1 – Para ambiente, bichos menores podem ter papel de gigantes
2 – Grande impacto
3 – Robô-biólogo faz sua 1ª descoberta científica original
1 – Para ambiente, bichos menores podem ter papel de gigantes, diz brasileiro
Cientista da Unesp e americano querem revisar ideia de ‘megafauna’. Dependendo do habitat, animais modestos têm mesma função de elefantes
Reinaldo José Lopes escreve para o “G1”:
Tamanho, como se sabe, não é documento — mas tamanho relativo pode muito bem ser, ao menos quando se trata do papel que bichos grandes, ou não tão grandes, podem ter no ambiente em que vivem. É o que defende uma dupla de pesquisadores, formada por um brasileiro e um americano, na edição desta semana da revista especializada “Science”.
De acordo com eles, animais de tamanho modesto, dependendo do ecossistema, podem ser tão importantes para a saúde de seu habitat quanto os elefantes são para a savana africana. E fazê-los sumir é uma receita para o desastre.
Em síntese, Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro, e Dennis M. Hansen, da Universidade Stanford, estão pedindo uma revisão no conceito de megafauna — termo que, entre os ecólogos, é usado para designar qualquer animal com mais de 44 kg.
Na linguagem corrente, o termo é mais usado para se referir à megafauna extinta — monstros como mastodontes e preguiças-gigantes, com toneladas de peso, que vagavam pelo interior do Brasil até uns 10 mil atrás. (Outras regiões do mundo também perderam membros de sua megafauna mais ou menos na mesma época). Galetti diz que é hora de “virar o disco” sobre o tema.
“As pessoas tendem a só falar sobre como a megafauna foi extinta, se foi o homem ou se foram as mudanças no clima”, afirmou Galetti ao G1. “Essa discussão acontece desde a época de Darwin. Não é que ela não seja interessante e importante, mas nós achamos que é hora de mudar o foco. Temos de ver o que acontece com os ambientes quando a megafauna desaparece, porque as repercussões são muitas”, avalia o pesquisador.
Ordem na casa
Alguém poderia imaginar que o sumiço dos animais mais avantajados não tem grandes efeitos sobre as outras espécies de um habitat, mas o fato é que a megafauna é essencial para por “ordem na casa” em qualquer ecossistema.
“O mero fato de um elefante caminhar altera a composição de espécies de plantas. A presença dele aumenta a diversidade de espécies e controla a população das plantas”, diz Galetti.
Outro fator importante envolve a frugivoria — o hábito de devorar frutos, em bom português. Ao longo do processo evolutivo, plantas e animais fizeram uma espécie de “acordo”, obviamente não-consciente: eu, planta, produzo frutos saborosos, enquanto você, animal, os come e aproveita para levar as sementes para longe, fertilizando-as com suas fezes.
Acontece que apenas os membros da megafauna conseguem dispersar com eficiência as sementes de vários frutos grandalhões. Resultado: se os bichos grandes somem, a tendência é as plantas ficarem “órfãs” deles.
“Nós mostramos esse processo com mais de 100 espécies de plantas brasileiras cujos frutos provavelmente eram dispersados pela megafauna extinta, como o pequi e o jatobá”, conta Galetti.
Essas plantas ainda não se extinguiram, apesar da ausência de seus dispersores, mas há indícios de que a diversidade genética delas encolheu, o que não é nada bom.
Pequena grande megafauna
Além disso, é importante olhar o contexto de cada habitat, diz o pesquisador da Unesp. No continente sul-americano, o maior frugívoro que sobrou foi a anta, que pesa 300 kg (os mastodontes, hoje extintos, tinham 7,5 toneladas).
Mas em locais como as ilhas Maurício, no oceano Índico, com o sumiço das tartarugas-gigantes que chegavam a 100 kg, restou um morcego de pouco mais de meio quilo — uma redução que, em termos relativos, é muito mais brutal, e provavelmente tem efeitos bem mais sérios na maneira como o ecossistema das ilhas funciona.
E aí é que entra a importância da proposta dos pesquisadores para a conservação ambiental. Seja em ilhas, seja no continente, salvar a pele dos membros da megafauna, ou mesmo da mesofauna — bichos menores que ainda conseguem ter um impacto ambiental similar ao da megafauna –, é imperativo se a humanidade quiser garantir a saúde dos ecossistemas do futuro.
Se as antas — e todos os demais frugívoros ameaçados de extinção no Brasil — desaparecessem do mapa, o maior frugívoro que sobraria seria uma espécie de bugio, com apenas 9 kg, ou seja, 700 vezes menor do que os membros originais da megafauna sul-americana. Inúmeras plantas provavelmente sumiriam caso isso acontecesse mesmo.
Diante da importância da megafauna, há quem fale até em reintroduzir “similares” das espécies desaparecidas — coisas como trazer elefantes para o cerrado, por exemplo.
“É claro que isso é superpolêmico e precisa ser feito com muito cuidado, após muitos estudos, mas não é absurdo em princípio”, diz Galetti.
Tartarugas-gigantes estão sendo reintroduzidas em ilhas perto das Maurício. E, no Pantanal, onde o porco doméstico se tornou selvagem de novo e virou o chamado porco-monteiro, a situação até que não é ruim.
“Parece que o porco achou um nicho ecológico vago por lá”, afirma Galetti. “A presença dele tira a pressão de caça das espécies nativas, e ele é um dispersor de sementes mais eficaz que as próprias antas.”
(G1, 3/4)
Mauro Galetti (Unesp) e Dennis Hansen (Stanford) defendem em artigo na Science a revisão do conceito de megafauna e descrevem a importância dos grandes vertebrados na dispersão de sementes e na conservação da biodiversidade
Heitor Shimizu escreve para a “Agência Fapesp”:
Pequenos para uns, grandes para outros. Um artigo publicado na edição desta sexta-feira, dia 3, da revista Science propõe uma revisão do conceito de megafauna, por entender que muitas vezes o “mega” não é tão grande assim.
O termo megafauna designa os grandes vertebrados terrestres – a maioria dos quais desapareceu há mais de 10 mil anos – que têm papel fundamental na dinâmica dos ecossistemas. O novo estudo defende que o conceito não deveria se limitar ao tamanho absoluto, mas variar de acordo com o contexto.
Pela definição clássica, megafauna se refere a mamíferos continentais com peso entre 44 e 1.000 quilos. Mas para Mauro Galetti, professor do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp), e Dennis Hansen, do Departamento de Biologia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, o impacto de um vertebrado em um determinado ecossistema depende do cenário em questão. Um animal que seria pequeno em um local pode ser o maior exemplar em outro. “A mesofauna de um ecossistema é a megafauna em outra”, apontam.
O artigo foi escrito enquanto Galetti fez pós-doutorado em Stanford, de onde retornou este mês, no qual teve bolsa da Fapesp na modalidade Novas Fronteiras (http://www.fapesp.br/novasfronteiras), que desde 2006 apoia a realização de estágios de longa duração em centros de excelência no exterior, em áreas de pesquisa ainda não bem implantadas no Estado de São Paulo.
Galetti e Hansen examinaram três tipos de ecossistemas – continentais, ilhas continentais e ilhas oceânicas – e compararam os pesos dos maiores vertebrados dispersores de sementes existentes atualmente com os maiores que foram extintos desde o fim do Pleistoceno (que se estendeu de 1,8 milhão a 10 mil anos atrás), quando ocorreu a última glaciação.
Segundo eles, um detalhe do ecossistema que ilustra claramente o argumento que defendem é a dispersão de sementes promovida por animais frugívoros. Quanto maior o animal, maior as frutas que ele consome – e cujas sementes ele dispersa.
“Com o desaparecimento de grandes vertebrados, como o gonfotério ou a preguiça-gigante na América do Sul, diversas espécies de plantas frutíferas perderam seus dispersores primários. É o caso de frutos como pequi e jatobá, que hoje contam apenas com dispersores secundários, como a cotia”, disse Galetti à “Agência Fapesp”. Gonfotérios eram mastodontes que viveram nas Américas e lembram o elefante atual.
Galetti pesquisa há cerca de 20 anos o efeito da fragmentação ou defaunação (perda de mamíferos e aves devido à caça) na predação e dispersão de sementes e herbivoria, especialmente na Mata Atlântica e Pantanal.
No ano passado, publicou artigo na PloS One, junto com dois colegas, no qual introduziram uma definição operacional para frutas consumidas pela megafauna e destacaram o impacto em ecossistemas da extinção dos grandes vertebrados, como na diminuição das distâncias em que sementes são dispersadas e na consequente limitação na variabilidade genética e na composição de espécies.
“O impacto da extinção dos grandes vertebrados é imenso. Os maiores frugívoros na América do Sul, por exemplo, como a preguiça-gigante, só ao andar já dispersavam sementes. Além disso, eles consumiam muita biomassa, controlavam muitas plantas. Pisando ou dispersando, tinham um impacto muito grande na diversidade da floresta. Eram importantes controladores da biodiversidade”, explicou Galetti.
Tal importância nos ecossistemas pode ser aplicada nos dias atuais para os exemplares remanescentes da megafauna, muitos dos quais correm risco de extinção, principalmente por conta da ação do homem.
“Impactos antropogênicos deverão causar novas extinções entre os grandes vertebrados, com consequências dramáticas para as dinâmicas dos ecossistemas. Se todos os vertebrados frugívoros ameaçados forem extintos, o encolhimento ecológico relativo em muitos ecossistemas continentais equivalerá ao encontrado em ilhas”, descreveram os autores.
Sobreviventes
Os pesquisadores verificaram que as massas corporais dos vertebrados nos continentes atualmente são dez vezes menores, em média, do que as de seus predecessores extintos. Nas ilhas, as massas dos maiores vertebrados dispersores de sementes atuais são de cem a quase mil vezes menores.
Os maiores frugívoros na América do Sul eram os gonfotérios (7.580 quilos), enquanto que o maior frugívoro vivo é a anta (300 quilos). Na ilha continental de Madagascar, o papel de maior frugívoro passou da ave-elefante (450 quilos) para a tartaruga rajada (10 quilos). Na ilha Maurício, a queda foi de 100 quilos (tartarugas-gigantes) para cerca de 500 gramas (morcego).
“A perda dos gigantes das ilhas – tartarugas, lagartos e aves que não voavam, como o dodo – levou, em termos relativos, a uma diminuição na megafauna maior do que a extinção dos maiores gonfotérios na América do Sul”, ressaltaram os autores.
Um exemplo da dimensão do problema da defaunação, segundo eles, é que, se todos os vertebrados frugívoros em risco de extinção na América do Sul desaparecessem, o maior remanescente seria o bugio (ou macaco-uivador), que tem cerca de 9 quilos.
Ou seja, em 20 mil anos o maior dispersador de sementes teria passado de um animal de 7 toneladas (gonfotério) para a atual anta (300 quilos), até chegar ao bugio. No fim das contas, uma queda de quase mil vezes em massa.
Mas, apesar de muitas vezes pequenos, os vertebrados frugívoros que sobreviveram ainda fazem o papel de megafauna em seus ecossistemas. E não têm substitutos. Segundo os pesquisadores, o papel que realizam na dispersão de sementes não será preenchido pelos frugívoros que sobreviverem, por conta de esses serem muito pequenos.
“Quando um grande frugívoro desaparece, não entra ninguém em seu lugar. Ao perder seus dispersores, as plantas passam a ser dominadas por outras espécies”, disse Galetti.
Para Galetti e Hansen, uma ampliação do conceito de megafauna deverá ajudar a relacionar mais eficientemente pesquisas com iniciativas de conservação, à medida que esses grandes (em impacto e não necessariamente em peso) animais continuarem a desaparecer na Terra.
O artigo The Forgotten Megafauna, de Dennis Hansen e Mauro Galetti, pode ser lido por assinantes da Science em http://www.sciencemag.org.
(Agência Fapesp, 6/4)
Autômato feito no Reino Unido desvenda sozinho funções de genes em levedura; cientistas humanos validaram pesquisa. Objetivo não é substituir graduandos em tarefas chatas em laboratório, mas acelerar o desenvolvimento de medicamentos no futuro
Rafael Garcia escreve para a “Folha de SP”:
À primeira vista, ele se parece mais com uma máquina de fotocópia do que com um robô de filme de ficção científica. O autômato, porém, é o primeiro robô-cientista capaz de fazer novas descobertas, afirmam os seus criadores.
Batizado Adam (Adão, em inglês), ele conseguiu elucidar o papel de alguns genes do processamento de energia biológica de micróbios, e o resultado de seu primeiro estudo foi comprovado por cientistas humanos.
Adam não é o tipo de cientista que seria cotado ao Prêmio Nobel. Sua principal habilidade é realizar experimentos moleculares com uma paciência e uma perseverança que nem o mais aplicado dos estudantes de biologia teria.
Amanda Clare, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Aberystwyth (Inglaterra), uma das criadoras do robô, explica que ele está mesmo mais para um técnico aplicado que para um gênio criador.
“Ele conduz muito do trabalho monótono de nível baixo”, disse à Folha. “Nesses experimentos, é preciso fazer uma leitura de placas [com informações sobre DNA] a cada 20 minutos, noite e dia, sem parar, coisa da qual os graduandos não gostam muito.”
Basicamente, o novo robô parte de hipóteses sobre a estrutura das moléculas que vai estudar e realiza experimentos com reações químicas para testá-las.
Surpreendentemente, consegue adivinhar também como prosseguir com o experimento caso o teste dê certo ou errado. É uma rotina semelhante à de biólogos que tentam entender o funcionamento de vários genes de uma vez para testar novos medicamentos.
O que Adam descobriu agora foi o papel de alguns genes do metabolismo de leveduras usadas para fermentar pão. Algo trivial para um biólogo molecular. Clare reconhece que dificilmente essa descoberta estaria descrita em estudo na edição de hoje da prestigiada revista “Science” se ela não tivesse sido feita por um autômato.
Adam é uma versão aprimorada de outro robô, projetado por Ross King, líder do grupo de Clare, em 2004. Esta foi a primeira vez, porém, que um autômato descobriu algo que cientistas ainda não sabiam.
Marcelo Nóbrega, geneticista da Universidade de Chicago, leu o trabalho de King e Clare, mas não pareceu se impressionar com a inteligência de Adam.
“Nas coordenadas que foram dadas à maquina, já de cara estava toda a instrução das vias metabólicas e suas conexões”, diz. “Mas isso não é para dizer que é algo imprestável. Alguém teria de fazer esses experimentos, e nem a paciência de um exército de monges tibetanos seria suficiente.”
E não é só no campo da biologia que robôs ameaçam o emprego dos graduandos ao assumirem tarefas chatas em laboratórios. Outro estudo hoje na “Science”, de físicos da Universidade Cornell (EUA), mostra um autômato que elaborou equações para descrever o comportamento de um pêndulo articulado, um problema matemático complexo. Tudo com base na observação da geringonça balançando.
Clare tranquiliza os estudantes. “Graduandos não têm nos seus cérebros toda a maciça informação sobre genômica gerada hoje”, diz. “Mas eles têm algo que os computadores não têm: o entendimento de biologia básica. Essa informação ainda não é possível codificar em computadores.”
(Folha de SP, 3/4)