1 – Sudeste lidera lista de peixes ameaçados
2 – DNA revela história da mata atlântica
3 – Grupo japonês explica como se desenvolve o casco da tartaruga
1 – Sudeste lidera lista de peixes ameaçados
Poluição e pesca irregular colocam 238 espécies em risco de extinção; São Paulo e Rio são maiores vilões
Felipe Werneck escreve para “O Estado de SP”:
Mais da metade das 238 espécies e subespécies de peixes e invertebrados aquáticos oficialmente ameaçadas de extinção no País concentra-se em São Paulo (86) e no Rio (76). Um mapa inédito com a distribuição geográfica da fauna ameaçada foi divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como a base de informações é a última lista oficial do Ministério do Meio Ambiente, divulgada em maio de 2004, há uma defasagem de cinco anos na publicação do mapa.
Das 238 espécies e subespécies, 159 são peixes de água doce e salgada e 79, invertebrados aquáticos. Elas foram divididas por categorias de ameaça. Entre os peixes, 35 estão “criticamente em perigo de extinção”, 38 “em perigo de extinção” e 86 “vulneráveis à extinção”.
São exemplos do primeiro grupo o cação-bico-doce, presente em cinco Estados (PR, RJ, RS, SC e SP), o peixe-serra (AM, AP, MA, PA, RJ e SP), o piabanha (MG, RJ e SP), o lambari (PR), o surubim-do-doce (ES e MG) e o bagre-mole (SC e SP). Entre os invertebrados aquáticos, o marisco-do-junco (RS), o ouriço-do-mar-irregular (RJ), o pepino-do-mar (SP) e outras três espécies estão “criticamente em perigo de extinção”. Há 26 em perigo e 47 vulneráveis à extinção.
Causas
A maioria das espécies ameaçadas concentra-se no bioma mata atlântica. A bióloga Licia Leone Couto, pesquisadora do IBGE responsável pelo trabalho, citou a ocupação de faixas costeiras e a poluição das águas como prováveis causas, além da sobrepesca para consumo, da pesca esportiva e da pesca e exploração ornamental.
Depois de São Paulo e do Rio de Janeiro, os Estados onde há mais peixes e invertebrados aquáticos ameaçados são Rio Grande do Sul (55), Bahia (51) e Paraná (43). “Com o mapa, fica mais fácil visualizar o problema e alertar a população para a necessidade de preservação.”
Defasagem
O coordenador de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do IBGE, Celso José Monteiro Filho, comentou a defasagem entre a publicação da lista oficial e a divulgação do mapa.
“As pessoas às vezes nos cobram muito, dizendo: ?Por que vocês estão lançando agora um mapa com uma lista que tem cinco anos?? Em primeiro lugar, muitas pessoas não tomam conhecimento quando a lista é publicada no Diário Oficial.”
Segundo Monteiro, o levantamento é “demorado e difícil”. “Fazemos um trabalho de atualização do nome científico, conferimos se os nomes estão corretos, consultamos especialistas.”
O mapa divulgado ontem é o quarto e último da série Fauna Ameaçada de Extinção do IBGE. As aves haviam sido mapeadas em 2005, outro mapa reuniu mamíferos, répteis e anfíbios em 2006 e, no ano seguinte, foi a vez dos insetos e outros invertebrados terrestres.
Há oficialmente 632 espécies ameaçadas de extinção no Brasil: além dos peixes e invertebrados aquáticos, 159 aves, 69 mamíferos, 20 répteis, 16 anfíbios, 96 insetos e 34 outros invertebrados. Os mapas estão disponíveis no site do IBGE (www.ibge.gov.br) e podem ser comprados por R$ 15 nas livrarias do instituto.
Relevo permite que 13% da Amazônia seja ocupada
O IBGE também apresentou ontem o primeiro banco de dados digital sobre o relevo da Amazônia Legal. O trabalho mostra que as superfícies planas e os relevos de topos planos favoráveis à ocupação – desde que consideradas as condições de solo e a cobertura vegetal – correspondem a 13% do território.
“É possível definir uma política pública de ocupação da Amazônia focada nesses 13%. Não estou dizendo que é para ocupar os 13%, mas que, uma vez definida uma política pública, pode-se concentrá-la naquelas áreas onde o relevo é favorável”, declarou o geógrafo Trento Natali Filho, da Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais do IBGE. “Portanto, sob o ponto de vista do relevo, há uma possibilidade de ocupação. Mas devem ser levados em consideração, necessariamente, outros elementos ambientais”, acrescentou.
As formas predominantes são as de “dissecação”, formações irregulares como colinas, morros, cristas e tabuleiros, que ocupam 73,78% dos cerca de 5 milhões de KM² da região.
Do território dominado por relevo irregular, 16,26% é coberto por formas acidentadas, mais sujeitas à erosão e vulneráveis ao desmatamento – 3,7% sofreram algum tipo de intervenção humana. As planícies sujeitas a inundações temporárias (chamadas de acumulações) estão em 13,14% da região, sendo quase metade dessa área (7% do total) representada pela Planície Amazônica, formada pelos Rios Solimões, Amazonas e seus afluentes.
O Banco de Dados Digital de Geomorfologia da Amazônia Legal, disponível no site do IBGE, contém informações coletadas em 566 pontos de amostragem de campo sobre 16 tipos de formas de relevo (como morros e colinas), agrupados em 162 unidades de relevo (serras, planaltos, depressões e chapadas, por exemplo). A Amazônia Legal representa 59% do território brasileiro.
(O Estado de SP, 11/7)
2 – DNA revela história da mata atlântica
Diversidade genética de rã mostra que variedade biológica do bioma surgiu de refúgios onde espécies se diversificavam. Áreas permanentes de floresta, sem secas, ondas de frio nem invasão do mar moldaram biodiversidade local em 12 milhões de anos
Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:
Uma nova teoria baseada na genética oferece uma explicação para a origem da grande variedade de vida da mata atlântica. Os grupos animais desse ecossistema teriam se diversificado a partir de “refúgios” localizados por todo o litoral do sudeste do Brasil, processo que ocorreu ao longo dos últimos 12 milhões de anos, pelo menos.
A hipótese foi elaborada pelo grupo de Cinthia Brasileiro, ecóloga da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Já se sabia que o sul da Bahia atuava como um desses núcleos que funcionavam como “fábricas de espécies”, mas o trabalho da cientista mostra que havia vários deles. E o surgimento dos cinco grandes agrupamentos de refúgios não ocorreu em sentido único, do norte para o sul, por exemplo.
“Não significa que eram cinco grandes refúgios. Cada uma das regiões tinha várias dessas áreas”, disse Brasileiro à Folha, comentando estudo que publicou na revista “Molecular Ecology”. “Elas [as áreas] existiram mais ou menos da mesma forma por milhões de anos.”
O segredo dos refúgios é que eles estão sempre florestadas, não sofrem secas, épocas de frio ou oscilação do nível do mar. Por isso, dentro deles, a diversidade da vida tende sempre a aumentar. Um dos motivos, por exemplo, é o grande número de nichos ecológicos disponíveis para colonizar.
Para um anfíbio que tem uma população vivendo em bromélias, por exemplo, o universo dele está restrito apenas a um determinado bromelial. Mas outra população pode colonizar um único riacho, e assim sucessivamente. O surgimento de novas espécies da fauna e da flora -além da diferenciação das várias populações de uma mesma espécie- pode ocorrer a partir disso.
Para que os dois processos se desenrolem, porém, é preciso que o clima seja favorável por milhões de anos provavelmente, ou que o nível do mar desça (no período estudado ele oscilou por volta de 200 metros). Com isso, a floresta aumenta de tamanho e os bichos passam a ter uma área maior para prospectar novos habitats.
A biodiversidade ampliada, na sequência, passará a ocupar novas regiões geográficas. Na prática, o surgimento do centro de biodiversidade no sul de São Paulo, entre São Sebastião e Cananeia, ilustra a tese defendida por Brasileiro.
“A diversidade, nessa área, começou há 1 milhão de anos, aproximadamente. Essa área é mais antiga do que a identificada no norte de São Paulo, mas mais nova do que as áreas estudadas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo “, diz a cientista da Unifesp.
Portanto, o que o grupo de pesquisa defende é que houve uma origem diferente entre as duas áreas e não um processo que começou no norte da região ocupada pela mata atlântica e veio em direção ao sul.
Biografadas pelo DNA
A ferramenta genética usada por Brasileiro foi o estudo do DNA de duas espécies de rãs -amostras de 137 indivíduos, no total. As amostras foram comparadas, e as diferenças entre elas revelam a biografia dos dois grupos de anfíbios.
“Esse é apenas um estudo de filogeografia [o mapeamento das diversidades genéticas de uma espécie ao longo do tempo] que corrobora a ideia dos refúgios para toda a mata atlântica”, diz Brasileiro. Há outros estudos em andamento procurando confirmar a hipótese, alguns deles com dados coletados nas ilhas do litoral paulista.
Na área da atual Jureia, a mata ficou separada do resto do continente até 5.000 anos atrás, aproximadamente. “A diversidade nessa área é ainda mais recente do que nas outras regiões estudadas, com 200 mil anos.” Isso indica, segundo Brasileiro, que a separação pelo mar acabou criando, neste caso, mais um refúgio.
Processo mais ou menos parecido pode estar em curso hoje em ilhas paulistas como Queimada Grande ou Alcatrazes.
(Folha de SP, 12/7)
3 – Grupo japonês explica como se desenvolve o casco da tartaruga
Estrutura única surge a partir de fusão de costelas, não de placas na pele
Ricardo Bonalume Neto escreve para a “Folha de SP”:
Combinando o estudo de embriões de tartaruga, galinha e camundongo com a análise de um fóssil de 220 milhões de anos foi possível agora a um grupo de cientistas explicar um dos mistérios da evolução biológica: como se desenvolve o casco das tartarugas.
Tartarugas, cágados e jabutis são os únicos vertebrados envolvidos por esse casco arredondado. Os cientistas da equipe de Shigeru Kuratani, do Centro Riken para Biologia do Desenvolvimento, de Kobe, Japão, mostraram como a carapaça é formada pela fusão das costelas e detalharam as mudanças nos ossos e músculos para que isso seja possível.
Uma hipótese dizia que essa estrutura teria surgido a partir da ossificação de placas dentro da pele. Mas havia problemas com essa ideia. Como explicar que essas placas ósseas se fundiam com as costelas? E por que as escápulas, ossos que nos outros vertebrados fazem parte do ombro, estão dentro, e não fora, da caixa torácica?
Kuratani e colegas não precisaram de nenhuma tecnologia revolucionária para comparar os embriões de camundongo, galinha e da tartaruga-de-carapaça-mole-chinesa (de nome científico Pelodiscus sinensis). Foram usadas ferramentas tradicionais do estudo da anatomia conhecidas faz um século.
Quando começa a gestação os embriões de vertebrados são muito parecidos, o que deixa claro como todos tiveram um ancestral comum. Mas, a um terço da incubação da tartaruga, seu embrião começa a apresentar características únicas.
As costelas migram para a região dorsal e uma parte da parede do corpo dobra sobre si mesma, criando a carapaça dérmica. No processo são aproveitadas as mesmas ligações entre osso e músculo comuns aos outros animais, e algumas novas são criadas.
Uma boa pista para o estudo foi a descoberta na China da mais antiga tartaruga fóssil, a Odontochelys. Ela é claramente um elo, uma forma intermediária entre animais sem casco e as tartarugas. A Odontochelys não tem carapaça, tem apenas a parte de baixo, o plastrão.
A equipe que descreveu o fóssil escreveu já em artigo no ano passado na revista “Nature” que a nova espécie mostra que o plastrão se desenvolveu antes da carapaça e que o casco das tartarugas não derivaria de placas ósseas.
O casco duro das tartarugas ajuda na sua defesa contra predadores. Mas por que ele surgiu? “O propósito último é às vezes pouco claro na evolução. Hoje, muitas das tartarugas modernas usam o casco como proteção. Mas, quando ele primeiro surgiu, eu não tenho ideia para que servia”, disse Kuratani à Folha.
A Odontochelys só tinha proteção ventral. “Ela era um animal aquático e tinha um plastrão totalmente desenvolvido que oferecia proteção contra predadores vindos de baixo, o que é possível para organismos aquáticos, mas não para os terrestres”, disse um dos autores do artigo sobre o fóssil na “Nature”, Olivier Rieppel, da Universidade Northwestern, EUA.
(Folha de SP, 13/7)