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57 Informativo – Amazonas e gestão

1 – Geólogo data nascimento do Amazonas

2 – O conhecimento biológico e sua aplicação no universo da gestão ambiental: aspectos conceituais e metodológicos, texto de Eleonora Trajano e Roberto Varjabedian

 

1 – Geólogo data nascimento do Amazonas

Estudo indica que maior rio do mundo surgiu há 11,8 milhões de anos; queda do nível do mar e subida dos Andes são os “pais”. Amostras de sedimento antigo acumulado no mar deram pistas sobre biografia do curso d’água a brasileiro que trabalha no Reino Unido
Eduardo Geraque escreve para a “Folha de SP”:
O rio Amazonas acaba de ganhar uma certidão de nascimento. Segundo ela, o curso d’água mais volumoso da Terra nasceu há 11,8 milhões de anos. A adolescência e a fase adulta do rio-mar também estão descritas no estudo, publicado no periódico “Geology”. Ele é assinado por Jorge Figueiredo, geólogo da Petrobras que atualmente cursa doutorado na Universidade de Liverpool (Reino Unido) e colaboradores.
Toda a história de vida do Amazonas está baseada em análises paleontológicas (fósseis de animais e pólen) e de proveniência sedimentar, feitas em amostras coletadas em poços perfurados no oceano Atlântico, na foz do rio.
De acordo com Figueiredo, existia um pequeno rio antes de 11,8 milhões de anos, no período chamado pelos geólogos de Mioceno Médio (Na África, nessa época, o gênero humano nem existia). Mas ele drenava apenas a parte oriental da atual região amazônica. Do lado ocidental, onde hoje estão o Peru, a Colômbia e os Estados do Amazonas e do Acre, havia um tipo de pantanal, uma grande área inundada.
“Separando essas duas áreas existia uma região um pouco mais elevada que as grandes planícies amazônicas, a oeste de Manaus”, diz Figueiredo.
A situação, entretanto, começaria a mudar há 11,8 milhões de anos, diz o geólogo. De um lado, por causa do aumento do manto de gelo na Antártida, o mar começou a descer – uma queda de cerca de 120 metros em média em relação ao nível atual. De outro, a poderosa cordilheira dos Andes exibia quase toda sua força, elevando-se a alturas próximas das atuais.
Esses dois processos, que terminaram há aproximadamente 11,3 milhões de anos, fizeram com que os lagos do lado oeste fossem conectados ao riozinho do lado leste. O Amazonas, agora transcontinental, estava pronto para crescer e aparecer.
Na infância do rio, entre 11,8 milhões e 6,8 milhões de anos, ainda havia um número muito grande de lagos ao longo do Amazonas, cujo curso era sinuoso, como o de vários rios pequenos da região hoje. Os sedimentos carregados pelas águas do rio acabavam sendo depositados no continente.
Na sua adolescência, como os Andes subiram ainda mais, havia mais sedimento para ser transportado. E eles começaram a chegar em maior quantidade ao oceano, obliterando os lagos no caminho.
Há 2,4 milhões de anos o Amazonas entrou na fase adulta. O riacho cheio de meandros de outrora tornou-se o rio mais caudaloso do mundo.
Cálculos do projeto Piatam (Petrobras) mostram que o rio lança todos os anos no Atlântico 6,3 trilhões de metros cúbicos de água (16% de toda a descarga mundial de água doce no mar) e 1,2 bilhão de toneladas de sedimento. É tanto entulho que a foz do Amazonas pode até estar afundando poucos milímetros por ano.

“Era sabido que a evolução do Amazonas dependeu do tectonismo [elevação] dos Andes. O artigo científico, entretanto, apresenta uma idade mais fechada [para o nascimento do rio]”, diz Michel Mahiques, professor do Instituto Oceanográfico da USP e especialista em oceanografia geológica.
Segundo Figueiredo, os dados atuais estão em desacordo com uma hipótese levantada por outro grupo de pesquisa – a de que o rio Amazonas, há 5 milhões de anos, corria ao contrário, do Atlântico para aquilo que começava a ser os Andes.
(Folha de SP, 2/7)

 

2 – O conhecimento biológico e sua aplicação no universo da gestão ambiental: aspectos conceituais e metodológicos, texto de Eleonora Trajano e Roberto Varjabedian

“A Convenção da Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, não tem sido devidamente considerada na prática em várias tomadas de decisões empreendidas pelos órgãos públicos nas diferentes esferas de competências”

Eleonora Trajano é professora do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP. Roberto Varjabedian é assistente técnico do Ministério Público de SP.

 

Texto enviado pelos autores ao “JC e-mail”:
“Nos dias 18 e 19 de junho, realizou-se, no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, o encontro temático: “O conhecimento biológico e sua aplicação no universo da gestão ambiental: aspectos conceituais e metodológicos”, que contou também com o apoio da SBPC.
Participaram do encontro pesquisadores de diversas áreas da Biologia, os quais têm em comum a vivência na área de Conservação e a preocupação com os rumos atuais da política ambiental brasileira.
Na legislação ambiental brasileira existem vários elementos, termos e condicionantes a serem considerados que implicam na aplicação de conceitos, métodos e conhecimentos biológicos, repercutindo de forma determinante na tomada de decisões sobre o destino dos remanescentes de ecossistemas naturais.
Assim, a proposta do evento foi de promover discussões visando ao aprofundamento conceitual, bem como metodológico, com ênfase nos requisitos mínimos para definição e aplicação adequada de métodos de estudo. Foram tomados, como referência, elementos, termos e condicionantes que integram diplomas legais utilizados de forma freqüente nas rotinas de avaliações de demandas de intervenção em ecossistemas terrestres e aquáticos (e.g., Resolução Conama 01/86, Lei 11.428/06, Lei 4771/65 entre outras), no âmbito da gestão ambiental.
Os temas em destaque incluíram a definição de áreas de influência, bem como a execução de estudos diagnósticos e levantamentos voltados para subsidiar avaliações de impactos ambientais negativos, especialmente no que se refere ao meio biológico.
No primeiro bloco, foi efetuado um relato de experiências, envolvendo exemplos de condicionantes relativos ao conhecimento biológico na legislação ambiental, bem como exemplos da aplicação do conhecimento biológico no contexto das decisões tomadas por órgãos e instituições voltadas para gestão ambiental, abordando aspectos legais e técnico-científicos. Esses relatos constituíram a base para discussões sobre a consistência conceitual no corpo normativo e legal da política ambiental ora vigente no país, assim como sobre a adequação dos métodos de estudo utilizados em diagnósticos e monitoramento ambientais.
Os relatos de experiências revelaram importantes problemas nas rotinas de execução de estudos de campo voltados para o meio biológico, bem como no âmbito da instrução dos processos de licenciamento ambiental, e da tomada de decisões, em diferentes instâncias dos órgãos do Sisnama.
Neste cenário, um dos aspectos destacados, inclusive por ser constatado com frequência, é que nos estudos prévios e nas avaliações de danos ambientais não vem sendo devidamente considerada, por vezes, a perspectiva de que intervenções aparentemente isoladas podem gerar efeitos cumulativos e sinérgicos ambientalmente indesejáveis.
Desta forma, vem sendo observada a ocorrência de abordagens pontuais e reducionistas no âmbito de várias análises ambientais, o que vêm promovendo um campo fértil para prática de distorções e equívocos, a exemplo dos inconvenientes decorrentes das avaliações fragmentadas de projetos que implicam em degradação ambiental de grande magnitude, como se vê em alguns casos em que são realizados licenciamentos em etapas.
Além disso, entre os elementos principais da discussão, foram focados os estudos de fauna e vegetação, com ênfase na abordagem conceitual e nos requisitos mínimos para definição e aplicação adequada de metodologias (dimensionamento de campanhas de campo, abrangência taxonômica do levantamento, freqüência dos estudos, representatividade e suficiência das amostragens, envolvendo aspectos espaciais e temporais, entre outros), assim como na avaliação e uso das informações obtidas.
No âmbito da avaliação da ocorrência de espécies da fauna silvestre, foi dada especial ênfase aos problemas na constituição de listas de espécies ameaçadas de extinção, atualmente um instrumento determinante para a proteção de biomas, e na identificação de estágios sucessionais da vegetação. Além disso, foram considerados aspectos envolvidos na concepção e implantação de projetos de monitoramento da fauna silvestre, bem como medidas voltadas para a sua proteção e mitigação de impactos sobre ela incidentes.
Foram também abordados aspectos institucionais e éticos determinantes, incluindo a responsabilidade do profissional (seja biólogo, geólogo, geógrafo etc) na execução de estudos competente e isenta de compromissos que não com a ciência, assim como a necessidade de se considerar a devida multidisciplinaridade e respeitar a especialidade das matérias envolvidas. Deu-se destaque à importância de utilização dos métodos mais adequados e corretos em face das especificidades das demandas, quais sejam diagnósticos, monitoramento ou outras, de modo a cumprir de fato os objetivos das investigações de campo.
Neste âmbito, fica claro que o uso, muitas vezes exclusivo, de dados secundários (de literatura), como vem sendo a prática nos diagnósticos ambientais, é inadequado na medida em que os estudos que geraram tais dados frequentemente tinham objetivos próprios, que determinaram metodologias não necessariamente adequadas às desses diagnósticos.
Discutiram-se as implicações negativas de se impor, por um lado, métodos únicos, gerais para todos os grupos taxonômicos e inviáveis do ponto de vista de sua execução e, por outro, de se permitir abordagens metodológicas limitadas, a exemplo de situações, que se tornaram a regra, onde sua representatividade é comprometida pela insuficiência amostral no que diz respeito a freqüência e abrangência taxonômica, espacial e temporal.
De fato, com raras exceções, os ditos estudos faunísticos não o são, pois só incluem vertebrados, frequentemente com ênfase apenas em aves e mamíferos, não necessariamente os melhores indicadores do estado de conservação do bioma. A restrição espacial do estudo, geralmente limitado à área diretamente afetada pelo empreendimento, impede qualquer inferência sobre endemismo de fauna e flora, um dos principais critérios para Conservação.
Do mesmo modo, a freqüência de amostragem e sua cobertura temporal (restrita a um ciclo anual ou menos), determinadas pelos próprios órgãos ambientais, são tão baixas que não permitem testar sua suficiência.
Neste contexto, evidenciou-se que a Convenção da Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário, bem como o reconhecimento da relevância biológica dos remanescentes ainda existentes de ecossistemas naturais, não tem sido devidamente considerada na prática em várias tomadas de decisões empreendidas pelos órgãos públicos nas diferentes esferas de competências, apesar do teor contundente, e do expressivo número de publicações especializadas que tratam da matéria, tanto nacionalmente como mundialmente.
Por sua vez, foram muito enfatizadas as premissas de que o Princípio da Precaução e a representatividade dos estudos ambientais são os pilares sobre os quais toda e qualquer política ambiental deveria se erigir.
O princípio da precaução encontra expressão concreta nos sete incisos do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal, ou seja, naqueles incisos existem determinações para que o poder público e o legislador ordinário definam meios e modos para que a avaliação dos impactos ambientais seja realizada e que sejam evitados – tanto quanto possível – danos ao meio ambiente.
No momento em que as decisões a favor da conservação de biomas e seus segmentos, protegendo-os contra as investidas do crescimento econômico, baseiam-se na presença de atributos como a ocorrência de espécies ameaçadas, geralmente endêmicas e raras, é fundamental minimizar a probabilidade de que tais atributos passem desapercebidos, e isto só pode ser feito garantindo-se a representatividade do estudo e tendo o Princípio da Precaução como pano de fundo.”