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42º Informativo – Deserto e abismo

1 – Poeira do deserto faz chover na floresta

2 – Explorador do abismo

 

1 – Poeira do deserto faz chover na floresta

Pesquisador da USP e grupo internacional desvendam propriedades das partículas que formam nuvens de gelo e confirmam: poeira do deserto do Saara influencia regime de chuvas na Amazônia. Estudo foi publicado na Nature Geoscience

Fábio de Castro escreve para a “Agência Fapesp”:
A poeira do deserto do Saara, na África, tem uma influência importante no regime de chuvas da Amazônia. A afirmação, que pode parecer inusitada à primeira vista, foi comprovada em um estudo realizado por um grupo internacional de pesquisadores – com participação brasileira -, publicado na revista Nature Geoscience.
De acordo com Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do trabalho, o objetivo foi realizar, pela primeira vez em uma região tropical do planeta, medidas de aerossóis conhecidos como núcleos de condensação de gelo – partículas que têm a propriedade de formar nuvens convectivas, influenciando a precipitação, a dinâmica das nuvens e a quantidade de entrada e saída de radiação solar.
“As nuvens convectivas na Amazônia, que ficam entre 12 e 15 quilômetros de altitude, têm suas gotas congeladas. Para que possam aparecer partículas de gelo nessas nuvens é preciso existir os núcleos de condensação de gelo. Pela primeira vez medimos as propriedades físico-químicas desses núcleos”, disse à “Agência Fapesp”.
Segundo Artaxo, ao fazer as medidas, o grupo descobriu que a vegetação da própria Amazônia e a poeira proveniente do Saara são as duas principais fontes dos núcleos de condensação de gelo.
“A importância disso é que a maior parte da chuva na Amazônia é proveniente das nuvens convectivas. E é a primeira vez que detectamos essas partículas. Identificamos como núcleos de gelo e medimos suas propriedades físicas, químicas e biológicas”, disse o também coordenador do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) e ex-coordenador da área de geociências da Fapesp.
Para realizar o estudo, o grupo utilizou modelos matemáticos que simulam o comportamento das nuvens de gelo em condições amazônicas. “A parte surpreendente é que a poeira do Saara é responsável por uma fração significativa dos núcleos de condensação de gelo da Amazônia, especialmente em altas altitudes e temperaturas mais baixas”, explicou.
Segundo Artaxo, o estudo sugere que a contribuição das partículas biológicas locais para a formação de núcleos de gelo aumenta em altas temperaturas atmosféricas – com altitude mais baixa -, enquanto a contribuição por partículas de poeira cresce nas baixas temperaturas das regiões mais altas.
“Descobrimos que a vegetação da própria floresta alimenta os núcleos em altitudes que vão até 8 ou 9 quilômetros. Enquanto isso, a poeira do Saara nessa época do ano – o estudo foi feito entre fevereiro e março – predomina em altitudes acima de 9 ou 10 quilômetros”, disse.
As análises apontaram que os núcleos são compostos principalmente de materiais carbônicos e poeira. “Mostramos que as partículas biológicas dominam a fração carbônica, enquanto a importação da poeira do Saara explica o aparecimento intermitente de núcleos contendo poeira”, contou.

A poeira do deserto africano, segundo Artaxo, é um fenômeno atmosférico sazonal cujo pico se dá entre março e o fim de abril. “É um fenômeno de transporte atmosférico de longa distância que já conhecíamos. Mas nunca tínhamos medido as propriedades de nucleação dessas partículas.”
Continuidade em temático
Na primeira fase do estudo a equipe utilizou um equipamento supercongelador para esfriar as partículas a 50 graus negativos e lançá-las na Floresta Amazônica, a fim de fabricar cristais de gelo.
“A partir daí, analisamos as propriedades físicas, químicas e biológicas desses cristais, utilizando técnicas analíticas nucleares – especificamente o método Pixe, disponível no Instituto de Física da USP. Pudemos analisar a concentração de alumínio, silício, titânio e ferro nas partículas”, disse
A partir da análise, os pesquisadores descobriram que a assinatura elementar das partículas correspondia à assinatura da poeira do deserto do Saara. O segundo passo foi descobrir como essas partículas saem da África e chegam à Amazônia.
“Para isso rodamos modelos de circulação global da atmosfera e mostramos que, efetivamente, quando estavam presentes as concentrações de alumínio, silício, titânio e ferro que correspondiam à poeira do Saara, o modelo confirmava essa circulação”, afirmou.
Com a pesquisa, o grupo concluiu que a concentração e a abundância de núcleos de condensação de gelo na Amazônia podem ser explicadas, em sua quase totalidade, por emissões locais de partículas biológicas complementadas pela importação da poeira saariana.
Segundo Artaxo, os estudos terão continuidade dentro de um Projeto Temático apoiado pela Fapesp no âmbito do Programa Fapesp sobre Pesquisa Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG). “Faremos novos estudos dentro desse Temático que acaba de ser aprovado. Tentaremos simular e medir como se dá a variabilidade sazonal dos núcleos de condensação de gelo sobre a Amazônia”, destacou.
Além de Artaxo, participaram do estudo Markus Petters, Sonia Kreidenweis e Colette Heald, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade Estadual do Colorado (Estados Unidos), Scot Martin, da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade de Harvard (Estados Unidos), e Rebecca Garland, Adam Wollny e Ulrich Pöschl, do Departamento de Biogeoquímica do Instituto de Química Max Planck (Alemanha).
O artigo Relative roles of biogenic emissions and Saharan dust as ice nuclei in the amazon Basin, de Ulrich Pöschl e outros, publicado em 3 de maio na Nature Geosciences, pode ser lido por assinantes em http://www.nature.com/ngeo
(Agência Fapesp, 3/6)

 

2 – Explorador do abismo

Submarino-robô conclui expedição ao fundo da Fossa das Marianas
O submarino-robô americano Nireu conseguiu realizar a mais detalhada exploração da Fossa das Marianas, o lugar mais profundo da crosta do planeta. Com 11 mil metros de profundidade, a Fossa das Marianas fica no Oceano Pacífico, a leste das Ilhas Marianas.

Desenvolvido por uma instituição de pesquisa americana, Nireu é o exemplo mais avançado de uma nova geração de submarinos-robôs que promete revolucionar o conhecimento sobre o fundo dos oceanos, que embora represente a maior parte da superfície da Terra é menos conhecido do que a Lua e Marte.
No futuro, submarinos como o Nireu poderiam participar de missões de busca, como a empreendida agora para encontrar os destroços do Airbus da Air France, que caiu no Atlântico Sul.
No momento, o Nireu ainda é lento demais para esse tipo de trabalho. Mas no domingo passado, Nireu chegou ao fundo do Challenger Deep, um abismo dentro do abismo das Marianas.
Desenvolvido pelo Instituto Oceanográfico Woods Hole, Nireu consegue operar a uma pressão elevadíssima, mil vezes maior do que a do nível do mar e equivalente à de Vênus. Ele é capaz é de ir mais fundo que qualquer outro submarino e pode filmar e coletar amostras.
Até hoje, somente três submersíveis exploraram o fundo da Fossa das Marianas.
O primeiro foi o batiscafo americano de fabricação suíça Trieste, com Don Walsh e Jacques Piccard a bordo, em 1960. O segundo, o robô japonês Kaiko, que fez três expedições ao abismo entre 1995 e 1998. Kaiko se perdeu no mar em 2003.
Para se ter ideia do que representa a profundidade do Challenger Deep, o ponto mais alto da Terra, o Monte Everest, tem 8.850 metros de altura e se ele fosse colocado no fundo das Marianas, ainda seriam necessários mais 2.150 metros para alcançar a superfície.
– Nireu é diferente de qualquer outro submarino-robô. Ele tem operação mais simples e capacidade para explorar vastas áreas com grande eficiência. Nossa grande conquista não foi apenas chegar ao ponto mais fundo dos oceanos, mas abrir uma nova frente para o conhecimento das profundezas, que podem abrigar alguns dos ecossistemas mais ricos e misteriosos da Terra. Podemos virtualmente explorar qualquer lugar – disse o gerente da missão, Andy Bowen.
Nireu se comunica com a superfície através de um cabo de fibra ótica superfino e resistente. Mas ele também pode operar como um submarino autônomo. No domingo, controlado por cientistas a bordo do navio de pesquisa Kilo Moana, Nireu coletou sedimentos do fundo do Challenger Deep.
– São amostras do ponto onde duas placas tectônicas se encontram, um dos lugares de grande atividade sísmica do Pacífico – disse a geóloga Patty Fryer, que integra a missão.
Uma das metas da expedição é determinar a profundidade exata do Challenger Deep, até hoje uma incógnita.
(O Globo, 3/6)