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Informativo 111 – Geleiras e Cerrado

1 – Pesadelo gelado

2 – Cerrado: Desmatamento é maior em cinco estados

 

1 – Pesadelo gelado

Satélites revelam que perda de grandes geleiras polares é muito maior que a prevista. Nos confins da Terra estão em curso mudanças climáticas mais dramáticas do que aquelas previstas por cientistas
Grandes geleiras polares, na Groenlândia e na Antártica, derretem a uma velocidade surpreendente, revelaram medições de satélites. Enquanto líderes mundiais não se entendem sobre um acordo contra o aquecimento global, as informações coletadas por satélites da Nasa, divulgadas ontem, revelam que o gelo da Groenlândia e da Antártica derrete de forma acelerada.
As grandes geleiras polares são canários da mina climática. Altamente vulneráveis, elas sinalizam alterações no equilíbrio do clima planetário. Por estarem situadas em terra firme, seu derretimento tem impacto na elevação do nível do mar, embora ainda não seja possível estimar com precisão as dimensões das alterações observadas pelos satélites.
Pesquisadores do Grupo Britânico de Pesquisas Antárticas (BAS, na sigla em inglês) e da Universidade de Bristol analisaram milhões de imagens a laser de satélites da Nasa, cobrindo o período entre 2003 a 2007. O estudo, publicado na revista “Nature”, revela que a maior perda de gelo foi causada pela aceleração do fluxo das geleiras em direção ao mar.
Na Antártica, a perda de gelo está acontecendo a um ritmo de nove metros por ano. Na Groenlândia, 81 das 111 geleiras com degelo rápido têm encolhido a uma velocidade duas vezes maior do que a média mundial.
Os cientistas descobriram que a perda de gelo em muitas geleiras da Antártica e da Groenlândia é maior do que o ritmo de queda de neve no interior dos territórios. Na região antártica, as geleiras que afinam mais rapidamente são a da Ilha Pine, a Smith e a Thwaites.
– Estamos surpresos em ver um padrão tão forte de diminuição ou afinamento de espessura das placas de gelo por áreas tão grandes. É um fenômeno amplo e, em alguns casos, essa diluição é disseminada, se estendendo por centenas de quilômetros em terra – disse o pesquisador Hamish Pritchard, do BAS, que liderou o estudo.
Segundo ele, as correntes oceânicas aquecidas que atingem a costa e derretem o gelo são a causa mais provável da aceleração do derretimento das geleiras.
– Esse tipo de derretimento do gelo é tão pouco compreendido que continua sendo a parte mais imprevisível do aumento futuro do nível do mar – disse ele, ressaltando que este foi o panorama mais amplo até hoje do derretimento do gelo nessas regiões.
No estudo, os cientistas afirmam que ainda é cedo para determinar se esse afinamento é um sinal de que a média atual de elevação do nível do mar, em torno de três milímetros por ano, pode aumentar.
– Descobrir isso é a nossa próxima tarefa – garante o glaciologista David Vaughan, do BAS. – Em algumas áreas, o afinamento pode ser causado por variações nas precipitações de neve, por exemplo, e não pelo deslizamento do gelo em direção ao oceano.
Países insulares como as Maldivas, no Oceano Índico, e Tuvalu, no Pacífico Sul, poderão simplesmente desaparecer do mapa até 2100, caso se confirmem as mais recentes projeções sobre a elevação do nível do mar.
 
Os dados mais recentes, anunciados durante uma conferência sobre o clima, realizada em março, na Dinamarca, preveem uma elevação média em torno de um metro, quase o dobro do que fora previsto anteriormente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 2007.
(O Globo, 24/9).

 

2 – Cerrado: Desmatamento é maior em cinco estados

Oeste da Bahia, sul do Piauí e Maranhão, leste do Tocantins e Mato Grosso concentram devastação, Herton Escobar escreve para “O Estado de SP”:
 
Depois de quase esgotar a biodiversidade do sul do Cerrado, o desmatamento começa a rasgar também as entranhas do norte do bioma. Dados inéditos da Universidade Federal de Goiás (UFG), aos quais o Estado teve acesso com exclusividade, revelam uma migração alarmante da devastação para regiões de grandes remanescentes, como o oeste da Bahia, sul do Piauí e Maranhão, leste do Tocantins e centro-norte de Mato Grosso, onde o Cerrado se mistura com a Amazônia. 
Na lista dos 30 municípios que mais desmataram o bioma nos últimos sete anos, 29 são desses cinco Estados, segundo os números do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) do Instituto de Estudos Socioambientais da universidade.
Mato Grosso, sozinho, desmatou 11 mil quilômetros quadrados entre 2003 e 2009, período que foi analisado no estudo. Isso equivale a metade do Estado de Sergipe. Já a Bahia desmatou mais do que um Distrito Federal: 6.200 km².
Goiás, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais também aparecem com grandes áreas desmatadas no período, porém distribuídas de forma mais fragmentada. Quase tudo o que sobrou do Cerrado nesses Estados, após 40 anos de ocupação intensa pela agropecuária, foram ilhotas de vegetação nativa, espalhadas entre um oceano de gado e grãos.
Os grandes remanescentes estão quase todos dentro de unidades de conservação, terras indígenas ou áreas onde o relevo é ruim para a agricultura. Muitas dessas áreas de capim também são usadas como pastagens naturais, em que o gado se alimenta do capim nativo. Ou seja: só porque aparecem verdes no mapa, não significa que não estejam ocupadas.
O Parque Nacional das Emas é exemplo desse isolamento: uma ilha verde no sudoeste de Goiás, cercada de lavouras e pastos por todos os lados. O padrão parece estar se repetindo em Mato Grosso, onde terras indígenas começam a ficar isoladas na paisagem.
A situação mais crítica é a de São Paulo. Restam apenas 13% dos 80 mil km² do bioma nativo que originalmente cobria um terço do Estado. Sobraram vários parques e estações ecológicas, mas é preciso uma lupa para enxergá-los no mapa. O resto virou cana, pasto e silvicultura.
A fragmentação é péssima para a biodiversidade, pois muitas espécies não conseguem transitar de uma ilhota a outra. É como se o bioma estivesse “extinto na natureza” e sobrevivesse apenas “em cativeiro”.
Pioneirismo
Os dados do Lapig incluem, pela primeira vez, taxas anuais de desmatamento para o Cerrado – algo que já é feito para a Amazônia há mais de 20 anos. Os números, a princípio, trazem uma mensagem positiva: redução de 63% no ritmo de devastação do bioma no últimos sete anos. Em 2009 foram desmatados 2.997 km², comparado a 8.172 km² em 2003. Todos os Estados que fazem parte do bioma registraram quedas significativas, apesar de algumas oscilações no meio do caminho.
O diretor do Lapig, Laerte Ferreira, porém, não vê motivo para comemorar. “O que os números mostram é que a ocupação do Cerrado continua. O bioma continua extremamente ameaçado”, afirma.
As estatísticas concordam com a previsão pouco animadora feita no início do ano por seu colega, Manuel Ferreira, de que o Cerrado poderá perder 40 mil km² de vegetação nativa por década até 2050.
Entre 2003 e 2009, sumiram 36.610 km². Os três municípios que mais desmataram nesse período foram Formosa do Rio Preto (2.066 km²), Correntina (1.067 km²) e São Desidério (990 km²), todos no extremo oeste da Bahia, uma área de forte expansão agrícola.
A situação fica caótica quando se leva em conta o desmatamento anterior a 2002. A soma dos dados, feita pelo Estado, mostra que mais da metade do bioma já desapareceu ou foi alterada desde a década de 70, quando a agricultura e a pecuária começaram a marchar com mais força na região.
A área total desmatada é de 835 mil km², igual a três vezes o Estado de São Paulo mais um Rio de Janeiro e um Espírito Santo. Isso equivale a 41% do bioma, que originalmente cobria um quarto do País. Outros 230 mil km², uma área do tamanho de Rondônia, são usados como pastagens naturais. Quando isso é levado em conta, a área ocupada do Cerrado sobe para 1,06 milhão de km² ou 52% da área original. Duas vezes o tamanho da Espanha.
Grande parte desse desmatamento foi feito na base do “correntão”, sistema pelo qual uma corrente gigante é ligada a dois tratores e arrastada sobre o cerrado, derrubando tudo pelo caminho. Depois era só juntar a madeira, tocar fogo e vender o que sobrava como carvão.
“Trinta anos atrás, o correntão era ensinado em sala de aula. Era uma técnica agrícola”, lembra a agrônoma Leonor Assad, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Hoje ainda é usado, mas em menor escala. Virou sinônimo de destruição em massa da natureza.
Os dados sobre o que aconteceu de 2002 em diante são tão recentes que os pesquisadores ainda não tiveram tempo de analisá-los a fundo. Não sabem, por exemplo, qual é a explicação para o sobe e desce das taxas anuais. É provável que estejam associados a fatores de mercado e flutuações nos preços de commodities (soja, carne, milho), a exemplo do que ocorre na Amazônia.
“A Amazônia e o Cerrado precisam ser vistos como um binômio, como duas partes de um mesmo sistema. O que afeta um, afeta o outro também”, defende Ferreira. Outro fator que precisa ser levado em conta é o geográfico. “O filé mignon do Cerrado já foi ocupado. São as áreas mais planas e mais próximas aos mercados consumidores.” Ou seja: o desmatamento pode estar caindo só porque deixou de ser um bom negócio.
O desafio dos cientistas agora é qualificar esse desmatamento mais recente, mapeando o uso que foi dado a cada hectare desmatado. Até 2002, a pecuária era a atividade que mais havia devastado o Cerrado: 542 mil km² (quase uma Bahia), comparado a 216 mil km² convertidos para a agricultura.  “Só saber o que foi desmatado não basta; temos de saber o destino que foi dado a essas áreas”, diz Ferreira.
Números do governo são ‘muito altos’
Um problema que o Cerrado tem em comum com a Amazônia são as divergências entre dados de monitoramento por satélite. Os números de desmatamento calculados por cientistas da Universidade Federal de Goiás (UFG) são diferentes dos divulgados no início do mês pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Para o Centro de Sensoriamento Remoto do Ibama, responsável pelos dados do MMA, o Cerrado perdeu, até 2008, 48% de sua cobertura vegetal original. Na avaliação do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da UFG, essa perda foi de 41%. O dado da universidade é mais atual: vai até 2009.
Os cálculos do governo são mais catastróficos. Segundo o Ibama, a média de desmatamento no Cerrado entre 2002 e 2008 foi de 21.260 km²/ano, o que equivale a uma perda anual de 1% da área original do bioma. Segundo o Lapig, a média no mesmo período foi de “apenas” 5.602 km²/ano. Se for incluído o ano de 2009, a média cai para 5.230 km²/ano.
Sem minimizar a gravidade da situação – evidente em ambos os cenários -, o diretor do Lapig, Laerte Ferreira, questiona a precisão dos dados do MMA. “Os números me parecem muito altos”, diz. “Tenho dificuldade em aceitar que o ritmo de desmatamento hoje é igual ao das décadas de 80 e 90 (1,3% ao ano), quando a disponibilidade de terras e os incentivos para desmatar eram muito maiores. Não é isso o que vemos no campo”.
As diferenças vêm tanto de questões técnicas e metodológicas quanto de dificuldades “naturais” de interpretação das imagens do Cerrado, impostas pela alta variabilidade de paisagens e condições climáticas do bioma. Na Amazônia, o contraste entre uma área com e sem floresta é evidente. Já no Cerrado, a diferença entre um campo natural e uma pastagem pode ser sutil, especialmente na época de seca. “É fácil errar para mais”, diz Ferreira.
Mesmo na Amazônia há divergências profundas entre os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Em 2008, segundo o Inpe, foram desmatados 12.911 km² na Amazônia. Segundo o Imazon, 5.031 km².
(O Estado de SP, 27/9)