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8º Informativo – Amazonas, clima, Darwin e Lamarck

 

 

1 – Projeto rede de conservação da Amazonas: vagas para profissionais

2 – O buraco perfeito

3 – EUA aprovam primeira droga feita com animal transgênico

4 – Espécies ameaçadas e áreas críticas para conservação no Pará em debate

5 – Caos climático tende a piorar no futuro

6 – Darwin 200 anos depois

7 – O abolicionista Darwin

8 – Lamarck vive

9 – Clima tórrido, serpente gigante

10 – Água mais ácida confunde peixe

11 – Bactéria social

 

 

 

1 – Projeto rede de conservação da Amazonas: vapas para profissionais

O Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC) da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (SDS) através de parcerias firmadas junto à Fundação Moore e Fundação Djalma Batista, está à procura de 03 (três) profissionais, conforme segue abaixo.

A. Descrição do Programa:

A conservação da biodiversidade é um componente estratégico do Programa Zona Franca Verde, que define as principais diretrizes da política do Governo Eduardo Braga para o desenvolvimento sustentável no Estado do Amazonas. Este governo, por meio do CEUC/SDS e suas instituições vinculadas expandiram em aproximadamente 10 milhões de hectares a área legalmente protegida do Amazonas na forma de unidades de conservação (UC) de uso sustentável e de proteção integral. Hoje existem 35 unidades de conservação estaduais, cobrindo áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade distribuídas em mais de dezesseis milhões de hectares. A criação dessas áreas foi feita a partir de estudos de campo e consultas públicas, que objetivaram identificar a categoria de UC mais apropriada para cada contexto socioambiental e fundiário.

Com vistas ao estabelecimento de critérios e normas para criação, implementação e gestão dessas áreas, o Governo do Estado do Amazonas instituiu em junho de 2007, a Lei (n°58) do SEUC (Sistema Estadual de Unidades de Conservação), pioneira no âmbito legislativo entre os Estados da Amazônia Legal. Estruturalmente, a Lei do SEUC criou o Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), destinado ao estabelecimento de políticas e programas de gestão das UC, e que por sua vez executa suas atividades através de cinco Departamentos: Pesquisas e Monitoramento Ambiental, Proteção, Manejo e Geração de Renda, Populações Tradicionais e, Infra-estrutura e Logística. A execução de tal política acontece através do Programa “Criação e Implementação de Unidades de Conservação”, que busca através de parcerias institucionais apoio financeiro para implementação básica (pessoal de apoio, ações de educação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável) e/ou execução da co-gestão destas unidades, constituindo a Rede de Conservação do Amazonas.

Os profissionais selecionados nesta chamada deverão atuar junto ao Departamento de Pesquisas e Monitoramento Ambiental (DPMA/CEUC/SDS), devendo trabalhar sob direcionamento de seu Coordenador/Chefe e orientação dos respectivos supervisores de área temática. O contrato será de três de meses de período de experiência, podendo ser renovado anualmente até 2010. A modalidade de contratação se dará na forma de bolsa.

B. Demandas:
ÁREA 1. CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Qualificação: Nível Superior nas áreas de Ciências Biológicas, Ecologia, Engenharia Florestal, Ambiental ou de Pesca e áreas afins, podendo ser Graduado, com Mestrado ou Mestrando, neste último caso, desde que prestes a conclusão da dissertação.

Requisitos: 1) Experiência comprovada na elaboração de projetos, relatórios técnicos e resumos executivos; 2) Leitura (obrigatório) e escrita (desejável) em inglês e; 3) Cartografia básica, GPS e uso dos softwares Word, Excel, PowerPoint e Google Earth (obrigatório, eliminatório) e noções de Access, Corel Draw e Arcview GIS (desejável não eliminatório).
Pré-Requisitos: disponibilidade para viagens com duração entre 7 a 20 dias.

– Linha 1.1: Profissional para apoio na implementação do Programa de Monitoramento da Biodiversidade e Uso de Recursos Naturais (ProBUC) = 01 vaga
– Experiência comprovada:
o Levantamentos, inventários, atividades de manejo e/ou conservação de fauna e/ou flora;
o Atuação em projetos e/ou programas de pesquisa com coleta de dados em campo;
o Prática no planejamento e organização logística de expedições de campo;
o Capacidade de interagir com populações tradicionais;
o Execução de atividades de ensino, extensão e/ou treinamento;
o Envolvimento em atividades multidisciplinares;
o Aptidão para trabalho de campo em áreas distantes e/ou isoladas de sedes municipais.
– Linha 1.2: Profissional para apoio na consolidação do Programa de Monitoramento da Biodiversidade e Uso de Recursos Naturais (ProBUC) – Modalidade Pesca = 01 vaga
– Experiência comprovada:
o Atuação em projetos e/ou programas de pesquisa na área de conservação e monitoramento pesqueiro;
o Prática no planejamento e organização logística de trabalhos;
o Capacidade de interagir com populações tradicionais, pesquisadores e técnicos de áreas afins;
o Participação em grupos de trabalho envolvidos em programas de pesquisa a médio e a longo prazo;
o Aptidão para trabalho de campo em áreas distantes e/ou isoladas de sedes municipais;
o Habilidade para interlocução com instituições locais e regionais parceiras;
o Qualidade na estruturação e organização de textos para fins de publicidade;

– Linha 1.3: Profissional para apoio na consolidação do Programa de Monitoramento da Biodiversidade e Uso de Recursos Naturais (ProBUC) – Modalidade Quelônios Aquáticos = 01 vaga
– Experiência comprovada:
o atuação em projetos e/ou programas de pesquisa na área de conservação e monitoramento de quelônios;
o prática no planejamento e organização logística de trabalhos;
o capacidade de interagir com populações tradicionais, pesquisadores e técnicos de áreas afins;
o participação em grupos de trabalho envolvidos em programas de pesquisa a médio-longo prazo;
o aptidão para trabalho de campo em áreas distantes e/ou isoladas de sedes municipais;
o habilidade para interlocução com instituições locais e regionais parceiras;
o qualidade na estruturação e organização de textos para fins de publicidade;

C. Documentação, informações solicitadas, análise e seleção:
Fase 1: Envio de material comprobatório
Currículo resumido (máximo duas páginas): sugerimos citar projetos, programas, publicações, prêmios, bolsas, experiência acadêmica/profissional/consultorias; caráter eliminatório.
Carta de apresentação (máximo de uma página): sugerimos considerações sobre suas experiências compatíveis com o perfil para vaga desejada e sobre expectativas profissionais; caráter eliminatório; é necessário apresentação de pretensão salarial e indicação/contato de dois profissionais Senior adequados para fornecer referências sobre o candidato.

Fase 2: Entrevista
Os candidatos que tenham seus currículos selecionados serão convidados para entrevistas no Centro Estadual de Unidades de Conservação para os que estejam em Manaus e por telefone para candidatos que porventura residam fora deste município.

Interessados devem enviar os documentos solicitados em formato digital (extensão doc ou pdf) até o dia 15/02/2009, para a Dra Maria Clara Forsberg, aos cuidados de Iuri Assunção (iuri26@gmail.com).

O título da mensagem deve seguir com informações sobre a vaga pretendida, seguindo o seguinte modelo: “seleçãoSDS09:A1L1.2”, para os que pretendem concorrer na Área 1 (linha 1.2), por exemplo. O início das atividades está previsto para o início do mês de março.

Secretaria de Estado do Meio Ambiente de Desenvolvimento Sustentável – SDS, Centro Estadual de Unidades de Conservação – CEUC. Tel/Fax: (92) 3236-3070 – Fax: (92) 3642-4607 Rua Recife, 3280 – Parque 10 de novembro, CEP: 69.050-030. Manaus – AM.

2 – O buraco perfeito

Ignace Ramonet, diretor do Lê Monde Diplomatique e um dos agudos analistas da situação mundial chamou a atual crise econômico-financeira de a crise perfeita. Putin, em Davos, a chamou de a tempestade pefeita. Eu, de minha parte, a chamaria de o buraco perfeito. O grupo que compõe a Iniciativa Carta da Terra (M. Gorbachev, S. Rockfeller, M.Strong e eu mesmo, entre outros) há anos advertia: não podemos continuar pelo caminho já andado, por mais plano que se apresente, pois lá na frente ele encontra um buraco abissal. Como um ritornello o repetia também o Fórum Social Mundial, desde a sua primeira edição em Porto Alegre em 2001. Pois chegou o momento em que o buraco apareceu. Lá para dentro caíram grandes bancos, tradicionais fábricas, imensas corporações transnacionais e US$50 trilhões de fortunas pessoais se uniram ao pó do fundo do buraco. Stephen Roach, do banco Morgan Stanley, também afetado, confessou: Errou Wall Street. Erraram os reguladores. Erraram as Agências de Avaliação de risco. Erramos todos nós. Mas não teve a humildade de reconhecer: Acertou o Fórum Social Mundial. Acertaram os ambientalistas. Acertaram grandes nomes do pensamento ecológico como J. Lovelock, E. Wilson e E. Morin.

Em outras palavras, os que se imaginavam senhores do mundo a ponto de alguns deles decretarem o fim da história, que sustentavam a impossibilidade de qualquer alternativa e que em seus concílios ecumênicos-econômicos promulgaram dogmas da perfeita autoregulação dos mercados e da única via, aquela do capitalismo globalizado, agora perderam todo o seu latim. Andam confusos e perplexos como um bêbado em beco escuro. O Fórum Social Mundial, sem orgulho, mas sinceramente pode dizer: nosso diagnóstico estava correto. Não temos a alternativa ainda, mas uma certeza se impõe: este tipo de mundo não tem mais condições de continuar e de projetar um futuro de inclusão e de esperança para a humanidade e para toda a comunidade de vida. Se prosseguir, ele pode pôr fim a vida humana e ferir gravemente a Pacha Mama, a Mãe Terra.

Seus ideólogos talvez não creiam mais em dogmas e se contentem ainda com o catecismo neoliberal. Mas procuram um bode expiatório. Dizem: Não é o capitalismo em si que está em crise. É o capitalismo de viés norte-americano que gasta um dinheiro que não tem em coisas que o povo não precisa. Um de seus sacerdotes, Ken Rosen, da Universidade de Berkeley, pelo menos, reconheceu: O modelo dos Estados Unidos está errado. Se o mundo todo utilizasse o mesmo modelo, nós não existiríamos mais.

Há aqui palmar engano. A razão da crise não está apenas no capitalismo norte-americano como se outro capitalismo fosse o correto e humano. A razão está na lógica mesma do capitalismo. Já foi reconhecido por políticos como J. Chirac e por uma gama considerável de cientistas que se os paises opulentos, situados no Norte, quisessem generalizar seu bem estar para toda a humanidade, precisaria pelo menos de três Terras iguais a atual. O capitalismo em sua natureza é voraz, acumulador, depredador da natureza, criador de desigualdades e sem sentido de solidariedade para com as gerações atuais e muito menos para com as futuras. Não se tira a ferocidade do lobo fazendo-lhe alguns afagos ou limando-lhes os dentes. Ele é feroz por natureza. Assim o capitalismo, pouco importa o lugar de sua realização, se nos EUA, na Europa, no Japão ou mesmo no Brasil, coisifica todas as coisas, a Terra, a natureza, os seres vivos e também os humanos. Tudo está no mercado e de tudo se pode fazer negócio. Esse modo de habitar o mundo regido apenas pela razão utilitarista e egocêntrica cavou o buraco perfeito. E nele caiu.

A questão não é econômica. É moral e espiritual. Só sairemos a partir de uma outra relação para com a natureza, sentindo-nos parte dela e vivendo a inteligência do coração que nos faz amar e respeitar a vida e a cada ser. Caso contrário continuará no buraco a que o capitalismo nos jogou.

Fonte: Leonardo Boff, Portal do Meio Ambiente de 4/1/2009

3 – EUA aprovam primeira droga feita com animal transgênico

Prescrição do fármaco é destinada a portadores de uma doença genética conhecida como deficiência hereditária de antitrombina

Autoridades sanitárias do governo dos EUA aprovaram ontem para comercialização pela primeira vez um medicamento produzido com o uso de animais geneticamente modificados.

A droga, licenciada sob o nome o Atryn, é uma terapia para prevenção de coágulos que tem como princípio ativo uma proteína produzida por cabras com DNA alterado. A prescrição do fármaco é destinada a portadores de uma doença genética conhecida como deficiência hereditária de antitrombina.

A empresa GTC Biotherapeutics, que desenvolveu a droga, diz ainda não ter um estimativa precisa do tamanho do mercado para o medicamento. Executivos acreditam que a doença atinja entre 60 mil e 600 mil pessoas nos EUA.

O Atryn, na verdade, servirá apenas para uso em situações de cirurgia dos portadores da doença. A GTC ainda busca no FDA (agência de vigilância sanitária americana) a aprovação para uso mais geral. (Da Reuters)
(Folha de SP, 7/2)

4 – Espécies ameaçadas e áreas críticas para conservação no Pará em debate

Seminário reúne pesquisadores para discutir propostas de ações visando definir áreas críticas para a biodiversidade no Estado do Pará com base nas espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção

A primeira lista vermelha da região amazônica, preparada em cooperação pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e Conservação Internacional (CI), identificou um total de 181 espécies ameaçadas, incluídas nas categorias criticamente em perigo (13 espécies), em perigo (47) e vulneráveis (121). Na ocasião da apresentação da Lista, em fevereiro de 2008, o governo paraense lançava também o Programa Extinção Zero, uma inovação na gestão ambiental.

Objetivando subsidiar o Programa Extinção Zero, o Museu Goeldi, em nova parceria com a Conservação Internacional, promove entre os dias 9 e 11 de fevereiro, no Auditório Paulo Cavalcante, localizado no campus de Pesquisa do Museu Goeldi, o seminário “Espécies Ameaçadas e Áreas Críticas para a Biodiversidade no Estado do Pará”. Será uma reunião de trabalho com o objetivo de analisar os dados reunidos e debater estratégias para a identificação de áreas críticas para a biodiversidade no estado.

Em 2008 pesquisadores do Museu Goeldi fizeram um refinamento nas informações das espécies ameaçadas no Pará, geraram modelos de distribuição para as espécies mais abundantes, procederam a uma análise de lacunas e, por fim, propuseram uma estratégia para definir áreas-chave para conservação da biodiversidade que deverá ser discutida no seminário.

Durante o seminário, 35 especialistas de 18 instituições vão tentar avaliar as informações reunidas e responder questões específicas relativas aos grupos de Botânica, Invertebrados, Peixes, Répteis, Anfíbios, Aves, Mamíferos, e de Estratégias de Conservação.

Mais informações sobre o evento pelo fone (91) 3219-3312 ou site: http://www.museu-goeldi.br
(Informações da Assessoria de Comunicação do Museu Goeldi)

5 – Caos climático tende a piorar no futuro

Eventos como supernevasca na Inglaterra e calor intenso na Austrália serão mais freqüentes com aquecimento global. Alteração causada pelo aumento do efeito-estufa não é a causa direta dos extremos meteorológicos, mas favorece instabilidade

Claudio Angelo escreve para a “Folha de SP”:

A nevasca sem paralelo nos últimos 18 anos que mergulhou o Reino Unido no caos na última semana tem a mesma origem das chuvas que causaram a tragédia em Santa Catarina e da onda de calor que sufoca os australianos. E, embora não seja possível pôr a culpa no aquecimento global, instabilidades desse tipo tendem a ficar mais frequentes no futuro.

Previsto para ser um dos cinco anos mais quentes já registrados, 2009 começou gelado para os europeus e boa parte dos norte-americanos.

“O frio foi excepcional. Temperaturas negativas por vários dias seguidos são incomuns em Paris”, disse o músico brasileiro Guilherme Carvalho, que mora há oito anos na capital francesa. “No canal de La Villette, vi uma placa: “Perigo -não ande no gelo”, coisa que nunca tinha visto antes.”

“Estamos há uma semana sem energia aqui e com temperaturas abaixo de zero. Há muita gente desabrigada”, escreveu de Louisville (Kentucky, EUA) o linguista Daniel Everett. O Estado registrou 27 mortes pela nevasca e foi decretado área de calamidade pública pelo presidente Barack Obama.

O frio levou comentaristas da direita americana ao inevitável questionamento do aquecimento global. Afinal, se o mundo está esquentando, por que o inverno setentrional de 2009 chegou dessa forma?

Nada com o que se espantar, dizem os meteorologistas. Na média, 2009 ainda deve ser quente. “O ano ainda não acabou”, diz José Marengo, do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Segundo Pedro Leite da Silva Dias, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica, os extremos do final de 2008 e do começo deste ano podem ser explicados por duas causas imediatas.

A primeira é o fenômeno La Niña, nome dado ao resfriamento anormal das águas do oceano Pacífico. Como sua cara-metade, o El Niño, (o aquecimento anormal do Pacífico), o La Niña é sazonal e, quando se instala, é uma das forças dominantes nas condições climáticas do planeta. Há um La Niña instalado desde 2008, e ele não deve sumir antes de abril.

Pedra na água

A outra causa são chuvas intensas sobre a região da Indonésia desde o fim de 2008. “Onde chove, ocorre liberação de muita energia para a atmosfera, como se fosse jogada uma pedra na água”, afirma Dias. “A energia é propagada na atmosfera, como ondas na água, e forma padrões de ondas que atingem zonas remotas.”

Parte dessas ondas se propaga pelo hemisfério Norte, da América para a Europa. Parte se dissemina pelo hemisfério Sul. “Portanto, as anomalias na Austrália e as anomalias na América do Sul, como as chuvas de novembro em Santa Catarina e depois em Minas, Rio e Espírito Santo, estão todas correlacionadas”, afirma o cientista.

A relação disso tudo com o aquecimento global é mais sutil. Segundo Michel Jarraud, da Organização Meteorológica Mundial, as pessoas tendem a confundir tempo (condições específicas da atmosfera num dado momento) e clima (condições gerais, no longo prazo).

“Todo ano você tem padrões excepcionais de tempo e lugares onde recordes são quebrados”, disse Jarraud numa entrevista coletiva no fim do ano passado. “Se você tem ar mais frio em algum lugar, você tem de ter ar mais quente em algum outro lugar. A temperatura média da Terra é a mesma.”

O aquecimento global não significa que não haverá mais invernos frios, mas sim que eles serão menos frequentes. “Não é algo que você espera que seja mais quente e mais quente”, afirma Marengo, do Inpe. O que existe é uma elevação contínua da temperatura média.

Marengo lembra ainda que o aquecimento global é composto por dois tipos de influência, ou “sinal”: as antropogênicas, ou seja, causadas por atividades humanas, e as naturais. Há um cabo-de-guerra entre ambas.

“Nos dois últimos anos, tivemos temperaturas mais baixas do que no final do século 20. Pode ser que a variabilidade normal do clima esteja mais forte que o sinal antropogênico agora, mas no longo prazo o sinal dos gases-estufa é mais forte”, diz o climatologista.
(Folha de SP, 8/2)

6 – Darwin 200 anos depois

A teoria da evolução por seleção natural é hoje um pilar central das ciências biológicas, tão indispensável para explicar o desenvolvimento de uma joaninha quanto a resistência de bactérias a antibióticos ou a resposta de uma floresta ao efeitos do aquecimento global

Herton Escobar escreve para “O Estado de SP”:

“No futuro distante, vejo campos abertos para pesquisas muito mais importantes. A psicologia será baseada num novo fundamento, baseado na necessária aquisição de cada poder e capacidade mental via gradação. Luz será lançada sobre a origem do homem e sua história.”
Charles Darwin, em A Origem das Espécies, 1859

Na semana em que Charles Darwin completaria 200 anos, a atual crise financeira-econômica mundial oferece um cenário ideal para estudar o legado do grande naturalista. Assim como o asteroide que caiu sobre a Terra há 65 milhões de anos alterou radicalmente o clima do planeta, levando os dinossauros à extinção e permitindo a ascensão dos mamíferos (até então pequenos animais noturnos que viviam à sombra dos grandes répteis), o colapso de Wall Street detonou uma sequência de eventos que alteram profundamente o ambiente econômico mundial.

Empresas, bancos e modelos de negócios que não conseguirem se adaptar às novas condições correm o risco de desaparecer da face da Terra, tal qual os dinossauros. Alguns gigantes do setor financeiro já foram extintos. Novos negócios sustentáveis, antes sufocados pelo ambiente especulativo e de consumo desenfreado, agora têm uma chance para florescer, tal qual os pequenos mamíferos do cretáceo.

Esse é o princípio da evolução por seleção natural, descoberto por Darwin em meados do século 19, após sua viagem de volta ao mundo a bordo do H.M.S. Beagle e publicado em 1859, no livro A Origem das Espécies – para muitos, a obra mais importante da história da ciência.

Darwin enxergou algo fundamental e revolucionário sobre o funcionamento da natureza: um mecanismo pelo qual espécies podem evoluir, diferenciar-se e originar novas espécies por meio de forças exclusivamente biológicas, sem necessidade de intervenção divina ou atos sobrenaturais. Um mecanismo tão poderoso que, como Darwin bem previu, abriu caminho para novos – e polêmicos – campos de estudo a respeito da existência humana.

Que o homem evoluiu de um ancestral comum com os primatas já é uma certeza científica universal, confirmada por um batalhão de informações genéticas produzidas desde a descoberta do DNA.

Mas será que a espécie humana ainda está evoluindo? E até que ponto a seleção natural poderia explicar não apenas a evolução de características físicas do ser humano, como a postura ereta e o cérebro grande, mas também de características comportamentais, como o altruísmo, o egoísmo, o racismo ou uma propensão à infidelidade conjugal? Essas são algumas das perguntas darwinianas com as quais cientistas e filósofos de um “futuro distante” se digladiam no presente.

Base científica

O primeiro passo de Darwin para chegar a sua teoria foi perceber que todos os indivíduos – inclusive os membros de uma mesma espécie – são anatomicamente e fisiologicamente diferentes entre si. Alguns nascem com pernas um pouco mais longas, com a visão um pouco mais aguçada, com antenas mais sensíveis ou com a capacidade de digerir alimentos melhor do que seus pais e irmãos.

Se alguma dessas características calha de ser vantajosa no ambiente em que aquele organismo vive – por exemplo, a capacidade de viver mais tempo sem água em um ecossistema árido ou uma coloração de asa que se camufla melhor com a cor da casca de uma árvore -, esse indivíduo terá melhores chances de sobreviver e, consequentemente, de deixar descendentes com características genéticas iguais às dele para compor as geração futuras (chamada seleção positiva). Já os indivíduos menos adaptados sofrem o efeito contrário: em média, vivem menos e deixam menos descendentes (seleção negativa).

Deixe a seleção natural agir por tempo suficiente e as variedades menos aptas tenderão a desaparecer da população, substituídas pelos descendentes das variedades mais bem adaptadas. É o que Darwin chamou de “luta pela sobrevivência”, mas que ficou conhecido pelo apelativo (e enganoso) título de “a lei do mais forte”. Novas espécies surgem quando uma variedade se separa da população original e segue um caminho evolutivo diferente, tal como as linhagens do homem e do chimpanzé divergiram de um ancestral comum.

Quando as condições ambientais mudam, as espécies precisam mudar também. Características que eram benéficas ou irrelevantes podem se tornar deletérias e vice-versa. É um processo contínuo, porém lento e gradual, que pode levar de algumas dezenas a muitos milhões de anos, e por isso é tão difícil de ser observado diretamente. Em um evento extremo, como a queda de um asteroide ou a explosão de uma crise financeira global, porém, a seleção atua de maneira óbvia e implacável. No lugar de um bando de répteis gigantes, pode-se acabar com um bando de mamíferos pequenos e peludos.

Universalidade

Por mais polêmica que ainda seja do ponto de vista religioso, a teoria da evolução por seleção natural é hoje um pilar central das ciências biológicas, tão indispensável para explicar o desenvolvimento de uma joaninha quanto a resistência de bactérias a antibióticos ou a resposta de uma floresta ao efeitos do aquecimento global. Como disse o geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky, em 1973: “Nada na biologia faz sentido, a não ser sob a luz da evolução.”

“O que está implícito nessa frase é que a biologia só se consolidou como ciência após a teoria da evolução”, diz o biólogo Diogo Meyer, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. “Antes havia apenas o estudo dos seres vivos; não havia uma teoria que integrasse tudo numa ciência comum. Hoje sabemos que os processos que moldam o genoma de uma bactéria e de um elefante são parte da mesma família.”

A analogia sobre a crise financeira serve para mostrar que as teorias de Darwin – agrupadas no que se convencionou chamar de “darwinismo” – foram mais longe ainda: extrapolaram os limites da biologia e colonizaram outras áreas da ciência, influenciando várias esferas do pensamento humano.

Mais até do que uma analogia, a evolução por seleção natural é um elemento crucial da teoria econômica moderna, segundo o economista José Eli da Veiga. “A ideia é que qualquer sistema evolutivo obedece às leis do darwinismo. E a economia é certamente um sistema evolutivo”, afirma Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. “Um economista que não entende Darwin é um economista totalmente ultrapassado.”

Visto por uma ótica puramente evolucionista, vale a pena perguntar: ao financiar a salvação de empresas que, de outra forma, iriam à falência, estariam os governos indo contra a seleção natural? Vale a pena salvar os dinossauros?

“Darwin fez uma teoria biológica, mas construiu uma linha de raciocínio tão abstrata que acabou transcendendo a biologia”, diz o pesquisador Charbel El-Hani, coordenador do Grupo de Pesquisa em História, Filosofia e Ensino de Ciências Biológicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Sociobiologia

No que se aplica à evolução de plantas, besouros, peixes e sabiás, a teoria de Darwin já é ponto pacífico na ciência. É quando se tenta aplicar a seleção natural aos seres humanos que a coisa fica complicada. Darwin desenhou uma árvore da vida na qual o homem é um galho tal como outro qualquer – uma espécie dotada de inteligência superior, porém gerada pelos mesmos mecanismos de diferenciação e seleção que produziram as plantas, besouros, peixes e sabiás.

“Devo inferir por analogia que, provavelmente, todos os seres orgânicos que já viveram nesta Terra descenderam de uma única forma primordial, na qual a vida foi soprada pela primeira vez”, escreveu Darwin, no capítulo final de A Origem das Espécies.

Ele poderia ter deixado o ser humano fora dessa história, mas não deixou. As semelhanças entre os homens e os primatas já eram óbvias demais para serem ignoradas, mesmo no século 19, antes da genômica. A mera sugestão de que o Homo sapiens era uma forma evoluída de macaco e não um ser especial criado por Deus foi suficiente para detonar uma batalha entre ciência e religião que persiste até os dias de hoje. Darwin até tentou ficar de fora dessa briga no início, deixando o tema de fora de A Origem das Espécies (“Luz será lançada sobre a origem do homem e sua história” é a única referência que ele faz à espécie humana no texto). Mais tarde, porém, publicaria um livro específico sobre o assunto, chamado A Origem do Homem e a Seleção Sexual, de 1871.

A versão mais moderna desse debate se dá no campo da “sociobiologia”, uma ciência controversa que busca integrar conceitos biológicos ao estudo do comportamento humano. Umas de suas disciplinas, como previu Darwin, é a chamada “psicologia evolutiva”.

O raciocínio básico da sociobiologia é o de que, se o comportamento dos animais resulta de processos evolutivos, e os seres humanos são animais que evoluíram como todos os outros, então seu comportamento social deve ser, também, influenciado por processos biológicos – e não apenas culturais.

O tema é extremamente polêmico entre biólogos, antropólogos e sociólogos. “Não há nada no ser humano que não seja explicado por leis biológicas”, diz o biólogo Mário de Pinna, vice-diretor do Museu de Zoologia da USP. “A cultura tem origem biológica e, sendo assim, está sujeita também às leis da evolução.” Para ele, o ser humano continua a ser moldado pela seleção natural, tanto culturalmente quanto biologicamente. “Evolução nada mais é do que uma mudança na frequência de genes ou suas combinações ao longo do tempo numa população”, afirma Pinna. “Se você morre sem deixar filhos, geneticamente, é como se você nunca tivesse existido. Isso é seleção.”

O geneticista Sérgio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), discorda. “A evolução humana, do ponto de vista biológico, acabou”, diz. “Temos uma cultura que vai diretamente contra a seleção natural. Temos a medicina: pessoas que deveriam morrer não morrem.” Hoje, segundo Pena, a única seleção relevante é a cultural. “Evoluímos tanto que um dos produtos da nossa própria evolução é uma nova maneira de evoluir”, diz. “Tomamos as rédeas do nosso próprio destino como espécie.”

O dilema, segundo a antropóloga Gláucia Silva, da Universidade Federal Fluminense (UFF), surge de uma separação equivocada entre homem e natureza, enraizada nas culturas ocidentais. “Os seres humanos são radicalmente distintos de todos os outros animais, mas não deixam de ser animais”, afirma ela. A sociobiologia, segundo Gláucia, tem o mérito de tentar reconstruir essa unidade – porém, sem oferecer respostas satisfatórias, reduzindo tudo a uma questão genética. “Os sociobiólogos não sabem nada de antropologia social. Eles têm respostas tão simples que dá vontade de rir.”

Gláucia defende a tese de que a espécie humana continua a evoluir biologicamente – “Basta estar vivo para ser passivo de seleção”, diz ela -, mas que o comportamento social humano não tem nenhuma relação com isso. Nem mesmo o comportamento sexual. “Os seres humanos não têm instinto sexual”, diz a antropóloga. “A regulação da nossa atividade sexual é 100% cultural.”

As discordâncias mostram que a obra de Darwin está longe de virar história e que muitas das questões levantadas por ele continuam tão importantes no século 21 quanto eram no século 19. “É realmente notável que um naturalista daquela época pudesse fazer perguntas que permanecem relevantes tanto tempo depois”, diz o ecólogo Thomas Lewinsohn, da Universidade Estadual de Campinas.

Ele discorda de outros cientistas que prefeririam abandonar o título “teoria” e apresentar a evolução por seleção natural como um “fato” consumado. “Chamar uma teoria de fato é como transformá-la num fóssil”, diz. “A palavra de Darwin não é uma palavra sagrada, que não pode ser questionada. É uma teoria viva, em constante desenvolvimento, que pode e deve ser sempre reexaminada.”

Filho e neto de intelectuais, dedicou a vida à pesquisa

Diz a biologia que as características gerais de um indivíduo são determinadas por uma combinação cumulativa das interações entre seus genes e o ambiente ao qual esses genes são expostos ao longo da vida. A história de Charles Darwin parece encaixar-se perfeitamente nesse roteiro.

Filho e neto de intelectuais da alta classe britânica, ele provavelmente tinha os genes necessários correndo na família para se destacar nas atividades científicas. Seu avô paterno, Erasmus, por exemplo, foi um importante filósofo e botânico que já refletia intensamente sobre a evolução e a origem das espécies no fim do século 18.

Somado a essa base genética, Darwin tinha muitos fatores “ambientais” atuando a seu favor quando elaborou sua teoria. Assim como seu avô, vários cientistas antes dele já estavam pensando e escrevendo sobre a evolução dos seres e do planeta. Havia muitas ideias no ar. O momento era propício para uma revolução científica. “Foi um contexto social que produziu o darwinismo, não foi algo que saiu só da cabeça dele”, diz o biólogo Nelio Bizzo, da Faculdade de Educação da USP. “Darwin viveu num momento histórico que deu a ele os elementos necessários para formular sua teoria”, reforça o físico e historiador Ildeu de Castro Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Por pertencer a uma família rica, Darwin também pode se dar ao “luxo” de trabalhar por anos em sua teoria, sem se preocupar em pagar ou prestar contas a ninguém. Depois que voltou de sua odisseia no Beagle, ele nunca mais deixou a Inglaterra. Passou o resto da vida na sua casa de campo em Kent – a famosa Down House -, dedicando-se exclusivamente a suas pesquisas e sua família (teve dez filhos com sua prima, Emma).

Em momento algum, porém, isolou-se do mundo. Uma das características mais marcantes de Darwin era que ele escrevia cartas diariamente. Trocava correspondências com cientistas ao redor do mundo e estava sempre atualizado sobre descobertas recentes. “Charles Darwin foi um super networker”, diz Bizzo. “Mesmo um cara na internet hoje tem dificuldade para manter a rede de relações que ele mantinha.”

Outro hábito compulsivo de Darwin era não jogar nada fora. Guardava até mesmo os rascunhos de suas cartas e manuscritos – uma dádiva para os historiadores. Tinha uma biblioteca invejável. Lia muito, observava muito e tinha uma curiosidade insaciável pelo mundo natural. Além de A Origem das Espécies, publicou trabalhos marcantes sobre minhocas, flores e cracas (mostrando que elas eram crustáceos, não moluscos).

Para Thomas Lewinsohn, da Unicamp, uma das características mais marcantes de Darwin era sua capacidade de fazer perguntas relevantes, bem formuladas e passíveis de serem respondidas experimentalmente.

“Ele tinha uma capacidade fantástica de generalizar além dos fatos e tirar conclusões, até mesmo com base em evidências parcas”, diz o biólogo e historiador Charbel El-Hani, da Universidade Federal da Bahia.

A viagem de cinco anos no Beagle, que o levou ao redor do mundo, foi crucial para que Darwin elaborasse sua teoria. Mas não foi durante a viagem que ele “descobriu” a seleção natural. As peças só se encaixaram em sua cabeça em 1838, após ler o Ensaio sobre o Princípio das Populações, no qual o economista britânico Thomas Malthus argumentava que o crescimento populacional é limitado pela disponibilidade de comida e outros fatores de pressão, como guerras e doenças.

“Finalmente tenho uma teoria com a qual trabalhar”, registrou Darwin. Ele ainda trabalharia em segredo na teoria por 20 anos, até publicá-la em 1859. Era cuidadoso ao extremo. Pensou nas críticas que seriam feitas e queria ter as respostas prontas antes de apresentá-la. “Para mim ele foi um gênio”, diz o biólogo Mário de Pinna, do Museu de Zoologia da USP.
(O Estado de SP, 8/2)

7 – O abolicionista Darwin

A noção de igualdade estaria por trás da Teoria da Evolução, sustenta novo livro

Roberta Jansen escreve para “O Globo”:

O ponto de partida de Charles Darwin para a Teoria da Evolução – que alteraria para sempre a História ao separar a ciência da religião – seria a sua arraigada crença abolicionista de que todos os seres humanos compartilham a mesma linhagem sanguínea em razão de sua ancestralidade comum.

A ideia de que a postura antiescravagista do cientista estaria na origem da revolucionária teoria é defendida no livro “Darwin’s sacred cause” (ainda sem edição em português), que acaba de ser lançado nos Estados Unidos por dois grandes especialistas e biógrafos de Darwin, Adrian Desmond e James Moore, por ocasião das comemorações dos 200 anos de seu nascimento, no próximo dia 12.

A despeito das errôneas e muitas vezes preconceituosas interpretações criadas pelo chamado darwinismo social (a noção de que a sociedade progride pela sobrevivência do mais forte), Charles Darwin estava longe de ser um racista.

Muito pelo contrário, em vários trechos de seus escritos, muitos deles em sua passagem pelo Brasil, ele condena com veemência a escravidão e fala abertamente sobre a igualdade dos homens. A famosa viagem do Beagle, sustentam os autores, além de fornecer ao cientista uma coleção preciosa de animais extintos e vivos, deu a ele a oportunidade única de ver a escravidão in loco.

A partir dessas observações, os autores invertem a noção tradicionalmente aceita de que Darwin seguiu a trilha da pesquisa empírica até alcançar a sua fundamental teoria – segundo a qual o homem é ligado aos outros animais e descende de um ancestral comum ao dos macacos e que as espécies evoluem a partir de mutações aleatórias e da seleção natural dos mais bem adaptados.

“O ponto de partida de Darwin foi a sua crença abolicionista no parentesco sanguíneo, numa descendência comum” a todos os seres humanos, sustentam os autores.

Ainda que as crenças abolicionistas de Darwin não tenham sido necessariamente o ponto de partida da Teoria da Evolução e de sua principal obra, “A origem das espécies”, especialistas concordam que a sua ideologia liberal permitiu que ele deixasse de lado arraigados preceitos raciais e religiosos para chegar às importantes conclusões a que chegou.

– Sem dúvida ele era um abolicionista arraigado, ele era um inglês do século XIX, escravidão para ele era uma coisa inconcebível. Ele ficou realmente horrorizado no Brasil – afirma Maria Isabel Landim, do Museu de Zoologia da USP, organizadora, ao lado de Cristiano Rangel Moreira, do livro “Charles Darwin -Em um futuro não tão distante” (Instituto Sangari), uma coletânea de artigos sobre o cientista a ser lançado esta semana. – Esse arcabouço liberal permitiu que ele rompesse barreiras ideológicas.

Há raízes familiares para isso. Os dois avós de Darwin, o poeta Erasmus Darwin e o ceramista Josiah Wedgwood participaram ativamente da luta pela abolição da escravidão e do tráfico negreiro. Um camafeu cunhado por Wedgwood mostra um negro acorrentado e ajoelhado sobre a inscrição: “Eu não sou um homem e um irmão?” Mais evolucionista impossível.

– Darwin vivia num meio intelectual, cercado de livres pensadores, entre os quais essas idéias mais humanistas circulavam com facilidade – aponta Ricardo Campos da Paz, professor de evolução da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio), que, no próximo dia 12 dará palestra na Uerj sobre “O homem Charles Darwin”.

– Então acho que havia muitas idéias na cabeça dele, que o direcionaram nesse sentido. Essas idéias humanistas o afastaram do pensamento religioso, por exemplo. Tudo isso permitiu que ele tivesse uma cabeça aberta o suficiente para pensar na teoria.

A crítica à escravidão e, especificamente à elite escravocrata brasileira, é bem forte em seu diário de viagem do Beagle.

– O abolicionismo é um traço forte nele, mesmo antes de qualquer idéia relacionada à seleção natural – aponta o economista Sérgio Besserman, um estudioso de Darwin, que assina um dos artigos do livro “Em um futuro não tão distante”.

– Há trechos fortíssimos do diário, em que ele fala mal da elite escravocrata brasileira e elogia os negros, dizendo que, possivelmente chegarão um dia ao poder, como Obama hoje – diz Besserman.

A crítica à escravidão reaparece, já com forte embasamento científico, na “Origem do homem”, quando – antecipando-se muito às atuais teorias comprovadas pelo estudo do DNA -, Darwin assegura que as diferenças externas entre as raças são muito pouco significativas e sem muita importância ou teriam desaparecido pela seleção natural.
(O Globo, 9/2)

8 – Lamarck vive

Homenagear um cientista é aplicar suas ideias na ciência

Marcelo Leite é autor da coletânea de colunas “Ciência – Use com Cuidado” (Editora da Unicamp, 2008) e do livro de ficção infanto-juvenil “Fogo Verde” (Editora Ática, 2009), sobre biocombustíveis e florestas. Blog: Ciência em Dia (cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br. Artigo publicado na “Folha de SP”:

Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet de Lamarck (1744-1829) figura entre os mais vilipendiados personagens da ciência. Assim como o Salieri de Mozart, na música, o senso comum o trata como uma besta quadrada, eclipsada pela genialidade de Charles Darwin (1809-1882).

Imagine, supor que características adquiridas possam ser transmitidas para a geração seguinte. Parece piada, hoje: girafinhas nascem com o pescoço comprido porque seus pais se esticavam para alcançar as folhas mais altas. É a seleção natural, estúpido!

Na quinta-feira comemora-se o bicentenário do nascimento de Darwin (e de Abraham Lincoln, mas essa é outra história). Com a avalanche editorial que se avizinha, nada melhor do que prestar homenagem ao grande botânico, químico, meteorologista, zoólogo, paleontólogo e geólogo francês que ficou para a posteridade como um evolucionista fracassado.

A homenagem que se pode fazer a um cientista consiste em aplicar suas ideias para fazer a ciência avançar. Larry Feig, da Universidade Tufts de Boston, prestou portanto um grande tributo a Lamarck com seu artigo no periódico “The Journal of Neuroscience” de quarta-feira passada, mostrando que o pensamento de Lamarck está vivo. Em camundongos.

Não é a primeira vez que roedores lhe prestam serviço. Há dez anos, Emma Whitelaw, da Austrália, mostrou que a cor da pelagem de camundongos variava em função de fatores epigenéticos (não genéticos), pois usara animais com DNA idêntico.

Feig fez mais. Provou que o ambiente em que vivem fêmeas na adolescência -duas a quatro semanas após o nascimento, no caso- afeta não só a própria capacidade de formar memórias (aprender), como também a de seus filhotes. Independentemente do ambiente que a prole enfrentar, na adolescência ou em qualquer tempo.

O grupo de Boston estava interessado na persistência de efeitos benéficos da exposição a ambientes enriquecidos. No caso, gaiolas maiores que as convencionais e cheias de brinquedos, como rodinhas para correr. Já se sabia que isso melhora o desempenho dos camundongos em testes padronizados, como labirintos.

O que não se sabia é que favorece também os filhotes das mães estimuladas. Só das mães, não dos pais. E se trata de algo hereditário, pois o benefício não desapareceu quando fetos de mães estimuladas foram gestados por barrigas de aluguel não estimuladas.

A vantagem não se manifestou, além disso, quando filhotes de mães sem gaiola de luxo foram paridos por mães privilegiadas. E ficou restrita à primeira geração, sumindo nas subsequentes. O ambiente rico não pode tudo, mas o estímulo às roedoras, por outro lado, mostrou-se tão robusto que foi capaz até de reverter a “burrice” induzida em camundongos geneticamente modificados para atrapalhar sua formação de memórias.

O pescoço dos camundongos não ficou mais comprido, só a sua “inteligência”. E isso independentemente dos genes do pai ou da mãe. Lamarck puro. Em termos humanos, equivaleria a dizer que a qualidade da educação oferecida a adolescentes do sexo feminino pode ter um peso considerável na capacidade de aprendizado de seus futuros filhos.

Feig evita especular sobre a probabilidade de valer também para humanos essa adaptação que protege contra a privação sensorial. “É possível que seja exclusiva de roedores”, admitiu num e-mail. “Há um corpo crescente de evidências de que fenômenos como esse podem acontecer em humanos. Isso é o mais longe que eu posso ir.”
(Folha de SP, 8/2)

9 – Clima tórrido, serpente gigante

Cobra de 13 metros da Colômbia ajuda a entender temperatura dos trópicos há 60 milhões de anos

Isabela Fraga escreve para a “Ciência Hoje On-line”:

A maior serpente de que se tem notícia viveu na Colômbia há cerca de 60 milhões de anos. Com 13 metros de comprimento e mais de uma tonelada, a Titanoboa cerrejonensis deixa no chinelo a sucuri brasileira, que pode passar de 7 metros. Os fósseis dessa espécie ajudam a entender a temperatura dos trópicos durante o Paleoceno e servem de alerta para os impactos do aquecimento global.

Os fósseis da serpente foram encontrados por um grupo internacional de cientistas numa expedição à mina de Cerrejón, no nordeste da Colômbia. Junto aos ossos da Titanoboa foram encontrados também fósseis de tartarugas gigantes e crocodilos, possíveis presas da serpente. A análise dos fósseis foi publicada na edição desta semana da revista Nature.

“Até agora, não haviam sido descobertos fósseis vertebrados com idade entre 55 e 65 milhões de anos nas florestas tropicais da América do Sul”, disse em comunicado à imprensa o paleontólogo Jonathan Bloch, pesquisador da Universidade da Flórida (EUA), coautor do estudo e um dos líderes da expedição. “A descoberta da Titanoboa, portanto, nos dá um vislumbre inédito desse passado.”

Quanto mais quente, maior

O tamanho impressionante da serpente colombiana está ligado ao clima das florestas tropicais no período em que ela viveu, pois répteis de sangue frio como ela (ditos ectotérmicos) dependem da temperatura ambiente para regular a sua própria. Os autores do estudo acreditam que cobras do tamanho da Titanoboa só sobreviveriam em temperaturas médias mínimas de 30-34°C.

A conclusão veio de cálculos feitos a partir da relação entre o tamanho de animais ectotérmicos e a temperatura em que vivem. Se os cientistas estiverem corretos, isso significa que a temperatura média anual das florestas tropicais de 60 milhões de anos atrás eram pelo menos seis graus mais altas que as atuais, entre 24 e 26°C.

“A razão pela qual não há serpentes desse tamanho atualmente é que simplesmente as temperaturas não são quentes o bastante”, afirma Bloch em entrevista à CH On-line. “Se acharmos mais fósseis da Titanoboa, nossas estimativas da temperatura desse período podem subir ainda mais.”

Embora o estudo mostre que a flora e a fauna da região de Cerrejón tenham sobrevivido em um clima mais quente e úmido que o de qualquer floresta tropical moderna, esse pode ter sido o limite de sua tolerância. No final do Paleoceno, há cerca de 56 milhões de anos, houve um aumento da temperatura do planeta conhecido pelos pesquisadores como “máximo térmico do Paleoceno-Eoceno”.

Segundo os autores, nos trópicos as temperaturas podem ter chegado a 38-40°C. Esse fenômeno pode ter pode ter ocasionado mortes em massa nos ecossistemas terrestres e marinhos em decorrência do calor.

Embora ainda não haja evidências claras da influência desse evento sobre a flora e na fauna tropicais da época, a possível associação serve de alerta diante do aquecimento global que vemos hoje.

“Nossa descoberta pode ser a base para o desenvolvimento de reconstruções climáticas mais precisas”, disse à imprensa o paleontólogo Jason Head, pesquisador da Universidade de Toronto (Canadá) e primeiro autor do artigo. “Isso nos ajudará a entender como os ecossistemas respondem às mudanças climáticas, e esse conhecimento é extremamente relevante diante das mudanças climáticas atuais.”

10 – Água mais ácida confunde peixe

Alteração do pH dos oceanos por causa do CO2 prejudica olfato das larvas do peixe-palhaço

A história do peixe-palhaço (ou peixe-das-anêmonas) que se perdeu no mar, no filme Procurando Nemo, de 2003, pode ser uma amostra do que está por vir. Segundo cientistas, os níveis de CO2 podem fazer os peixes perderem seu senso de orientação.

Testes feitos com larvas dos peixes-palhaço mostraram que eles ficam desorientados e não conseguem encontrar o lugar apropriado para viver se a água do mar absorver CO2 (dióxido de carbono) da atmosfera.

O efeito é potencialmente devastador para uma série de populações de peixes porque muitos dependem dos odores da água do mar para encontrar os hábitats adequados para viverem, afirmam pesquisadores que estão investigando o impacto dos gases de efeito estufa sobre a vida marinha.

Os oceanos absorvem enormes quantidades de dióxido de carbono liberado com a queima de combustíveis fósseis. Com a absorção desses gases, os oceanos ficam mais ácidos. O pH global dos oceanos diminuiu 0,1% desde o período pré-industrial. Mas, com o esperado aumento das emissões de carbono, esse pH deve cair 0,3% ou 0,4% até 2100. Escrevendo na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), os cientistas descreveram como as larvas do peixe-palhaço perdem a capacidade de sentir odores vitais quando em águas mais ácidas por causa dos danos causados ao seu olfato.

“Eles não conseguem fazer uma distinção entre seus próprios pais e outros peixes e são atraídos para substâncias que antes evitariam. Isso significa que as larvas terão menos oportunidade de encontrar seu verdadeiro hábitat, e isso pode ser devastador para as suas populações”, disse Kjell Doving, coautor do estudo e pesquisador da universidade de Oslo.

O caminho

As ovas dos peixes são levadas pelas correntes oceânicas. Ao sair das ovas, as larvas normalmente captam odores que as conduzem para os recifes e anêmonas, onde fazem as suas moradas. No estudo, os cientistas acompanharam como as larvas seguem os odores em águas normais, com um pH de 8,15, em comparação com seu desempenho em uma água do mar levemente ácida, imitando as condições oceânicas esperadas para 2100 e adiante.

Com as águas a um pH de 7,8, as larvas não seguiram os odores liberados por recifes e anêmonas. Em vez disso, foram atraídas para cheiros que normalmente evitam, incluindo aqueles liberados por plantas e outros organismos que crescem em tipos de hábitat inadequados para os peixes. As larvas, assim, não conseguem usar o olfato para fazer distinção entre seus familiares e outros peixes. A um pH de 7,6, as larvas não conseguiram seguir nenhum tipo de odor na água e passaram a nadar sem direção certa.
(Ian Sample, The Guardian)
(O Estado de SP, 4/2)

11 – Bactéria social

Estudo indica que enquanto Helicobacter pylori, que causa gastrite e úlcera, atinge 47,8% das crianças de famílias de baixa renda, prevalência é de apenas 3,2% nos indivíduos de alta renda

Thiago Romero escreve para a “Agência Fapesp”:

Pesquisadores da universidade Estadual de Campinas (Unicamp) comprovaram que a maior prevalência da infecção pelo Helicobacter pylori, espécie de bactéria que infecta o revestimento mucoso do estômago humano, está relacionada à condição socioeconômica da população, ocorrendo com mais frequência nos primeiros meses de vida em crianças de baixa renda.

O trabalho, realizado no Laboratório de Bacteriologia do Gastrocentro da universidade, com coordenação do professor José Murilo Robilotta Zeitune, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas, teve como finalidade verificar a prevalência da infecção pela bactéria em crianças de até 6 anos de idade pertencentes a famílias de alta, média e baixa renda.

Segundo Zeitune, a infecção pelo Helicobacter pylori afeta cerca de 50% da população mundial, com maior prevalência nos países em desenvolvimento. “Estudos epidemiológicos sugerem que a transmissão da bactéria ocorre provavelmente pelas vias fecal e oral, estando diretamente relacionada com as condições socioeconômicas da população”, disse à “Agência Fapesp”.

“Apesar de a renda familiar estar diretamente associada à prevalência da bactéria, outros fatores, como condições de higiene e de saneamento básico, também estão relacionados à aquisição da infecção”, apontou.

No novo estudo a prevalência da infecção foi analisada em 218 crianças, sendo 92 pertencentes a famílias de baixa renda residentes em Teresina (PI). As crianças restantes foram selecionadas em Campinas, no interior paulista: 64 delas frequentavam a creche pública da Unicamp (média renda) e 62 estudavam em uma escola particular (alta renda).

A presença da bactéria foi verificada em amostras de fezes a partir da identificação do antígeno fecal do H. pylori (HpSA). Os resultados demonstram que a prevalência da infecção em crianças provenientes de famílias de baixa renda foi de 47,8%. Nas crianças de média renda essa prevalência foi de 13,5%, e naquelas de alta renda, 3,2%.

“Com relação à aquisição da infecção, os dados revelam que 16,7% das crianças de famílias de baixa renda foram infectadas desde os primeiros meses de vida, 20% das de renda média foram infectadas a partir do primeiro ano de vida, enquanto 18,1% das crianças de alta renda foram infectadas apenas a partir do terceiro ano de vida”, disse Zeitune.

“Desse modo, os dados sugerem que a maior prevalência da infecção ocorre em crianças com baixo nível socioeconômico, sendo que a aquisição da bactéria ocorre precocemente nessas crianças”, explica.

O H. pylori vem sendo estudado no Gastrocentro da Unicamp há vários anos por ser uma bactéria que causa gastrite, úlcera e até câncer gástrico. No Gastrocentro são realizados não apenas protocolos de pesquisa sobre a bactéria como também o seu diagnóstico na população atendida no Hospital das Clínicas da Unicamp.

“Temos vários projetos de pesquisa em andamento relacionados à bactéria, inclusive com estudos de epidemiologia molecular utilizando técnicas de genotipagem e sequenciamento do genoma do H. pylori”, disse o professor.

Método não-invasivo

Para os autores do novo estudo, uma das maiores contribuições do trabalho está na utilização de um método não-invasivo (HpSA) para o diagnóstico da infecção pelo H. pylori na população pediátrica, o que pode ser considerado, por si só, um grande avanço no diagnóstico da infecção pelo fato de apresentar resultados semelhantes aos obtidos pelos métodos tradicionais.

“O diagnóstico precoce realizado de forma prática e rápida pode levar ao desenvolvimento de terapias e programas de prevenção à infecção”, disse Zeitune. O método imunoenzimático não-invasivo utilizado para a pesquisa do antígeno fecal do H. pylori foi padronizado pelos pesquisadores do Laboratório de Bacteriologia do Gastrocentro há cerca de oito anos.

A utilização da pesquisa do antígeno fecal do H. pylori foi inicialmente descrita por pesquisadores italianos. Trata-se de um método não-invasivo que utiliza amostras de fezes para detecção da bactéria. Os métodos tradicionalmente utilizados no diagnóstico do H. pylori são a histologia e o teste da enzima urease.

“Esses dois métodos são invasivos e necessitam da coleta de fragmentos de mucosa gástrica por biópsia durante o exame endoscópico dos pacientes. Por outro lado, o emprego do antígeno fecal na detecção da infecção é de grande valia, sobretudo na população pediátrica, pois além de não-invasivo é um teste rápido e de fácil execução”, explicou.

O professor salienta ainda que outro estudo realizado pelo Gastrocentro, que também comparou crianças de mesma condição socioeconômica moradoras em Campinas e Teresina, demonstrou que os índices de prevalência da bactéria são diferentes, reforçando a influência das condições locais de saneamento básico na transmissão.

“Sendo assim, é importante que os municípios implantem uma política sanitária de qualidade e acessível a toda a população, além de realizar campanhas sobre a conscientização dos hábitos de higiene e apresentar programas de diagnóstico precoce da bactéria, o que poderá reduzir os custos do seu tratamento. Conhecendo melhor as faixas etárias com maior prevalência da infecção, é provável que se possa, no futuro, desenvolver programas de prevenção primária contra a bactéria”, apontou.

Calcula-se que cerca de 60% dos cânceres do estômago estejam relacionados ao desenvolvimento do H. pylori em pessoas infectadas na infância. O estudo feito na Unicamp foi premiado pela Federação Brasileira de Gastroenterologia durante a 8ª edição da Semana Brasileira do Aparelho Digestivo, realizada em outubro de 2008, em Brasília.
(Agência Fapesp, 4/2)