimos 20 anos, talvez para sempre. “Tenho pena dos mergulhadores que chegam aqui e acham isso lindo”, diz o matemático Genady Filkovsky, que colabora com um projeto voluntário de monitoramento da água na ilha. “Só acham isso porque não viram como era antes.”

O problema, segundo pesquisadores locais, é simples: poluição. Bonaire tem cerca de 14 mil habitantes (mais alguns milhares de turistas), nenhuma fonte de água potável e nenhuma estação de tratamento de esgoto. Toda a água usada na ilha é retirada do mar e dessalinizada para consumo humano.

Os efluentes são lançados em fossas, que são drenadas para um aterro público no interior da ilha, sem impermeabilização. Inevitavelmente, o líquido penetra no solo poroso (de origem coralínea) e volta para o oceano. “A água sai do mar limpa e salgada e retorna suja e doce”, resume Albert Bianculli, presidente da Fundação Seamonitor, responsável pelo projeto de monitoramento.

Em 1999, ondas de até 5 metros criadas pelo furacão Lenny danificaram gravemente os ecossistemas de águas rasas (até 10 metros de profundidade) de Bonaire. Em condições normais, os corais seriam capazes de se recuperar e recolonizar os recifes. Por causa dos “nutrientes” lançados na água pelo esgoto (principalmente fósforo e nitrogênio), porém, quem tomou conta do lugar foram as algas.

“Corais são animais que gostam de águas claras, com muita luz e poucos nutrientes”, explica a bióloga Rita Peachey, da Estação de Pesquisa CIEE, há três anos em Bonaire. Ela explica que o esgoto funciona como um fertilizante para as algas, que crescem muito mais rápido do que os corais: 1 centímetro por semana, versus 1 centímetro por ano.

Uma vez que as algas se fixam no recife é quase impossível despejá-las enquanto houver excesso de nutrientes na água. “A alga vence sempre”, diz Bianculli. Os corais acabam marginalizados e encurralados em sua própria casa.

O problema é exacerbado pela ausência do ouriço preto de espinho longo (Diadema antillarum), espécie que era o principal herbívoro dos recifes caribenhos até 1983, quando foi quase exterminada por um evento de mortandade em massa. Sem os ouriços, sobraram só os peixes-papagaios para comer as algas que competem com os corais. “Se não fosse por esses peixes, estaríamos em sérios apuros”, diz Rita.

Outra pista do desequilíbrio ambiental em Bonaire é a proliferação do caramujo língua-de-flamingo, um molusco que se alimenta de gorgônias e outros tipos de corais “moles” (parecidos com plantas).

Segundo Rita, até alguns anos atrás, um mergulhador ficava feliz de ver dois ou três desses belos moluscos durante um mergulho. Agora, é fácil encontrar 30 ou até mais animais devorando um mesmo coral. A causa mais provável é o sumiço dos predadores naturais do caramujo, como as garoupas, cujas populações diminuíram drasticamente por causa da sobrepesca.

Quem anda marcando presença em Bonaire nos últimos meses é um outro predador, de origem asiática: o peixe-leão. Muito bonito, muito agressivo, e muito indesejado. Trata-se de uma espécie invasora, provavelmente trazida pela água de lastro de navios e que, se não for controlada, poderá ser transformar numa praga.

Nenhum desses problemas é exclusivo de Bonaire. Pelo contrário, a ilha é classificada como uma das mais “saudáveis” do Caribe. Um mau presságio para os recifes que garantem a sobrevivência de milhões de peixes e pessoas na região.

(Herton Escobar). (O Estado de SP, 3/1).

 

2 – Aquecimento e acidificação da água elevam risco de extinções em massa

 

Acúmulo de gás carbônico na atmosfera afeta também os oceanos; efeitos ainda não foram sentidos no Brasil

Os recifes de coral costumam ser chamados de “as florestas tropicais do mar”. São os ecossistemas de maior biodiversidade nos oceanos, com um quarto a um terço de todas as espécies marinhas associadas a eles de alguma forma.

Diferentemente das florestas tropicais, porém, os recifes ainda estão longe de virar prioridade nas discussões internacionais sobre mudança climática. Sua influência no clima do planeta é mínima, mas sua vulnerabilidade aos efeitos do aquecimento é enorme.

Os oceanos mantêm um intercâmbio permanente de carbono com a atmosfera. À medida que aumenta a concentração de dióxido de carbono (CO2) no ar, aumenta também a quantidade de gás carbônico dissolvido na água do mar. E quanto mais CO2 dissolvido na água, mais ácida ela fica. Se essa concentração aumentar demais, a água ficará tão ácida que os corais não conseguirão mais formar esqueletos de calcário e seus recifes começarão a se dissolver, literalmente.

“Podemos dizer que o aquecimento global é a maior ameaça hoje à conservação dos recifes de corais”, mais até do que poluição e sobrepesca, com o agravante de que a acidificação e o aquecimento são indiferentes a leis ou áreas de conservação, diz a pesquisadora Lauretta Burke, do World Resources Institute (WRI).

Desde o início da era industrial, a concentração de CO2 na atmosfera aumentou de 280 para 380 partes por milhão (ppm), o que já resultou numa elevação de 30% no nível de acidez dos oceanos, segundo os dados de um relatório-síntese publicado no mês passado pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas. Cientistas acreditam que a partir de 450 ppm já haverá prejuízo significativo para a estabilidade dos recifes de coral. E há quem diga que o limite de segurança era de 350 ppm – ou seja, já foi ultrapassado.

Segundo o relatório da CDB, uma concentração de 560 ppm reduzirá em 30% a capacidade dos corais de formar esqueletos calcários (que são a base dos recifes). Por um lado, a acidificação reduz a quantidade de minerais disponíveis na água para esse processo. É como se os corais perdessem os tijolos necessários para construir suas casas.

Por outro lado, a acidificação torna a água corrosiva para os esqueletos que já foram formados. “É como se fosse um oceano de Coca-Cola”, compara a pesquisadora Nancy Knowlton, do Instituto Smithsonian.

Com esqueletos enfraquecidos, os recifes ficam também mais vulneráveis ao efeito de grandes tempestades, como os furacões, cuja ocorrência e intensidade tendem a aumentar por causa do aquecimento global – como uma pessoa com osteoporose que se torna mais vulnerável a quedas, ou uma floresta parcialmente desmatada que se torna mais seca e mais vulnerável ao fogo.

Não bastasse tudo isso, o aquecimento do mar também tende a favorecer a ocorrência de doenças e branqueamentos, fenômenos que podem enfraquecer ou até matar os corais. O branqueamento é uma resposta natural a situações de estresse (como temperaturas extremas), em que os corais expulsam as microalgas fotossintetizantes que vivem em simbiose com eles e dão cor aos seus tecidos.

Dois eventos extremos de branqueamento global já deixaram os cientistas sob alerta em 1998 e 2005 (dois anos extremamente quentes), e vários eventos localizados vêm ocorrendo desde então.

Uma boa parte dos recifes conseguiu se recuperar, mas os pesquisadores temem que o aquecimento do planeta tornará os branqueamentos cada vez mais frequentes e mais perigosos, causando mortandade em massa de corais ao redor do mundo.

Situação brasileira

No Brasil, por enquanto, os recifes parecem estar resistindo bem aos efeitos do aquecimento, apesar de alguns sinais preocupantes. “Não vimos nenhuma mudança significativa até agora, nem para pior nem para melhor”, diz a pesquisadora Zelinda Leão, da Universidade Federal da Bahia. “As taxas de recuperação após eventos de branqueamento aqui têm sido muito altas, felizmente”, confirma Guilherme Dutra, diretor do Programa Marinho da ONG Conservação Internacional.

A má notícia é que a ocorrência de doenças vem aumentando desde 2005 em toda a costa brasileira. “Até esse ano não havia nenhum registro de doença em corais no Brasil. De lá para cá já diagnosticamos seis. Foi uma progressão muito rápida”, afirma Zelinda.

Uma das razões pelas quais os corais brasileiros parecem ser mais resistentes ao branqueamento seria o fato das águas aqui serem mais turvas do que no Caribe ou no sudeste asiático, por exemplo, segundo o biólogo Clovis Castro, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador do Projeto Coral Vivo. Isso reduz a incidência de radiação solar, que pode ser um fator adicional de estresse para o coral.

Outra razão seria a possibilidade de os corais brasileiros serem naturalmente mais resistentes (melhor adaptados) a variações de temperatura. “Como várias espécies só existem aqui, a resposta é bastante específica”, afirma Castro. Segundo ele, o Brasil tem só 16 espécies de corais verdadeiros (com algas simbiontes), das quais 5 são endêmicas. No mundo, são conhecidas mais de 750 espécies. O Caribe tem mais de 100 e a Indonésia, mais de 400.

“Acho que os nossos recifes são hoje o que os outros serão no futuro: ecossistemas com uma biodiversidade baixa e prevalência de espécies resistentes a essas condições mais adversas”, prevê Zelinda, caso as emissões globais de gás carbônico continuem a crescer.

Diante do fracasso dos esforços internacionais de combater o aquecimento global até agora, os cientistas dizem que a melhor estratégia no momento é reduzir os impactos locais (como poluição e sobrepesca) para que os recifes tenham uma chance melhor de resistir aos impactos globais.

“Os recifes certamente têm a capacidade de se recuperar se lhes dermos uma chance. Mas só se lhes dermos uma chance”, conclui a americana Nancy Knowlton.

(Herton Escobar). (O Estado de SP, 3/1).

 

3 – Grupo vê nova espécie surgir na Antártida

 

Equipe do Rio Grande do Sul estuda aves híbridas que, no futuro, poderão estabelecer população única de descendentes

Pedaços de salsicha já estão espalhados por uma pequena área sobre a neve. Para completar a armadilha de skuas -ave predadora da Antártida-, os cientistas circundam as iscas com uma corda.

A extremidade do laço, pronta para ser puxada quando a ave começar a comer o embutido, fica a vários metros de distância. Paciência e rapidez são fundamentais para que o bicho seja capturado por instantes.

Na sequência, o animal é pesado e medido. E, com uma pequena seringa, o geneticista Ricardo José Gunski, argentino que vive em São Gabriel (RS) dando aulas na Universidade Federal do Pampa, retira sangue da ave. Em minutos (nem sempre é fácil achar a veia sob a asa), a skua voa novamente. Curiosas e famintas, muitas vezes as mesmas aves voltam para tentar comer mais um pedaço de salsicha na armadilha.

Apesar do incômodo da coleta de sangue, o trabalho dos pesquisadores do Rio Grande do Sul nos arredores da baía do Almirantado, onde fica a estação brasileira Comandante Ferraz, deve ajudar a entender o que está acontecendo com a comunidade de aves na periferia do continente antártico.

Assim nasce uma espécie

Para começar, o trabalho de Gunski e sua mulher, a também argentina Analía Garnero, revela que os cientistas podem estar diante de um dos pilares da teoria da evolução: a especiação, ou seja, o surgimento de uma nova espécie.

Existem dois tipos de skuas na baía do Almirantado. Uma é a Catharacta lonnbergi. A outra foi batizada de C. maccormicki.

Porém, Gunski está certo de que existe um terceiro grupo. Ele é formado por híbridos das duas espécies. E não é só isso. A hipótese de trabalho do pesquisador é que os casais do terceiro grupo estão produzindo descendentes férteis. O que, no futuro, poderá levar a formação de uma terceira espécie.

As saídas de campos feitas ao redor de Ferraz, diz Gunski, reforçam a sua tese inicial. É para responder a essa importante pergunta, portanto, que o pesquisador precisa capturar as aves e tirar sangue delas.

Donas do pedaço

As skuas são muito territorialistas, voltando todos os anos para se reproduzir no mesmo local. As aves vizinhas, como gaivotões e trinta-réis, é que sofrem -isso porque as skuas vivem mais ou menos dez anos e se alimentam principalmente dos ovos das vizinhas.

Nesta época do ano elas já estão aqui, defendendo sua área. O acúmulo de skuas nas vizinhanças de Ferraz até preocupa os cientistas. Seria algum sinal de desequilíbrio ecológico?

Durante o verão antártico -se é que neste ano, nesta região do globo, haverá degelo completo das encostas das montanhas-, um grupo de seis pesquisadores vai rastrear de quatro a cinco grandes áreas de estudo, para esclarecer a dúvida acima e várias outras.

Sob o vento gelado, em um dia, os cientistas conseguem capturar menos de dez skuas e identificar duas ou três dezenas de ninhos, só alguns com ovos.

(Eduardo Geraque). (Folha de SP, 31/12).

 

4 – Cientistas fazem primeiro mapa geral de um ser vivo

 

Bactéria que causa pneumonia teve todos os genes, proteínas e reações descritos

Uma equipe internacional de cientistas conseguiu mapear pela primeira vez todos os processos bioquímicos que mantêm um ser vivo (no caso, uma das bactérias mais simples do planeta) em funcionamento.

Os cientistas detalharam a receita toda: o conjunto de proteínas, os genes ativos e a cadeia de reações químicas que constroem a Mycoplasma pneumoniae, causadora, como indica seu nome, de um tipo de pneumonia em seres humanos.

O feito abre caminho para um plano acalentado há anos pelos biólogos moleculares: criar vida artificial -ou, ao menos, uma forma “customizada” dos micróbios atuais (leia mais ao lado). E a análise de como a M. pneumoniae leva sua vidinha unicelular derruba de vez o velho preconceito de que bactérias funcionam de forma rudimentar quando comparadas com seres de células complexas, como plantas ou animais.

A maior diferença entre micróbios como bactérias e organismos mais complexos tem a ver com como o DNA se abriga no interior da célula. Criaturas como árvores e pessoas têm seu material genético cuidadosamente empacotado no núcleo de suas muitas células, enquanto as bactérias não tem núcleo em sua célula única.

Além do empacotamento no núcleo, o DNA dos organismos mais complexos também apresenta uma série de firulas na maneira como é “lido”, possibilitando variar a maneira como as instruções contidas nele são seguidas pela célula.

Complicada e perfeitinha

Pois o mapeamento da bactéria, apresentado em uma série de artigos na revista especializada americana “Science”, indica que não é preciso ter núcleo para desenvolver métodos sofisticados de leitura do DNA.

O grupo coordenado por Luis Serrano, da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona, mostrou que a bactéria usa um sistema flexível na hora de transmitir os dados codificados em seu DNA para o mRNA, ou RNA mensageiro, que inicia o processo de produção de proteínas na célula.

Essa flexibilidade depende dos chamados operons, conjuntos de genes cuja ativação é controlada pelo mesmo “interruptor”. Em tese, se esse “interruptor” fosse apertado, todos os genes ligados a ele seriam ativados. Mas não é o que acontece. “Existe uma regulação interna, de forma que alguns genes do operon podem se expressar [se ativar] mais ou menos que os outros”, diz Serrano.

A mesma versatilidade aparece nas proteínas que a bactéria produz -apenas 689, contra dezenas de milhares do organismo humano. É que esse punhado de moléculas consegue desempenhar múltiplas funções, explica Anne-Claude Gavin, do Laboratório Europeu de Biologia Molecular.

“Muitas enzimas [proteínas que aceleram reações químicas] são capazes de catalisar reações diferentes, de processar substâncias diferentes ou interagir com várias moléculas parceiras.”

(Reinaldo José Lopes). (Folha de SP, 1/1).