1 – Recém-achada, árvore da mata atlântica corre risco
2 – Dinossauro usava veneno como cobra, indica fóssil chinês
1 – Recém-achada, árvore da mata atlântica corre risco
Nova espécie, a azeitoninha-das-nuvens, pode sumir com aquecimento global
A planta acaba de ser batizada oficialmente (com o nome latino de Symplocos atlantica) e ganhou até um apelido mais popular, o de azeitoninha-das-nuvens, por causa dos frutos pretos. A certidão de nascimento da árvore para a comunidade científica, no entanto, já vem acompanhada de um rótulo nem um pouco invejável: o de ameaçada de extinção.
Isso porque os especialistas detectaram a nova espécie na chamada floresta nebular, uma subdivisão da mata atlântica que cresce nas alturas, a partir de 1.100 metros acima do nível do mar. Como o nome da formação indica, a floresta nebular está relacionada à presença constante de nuvens -as quais correm o risco de migrar para altitudes bem maiores com o avanço do aquecimento global.
E isso ameaça tanto a Symplocos atlantica quanto as demais espécies únicas da floresta nebular, afirma o biólogo Ricardo Bertoncello, um dos autores da descrição da planta na publicação científica “Harvard Papers in Botany”.
Bertoncello chegou à azeitoninha-das-nuvens durante seu mestrado na Unicamp, cujo objetivo era justamente ajudar a entender como a comunidade de plantas se modificava morro acima na mata atlântica. “Logo nas primeiras idas a campo eu percebi que se tratava de algo diferente. Era o esperado, porque a floresta nebular é cheia de endemismos [espécies que só ocorrem ali] e pouco estudada. É só chacoalhar a mata que caem espécies novas”, brinca.
Olho clínico
Após coletar frutos e flores da árvore, o biólogo pediu a ajuda de João Luiz Aranha, especialista na família à qual a possível nova espécie claramente pertencia.
Aranha, que também assina a descrição da planta, confirmou que se tratava de um vegetal desconhecido. Até agora, só foram encontradas árvores em Ubatuba (SP) e Parati (RJ), crescendo entre 1.000 m e 1.270 m de altitude, e com altura variando entre um metro (quase um arbusto) e 9 m.
O trabalho de Bertoncello também dá pistas sobre como a trajetória evolutiva da floresta nebular é única. O conjunto de espécies, por exemplo, apresenta só 18% de sobreposição com árvores que estão meros 150 metros morro abaixo. “A similaridade é maior com plantas que ocorrem em situações semelhantes em outros estados do que com as que estão ali do lado”, conta o biólogo.
Isso provavelmente sugere que a vegetação cobria uma área mais extensa e contínua durante a Era do Gelo (que terminou há cerca de 10 mil anos), quando as condições eram mais frias e úmidas. Com o aumento da temperatura, a conexão sumiu. “Na prática, é como se fossem ilhas de floresta nebular.”
Curiosamente, apesar da presença das nuvens, esse tipo de mata tem aspecto retorcido e árvores de casca grossa, que lembram um pouco ecossistemas mais secos, como o cerrado. Uma explicação possível é a relativa escassez de nutrientes. (Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 21/12)
2 – Dinossauro usava veneno como cobra, indica fóssil chinês
Coberto de penas e com tamanho de peru, ele usaria dentes sulcados e glândula especializada para tontear suas presas
O nome científico do bicho é Sinornithosaurus, mas talvez fosse mais apropriado chamá-lo de serpente emplumada. Trata-se de um dinossauro do tamanho de um peru, coberto de penas e, segundo uma nova pesquisa, capaz de dar mordidas envenenadas em suas presas, como fazem as cobras hoje.
A hipótese, que é quase como imaginar uma ave venenosa (já que o Sinornithosaurus é um parente muito próximo das aves modernas), está sendo proposta pelo grupo de David Burnham, da Universidade do Kansas em Lawrence (EUA), na edição desta semana da revista científica “PNAS”.
Burnham e companhia notaram, em primeiro lugar, que a espécie possui uma série de ranhuras, ou sulcos, nos dentes de cima. Descreveram também uma cavidade no crânio, ideal para armazenar uma glândula produtora de peçonha, que eles batizaram de “fossa subfenestral”.
A ideia é que, em vez de injetar diretamente o veneno na corrente sanguínea da vítima, o dinossauro emplumado apenas fazia as toxinas escorrerem pela parte de fora dos dentes quando mordia suas vítimas. O líquido era canalizado pelos sulcos e acabava parando na corrente sanguínea das presas. É um sistema que lembra o utilizado por certas serpentes atuais, como as cobras-d’água e as cobras-verdes. Alguns lagartos também usam essa tática.
“A razão para a peçonha não é simples. Ela pode ser usada para caçar, para subjugar a presa, mas também pode ser uma forma de facilitar a digestão. Veja o caso das iguanas, por exemplo. Elas não usam a sua peçonha, mas ainda assim têm glândulas para produzi-la”, disse Burnham à Folha.
Velho conhecido
O Sinornithosaurus, que tem cerca de 130 milhões de anos, foi descrito em 1999 por Xing Xu, do Instituto de Paleontologia de Vertebrados e Paleoantropologia de Pequim, em 1999. Xu, porém, não o identificou como peçonhento. Burnham e mais três colegas dos EUA e da China analisaram o fóssil original, bem como outros espécimes, e concluíram que a forma dos dentes e a fossa subfenestral indicaria o uso de veneno.
“Ainda não discutimos o artigo com Xu, mas outros cientistas chineses concordam conosco”, diz Burnham. O grupo especula que a mordida do dinossauro não tinha potência para matar a presa de cara, mas deixava o bicho ferido em estado de choque, o que facilitava o golpe de misericórdia. Isso teria sido especialmente útil para caçar pequenas aves (já então presentes), propõem eles.
A pedido da Folha, o biólogo Leonardo de Oliveira, especialista na anatomia produtora de veneno das serpentes, avaliou o estudo na “PNAS”. “Ultimamente virou moda identificar veneno em vários bichos. A hipótese deles é interessante, mas me parece algo frágil”, diz Oliveira, que trabalha no Museu de Zoologia da USP e é doutorando da Unesp de Rio Claro.
Um detalhe importante, explica ele, é a própria presença de sulcos ou “canaletas” supostamente condutores de veneno nos dentes do Sinornithosaurus. “A questão é que aparecem sulcos em vários dentes do animal. Mas, nas serpentes modernas com as quais ele é comparado, em geral esses sulcos estão restritos a um ou dois dentes que ajudam a conduzir o veneno, embora isso varie bastante”, afirma Oliveira.
Para ele, a própria presença da fossa subfenestral não é suficiente para comprovar a existência de uma glândula produtora de veneno. “É muito difícil ter certeza disso trabalhando com um animal extinto”, diz. (Ricardo Bonalume Neto e Reinaldo José Lopes) (Folha de SP, 22/12)