Fechar menu lateral

67 Informativo – Pré-seleção e especiação

1 – Pré-seleção natural

2 – Especiação sem barreiras

 

1 – Pré-seleção natural

Randal Keynes, tataraneto de Charles Darwin, fala na 61ª Reunião Anual da SBPC sobre a importância dos manuscritos produzidos em 1844 pelo naturalista inglês para a criação da Teoria da Evolução, publicada 15 anos depois
Thiago Romero escreve para a Agência Fapesp:
As ideias de Charles Darwin e Alfred Wallace não produziram apenas uma simples teoria sobre as formas de desenvolvimento das espécies de animais e de plantas, mas sim um novo padrão que explica a origem de toda a proliferação da vida natural do planeta e as interdependências entre os diferentes organismos, disse o ambientalista britânico Randal Keynes.
A afirmação, feita durante a conferência Darwin, a teoria da evolução e o meio ambiente nesta segunda-feira (13/7), em Manaus, na 61ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), antecedeu outra declaração importante sobre a Teoria da Evolução.
Keynes é tataraneto do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), que em 1859, no livro A origem das espécies, introduziu a concepção de evolução a partir de um ancestral comum por meio da seleção natural. Keynes também é um dos coordenadores da organização The Charles Darwin Trust, que promove o legado científico de seu antepassado.
Acredita-se que a teoria tenha sido criada em 1844, 15 anos antes de Darwin publicar o livro. Naquele ano, ele escreveu alguns textos explicativos sobre ela e, como ninguém conseguia entender sua escrita, alguns amigos próximos a transcreveram. Mas, como Darwin acreditava que o livro poderia ter sido atacado e rejeitado duramente se fosse publicado naquele momento, preferiu esperar mais alguns anos e juntar novas evidências, disse.
Segundo Keynes, o núcleo do pensamento de Darwin com relação à interação entre as espécies não se baseava em conceitos e ordens formais. “Pelo contrário, tinha como base uma visão de proliferação da vida natural dirigida por um processo que funciona por meio de formas misteriosas. Ia no sentido oposto dos taxonomistas da época, que acreditavam que a proliferação das espécies deveria ser entendida de forma disciplinada e racionalizada.
Para o ambientalista, cuja apresentação em Manaus foi inspirada nas ideias de Darwin e Wallace, não existe nenhum processo perfeito de adaptação entre as espécies e a natureza. A natureza não possui perfeição por estar sempre mudando e em constante evolução. Nesse contexto, os conceitos de coadaptação entre as espécies propostos por Darwin são muito importantes para entendermos a biodiversidade do planeta, disse.
A extinção, para Darwin, é um processo natural e benéfico, uma vez que, se algumas espécies não fossem eliminadas, a natureza ficaria entupida. Temos que nos comprometer com as espécies ameaçadas e fazer tudo o que for possível para salvá-las, mas também precisamos nos ater às suas teorias para entender melhor o equilíbrio ecológico proporcionado pelo aparecimento de novas espécies e pela extinção natural de outras, destacou.
Keynes descreveu ainda algumas experiências de Darwin em florestas de cidades como Rio de Janeiro, em 1832, e Salvador, onde o naturalista inglês aportou no mesmo ano e vivenciou a experiência de caminhar pelo interior de uma floresta tropical. O tataraneto do naturalista também divulgou seu livro Darwin, sua filha e a evolução humana, em que aborda o relacionamento entre o cientista e sua filha Annie, cuja morte precoce o abalou profundamente.
Darwin Now
No mesmo dia, Keynes participou da abertura da exposição Darwin Now, que abriu a programação de atividades da SBPC Jovem, evento que ocorre paralelamente à 61ª Reunião Anual da SPBC que termina no dia 17 com o objetivo de promover atividades educativas voltadas para crianças e adolescentes.
Organizada pelo Conselho Britânico, a exposição, inaugurada em São Paulo em abril, faz parte das comemorações do bicentenário do nascimento de Darwin e do 150º aniversário da publicação de sua obra mais famosa cujo título completo é On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life (“Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural, ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida).
A exposição, que ficará em cartaz na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) até 17 de julho, com 16 painéis ilustrados e com textos em português e inglês, explora a vida e a obra de Darwin e o impacto que suas ideias provocam na comunidade científica e na sociedade.
Um dos pontos destacados na mostra é que um dos motivos pelo qual as ideias conhecidas no século 19 perduraram ao longo do tempo seria a simplicidade da Teoria da Evolução, que tem três partes essenciais: quando indivíduos em uma população se reproduzem, a nova geração se assemelha à anterior; a semelhança entre as gerações é próxima, embora não perfeita, para que cada uma inclua novas variações em suas características; e deve haver ligação entre algumas dessas variações e as chances de um indivíduo estar mais bem equipado para sobreviver e se reproduzir.
Keynes lembrou que Darwin nunca esteve na região amazônica. Mas seu maior colaborador, Alfred Wallace, por sua vez, conhecido como o evolucionista esquecido, esteve na região de 1848 a 1852, em uma expedição científica que o tataraneto de Darwin considera de fundamental importância para a formulação da teoria.
Darwin não veio, mas Wallace passou quatro anos na Amazônia e suas contribuições foram decisivas para o anúncio da teoria da seleção natural para a origem das espécies. Mas tenho absoluta certeza de que, se Darwin tivesse visitado a Amazônia naquela época, ele teria ficado impressionado com a beleza natural da floresta, disse.
E se hoje Darwin estivesse aqui entre nós e pudesse ver o que os seres humanos estão fazendo com a floresta certamente ele escreveria, com paixão, sobre a necessidade de avaliar o que o homem está fazendo com a Amazônia, levando em consideração a delicadeza desse ecossistema e antes que se destrua tudo o que a natureza nos presenteou, afirmou.
(Agência Fapesp, 14/7)

 

2 – Especiação sem barreiras

Estudo feito por pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos propõe mecanismo de formação de novas espécies biológicas que não envolve barreiras físicas ou isolamento geográfico. Trabalho foi publicado na revista Nature
Trabalhando com simulações em modelos matemáticos, um grupo de pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos acaba de propor um mecanismo de formação de novas espécies biológicas que não envolve barreiras físicas ou isolamento geográfico. O estudo foi publicado na edição desta quinta-feira (16/7) da revista Nature.
De acordo com o primeiro autor do artigo, o professor Marcus Aloizio Martinez de Aguiar, do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o mecanismo mais conhecido de formação de novas espécies biológicas é a chamada especiação geográfica: barreiras ecológicas impedem a troca de genes entre indivíduos de uma mesma população que, ao longo do tempo e submetidos a distintas pressões de seleção natural, acabam por gerar espécies diferentes.
Segundo ele, a principal contribuição do novo estudo é ter sugerido um mecanismo de especiação que prescinde das barreiras espaciais e da seleção natural, mas cujos resultados são compatíveis com os padrões de abundância de espécies observadas na natureza.
O número de espécies existentes atualmente é muito grande cerca de 100 milhões, o que indica que a especiação é a regra e não uma exceção. Portanto, os mecanismos de especiação devem ser muito simples, embora sua compreensão não seja trivial. Um deles, sem dúvida, é o processo de isolamento geográfico, mas é improvável que seja o único. Nosso estudo aponta para a existência de um mecanismo diferente, em consonância com as observações experimentais, disse Aguiar à Agência Fapesp.
O artigo foi publicado pelo físico e colegas das universidades de Boston e do Arizona e do New England Complex Systems Institute, nos Estados Unidos.
Segundo Aguiar, uma das hipóteses aceitas para explicar a diferenciação das espécies com mecanismo de especiação geográfica é o avanço das geleiras nas eras glaciais, que formavam barreiras e isolavam grupos de animais por longos períodos.
Mas alguns estudos confirmaram casos, como o da formação de certas espécies de aves, que não tinham correlação com a glaciação, sugerindo que deveria haver outros mecanismos. Aparentemente, o isolamento geográfico não dá conta de observar toda a variedade de espécies observada na natureza, apontou.
Utilizando modelos matemáticos, os pesquisadores simularam populações de indivíduos idênticos distribuídos no espaço de forma a permitir a reprodução entre aqueles que não estivessem muito distantes uns dos outros. Mas, a partir de certa distância, essa reprodução não ocorria.
Conseguimos determinar que existe uma distância crítica para que um indivíduo escolha um parceiro para a reprodução, mesmo sem a existência de barreiras. O tamanho dessa vizinhança onde as escolhas são feitas foi um dos parâmetros do modelo, explicou Aguiar.
Além do fator relacionado à distância, o estudo determinou também que a reprodução só ocorre quando os indivíduos têm um certo grau de semelhança genética.
Além da distância espacial, há também uma distância genética crítica. O que mostramos é que, se a distância espacial ou genética for muito grande, não há formação de novas espécies. Existe uma região de parâmetros na qual a especiação ocorre e uma outra na qual não ocorre, disse.
Congestionamento natural
No modelo desenvolvido, cada vez que a especiação ocorria os cientistas analisavam quantas espécies eram formadas e quantos indivíduos apareciam em cada espécie.
Esses padrões de números de indivíduos e de espécies são mais ou menos universais. As análises estatísticas dessas quantidades se mostraram bastante compatíveis com o que é observado na natureza. Esse foi um dos pontos fortes do estudo, disse Aguiar.
Segundo ele, o mecanismo de especiação proposto, que não envolve o processo de seleção natural, é conhecido como mecanismo neutro. Trata-se de uma formação espontânea de espécies, sem nenhuma pressão seletiva. É um processo natural que aparece simplesmente por conta de uma formação de padrões, disse.
O surgimento de espécies sem barreiras físicas específicas, segundo o estudo, pode ser comparado aos pesados fluxos de tráfego de veículos, que podem formar engarrafamentos mesmo em casos isentos de acidentes ou barreiras.
O artigo Global patterns of speciation and diversity, de Marcus Aguiar e outros, pode ser lido por assinantes da Nature em www.nature.com
(Fábio de Castro, da Agência Fapesp, 16/7)